Deckard - Histórias de outro mundo - Capítulo 13
— Agora, você entendeu o motivo de virmos aqui para esse treinamento — Deckard ouviu ela explicar, enquanto limpava a poeira de suas roupas, com um rosto infeliz. — Se você estivesse no meio da floresta ou próximo da cachoeira, poderia acabar sendo arremessado contra uma árvore ou uma pedra e se ferindo realmente.
— Então você já sabia que iria acontecer? — ele disse, de forma irritada.
— Claro que sabia, acontece com todos quando começamos a treinar controle de mana e atingimos o nosso limite. Isso serviu para te mostrar o que pode acontecer quando se acumula cansaço mental, por usar mana além do que podemos.
— Então, não podemos usar a mana indefinidamente…
— Claro que não Deckard, nada nessa vida é infinito. Mas, esse limite de uso de mana pode ser ampliado, tanto naturalmente quanto através de treinamento.
— E como fazemos isso?
— No modo fácil e indolor, ele é aumentado naturalmente conforme nossa capacidade mágica cresce, até que atingimos o nosso limite natural. Esse limite é uma barreira intransponível, que vai determinar os ranks dos guerreiros, do E até o S — Diane parou de andar e começou a riscar o chão com um graveto. — Podemos aumentar esse limite em uma certa quantidade usando equipamentos e acessórios mágicos. Mas, ainda assim, não superam os ranks.
— Então, qual a necessidade desse treinamento doloroso? — Deckard ainda estava frustrado com aquela explosão de mana, apesar de não ter se ferido.
— Aí é que está, Deckard. O método natural demora anos para atingir seu limite e para que você possa exercer suas capacidade mágicas plenamente. Com esse treinamento, podemos acelerar esse progresso. Além de descobrirmos muito antes qual é o seu limite, você poderá exercer plenamente suas capacidades muito antes do que iria, se evoluísse naturalmente.
— Então, não tem nenhuma maneira de aumentar de rank? — Deckard perguntou, já pensando na dificuldade que seria sua vida, caso tivesse um rank baixo.
— Até tem, mas é bem raro. As pessoas que ganham essa chance são chamadas de Mutantes e são algo em torno de 1 a cada 100.000 pessoas. Em nosso reino nós temos 5 mutantes. Fora isso, não há nenhuma forma.
— Como faço para descobrir meu rank e meu limite?
— Tem uma avaliação, feita na Guilda de Caçadores, que serve para determinar os ranks. Ela é feita no momento em que um guerreiro quer se registar. Mas, isso é conversa para depois.
Ela parou de riscar o chão e continuou em frente.
— Agora vamos atrás do nosso almoço. Eu vou pegar algumas frutas e vegetais e você vai caçar.
— Como vou saber onde caçar?
— Não se preocupe, estamos indo até um pequeno lago, que os animais usam para matar sua sede. Lá você poderá caçar com mais facilidade.
— Que bom, seria bem difícil achar uma presa em uma parte que não conheço da floresta.
— Se eu fosse você, não ficaria tão feliz assim. Diferente dos animais que você caçou até agora, que eram filhotes indefesos, neste lago você vai encontrar animais crescidos e alguns bem perigosos.
— Indefesos? Onde que eles eram indefesos? — Deckard se virou para ela, indignado.
— Bem, um lobo mutante dormindo e um filhote que mal aprendeu a caçar não representam perigo algum Deckard, deixe de ser chorão – Diane não perdeu a chance de puxar a orelha de Deckard.
— Ei, espera aí, você estava vendo eu ser atacado por aquele lobo? E nem me ajudou? — a indignação de Deckard atingiu o seu ápice.
— Se você espera ajuda para caçar filhotes, então só a morte te aguarda quando não estiver ao meu lado. Isso, falando de dois animais que mal representam riscos.
— Um lobo mal representa risco? Olha o tamanho do Argenti — ele retrucou, apontando para o lobo.
— Há diferenças entre o Argenti e os demais lobos. Primeiro, ele é um Líder de Alcateia, logo é muito mais forte do que o normal. Segundo, ele é meu familiar e partilhamos um contrato de sangue, o que nos torna mais fortes. Você ainda irá ver que não passa de um pequeno bebê que não viu nada do mundo, meu querido.
Os dois continuaram andando por alguns metros, até chegarem em um arbusto pouco maior do que o comum.
Pararam em meio ao arbusto, enquanto observavam o lago. Haviam alguns javalis próximos à água. Dois filhotes pequenos e um, pouco maior do que eles.
— Boa sorte. Essa parte é por sua conta.
Diane saiu de perto do arbusto e foi se afastando. Parecia estar bem mais interessada nas plantas do que em saber se ele teria sucesso na caçada. De repente, ela parou e virou para o encarar. Colocou a mão por dentro da pequena bolsa que trazia na cintura e puxou uma adaga e arremessou em sua direção.
— Já estava quase me esquecendo de te entregar.
— Obrigado — Deckard agradeceu, enquanto olhava a adaga em suas mãos.
— Parabéns por ter passado na primeira parte do treinamento. A habilidade que prometi te ensinar, vou te mostrar durante a tarde.
Ela mal terminou de falar e saiu andando novamente. Deckard tirou a adaga da bainha dela e a examinou bem. Tinha uma aparência simples, com uma lâmina reta, mas bem afiada. O cabo era sem ornamentos, mas parecia ser uma boa adaga.
Pensando em qual deveria ser a habilidade que ia aprender, ele se lembrou das suas próprias habilidades. Apesar de ver quais eram, não havia visto exatamente do que se tratavam.
Ele se abaixou novamente em meio ao arbusto e abriu sua tela de habilidades de combate e leu as descrições detalhadas de cada habilidades.
HABILIDADES:———————————————————–COMBATENTES:———————————————————–
– FORTALECIMENTO CORPORAL Nvl.1
– Rank: Comum- Aumenta 10% de cada atributo, por 15 segundos, elevando temporariamente o poder de combate.
– ASCENSÃO DO TROVÃO Nvl.1
– Rank: Comum- Envolve o corpo do usuário em eletricidade, aumentando sua força e destreza em 1 ponto por 5 segundos. Há 20% de chance de causar atordoamento no alvo. Há 5% de chance de causar atordoamento no usuário, caso a proficiência seja baixa.
– MURALHA DE AÇO Nvl.1
– Rank: Raro- Causa um aumento explosivo na capacidade de defesa do usuário, aumentando sua destreza em 50% por 5 segundos. Há 30% de chance de ativar “defesa absoluta” e mitigar completamente o dano sofrido pelo usuário.
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Agora que tinha uma noção melhor de suas habilidades, ele estava se sentindo preparado, pro caso de precisar enfrentar um monstro de frente.
— Bem, essa habilidade de relâmpago está mais para uma faca de dois gumes. Vou deixar ela para caso de emergência, ainda mais considerando o que Diane me disse sobre a resistência aos efeitos colaterais.
— Bem, vamos lá! Vou usar o fortalecimento corporal para um bote certeiro, quero evitar prolongar isso.
Ele aproveitou a vegetação um pouco mais alta para se arrastar até estar bem próximo dos javalis. Respirou fundo e se preparou. Ele equipou a adaga e só então, percebeu que ela tinha um bônus de 3 pontos de força.
— Quinze segundos de fortalecimento, vinte pontos de força e dezesseis pontos de destreza devem ser o suficiente para finalizar isso em um ataque.
Estava pronto para atacar, quando de repente…
CRAC…
Assim que ouviu o barulho, ele se virou e deu de cara com um javali bem maior do que os pequenos em volta do lago. Ele estava escarvando o chão enquanto o encarava.
— IHHHHHHCC — ele soltou um grunhido irritado que assustou os filhotes.
Sem dar tempo para que Deckard tentasse fugir, o javali investiu. Mais rápido do que ele esperava, o animal avançou como um carro em alta velocidade.
— MURALHA DE AÇO — Deckard gritou quase que instintivamente, torcendo para ativar a habilidade em todo seu potencial, enquanto cruzava os braços em frente ao peito.
DEFESA ABSOLUTA ATIVADA! -O DANO DO ATAQUE FOI COMPLETAMENTE MITIGADO –
Tudo que ele pôde fazer foi se sentir aliviado, enquanto seu corpo escorregava para trás, após ser empurrado pela investida do javali.
Sem pensar duas vezes, decidiu partir para o tudo ou nada. Apesar de ser atingido com menos violência do que esperava, ele não sabia se era por causa da defesa absoluta e também não estava com vontade de arriscar e descobrir a verdade.
— Ascensão do trovão — Deckard ativou a habilidade enquanto preparava a adaga e partia de encontro ao javali, que já estava investindo novamente.
No último segundo, ele saltou para o lado, tomou impulso e atacou com a adaga, abrindo um talho na lateral do corpo do javali, que ia do pescoço até o meio da barriga.
Já estava se preparando para virar e atacar novamente, quando suas pernas fraquejaram. Só pôde sentir a dormência tomando conta do seu corpo, enquanto começava a tombar para frente.
— Essa foi uma caçada interessante, hein — Diane surgiu no último segundo e o segurou enquanto ele caia, sem forças para se manter em pé. — Assim como essas habilidades. Parece que você tinha alguns segredos, meu pequeno Deckard.
Enquanto ele apoiava nela para se manter de pé, olhou sobre o ombro e viu o javali em meio à espasmos, enquanto seu sangue vertia da ferida na lateral do seu corpo.
— Ao que parece, você não foi o único afetado — Diane comentou, com um sorriso divertido.
FIIIIIIIIUUUUU…
Diane assobiou com força. Alguns segundos depois, Argenti apareceu ao lado dela.
— Pega e vamos, garoto. Estamos indo embora — ela disse ao lobo, apontando para o animal abatido.
Com Argenti arrastando o javali e Diane praticamente arrastando Deckard, eles voltaram para onde estavam suas coisas, para almoçar.
Enquanto estava sentado, encostado em uma árvore, na beira da clareira em que ele estava treinando antes, Deckard pôde sentir a dormência realmente passando e a letargia deixando seu corpo. Enquanto isso, Diane demonstrava grande habilidade e esfolava rapidamente o javali.
Em pouco tempo ela terminou e começou a espetar as carnes e colocar sobre a fogueira que já estava acesa.
Cerca de meia hora depois, ele já havia voltado ao normal e Diane o chamou para comer. Ela havia pego alguns vegetais e os assou junto com a carne. Comeram e sentaram um pouco, antes de começar o treinamento de combate.
Começaram pelo treinamento físico. Ela passou para ele uma série de exercícios; composta por flexões, agachamentos, sequências de socos, chutes e alongamentos. Segundo Diane, antes de partir para treinamento com armas e magias, se faz necessário preparar a base corporal.
Após passar cerca de uma hora fazendo exercícios, Diane finalmente o chamou para parar e descansar um pouco, antes de passar para a explicação de técnicas de combate e artes marciais que eram comumente usadas. Assim que Deckard descansou e ela terminou a breve introdução sobre artes marciais, ela mandou que ele ficasse em pé e repetisse as sequências de movimentos que ela fazia.
Passaram cerca de duas horas treinando essas sequências, retomando do início sempre que a sequência era finalizada e corrigindo as posturas de Deckard.
Após treinar até a exaustão, pararam outra vez.
Dessa vez, ficaram sentados por cerca de meia hora, enquanto conversavam sobre as habilidades que ele havia usado contra o javali. Deckard explicou como as habilidades funcionavam, mas decidiu não comentar muito a respeito de como aprendeu elas.
Simplesmente disse que havia tido alguma forma de iluminação durante seu treino de controle de mana. Ela provavelmente não acreditou nessa conversa fiada, mas deixou para lá.
— Agora que já descansamos o suficiente, vamos passar ao treinamento com magias de combate. Antes de aprofundarmos no treino, vou te ensinar a habilidade sobre a qual te falei.
Ela pediu para ele pegar um livro dentro da mochila, enquanto ela se preparava para demonstrar a habilidade.
— O nome dessa habilidade é Punho Meteórico. Em princípio, é uma habilidade voltada para pessoas com afinidade com o elemento Terra e não é muito difícil de ser aprendida — enquanto falava, ela pegava um punhado de terra com as mãos.
— Com essa habilidade, você usa o elemento Terra para aumentar o poder de impacto do soco, causando uma destruição bem maior. O potencial máximo dela é atingido por quem tem dupla afinidade, de Terra e Fogo. Uma vez que sua dupla afinidade se trata de sub elementos dessa afinidade, você pode vir a despertar um poder muito mais incrível com ela.
Assim que ela terminou de explicar, tomou uma distância considerável e parou em frente uma rocha.
Ela fechou o punho direito, dobrou o braço direito em um ângulo de 90° e começou a acumular mana até que um pequeno vórtice se criasse em volta do punho e socou rapidamente a pedra. Sem qualquer dificuldade, a pedra foi estilhaçada, como se fosse feita de vidro.
Deckard ficou completamente surpreso pela força mostrada por Diane, ao ponto de arregalar os olhos. Enquanto isso, ela virou de costas para a pequena nuvem de poeira que se ergueu e voltou para onde ele estava.
— Esse é o efeito que se espera ao utilizar a habilidade. Mas, diferente do que possa parecer ao olhar, não é tão simples assim controlar a habilidade.
Deckard continuou abismado com o poder que ela demonstrou.
— Caso não consiga utilizar corretamente o elemento terra, ou metal no seu caso, pode acabar se ferindo, ao desferir o golpe — Diane o alertou prontamente.
Ela prosseguiu a explicação, dizendo que no caso de magos com dupla afinidade, que geralmente usam o segundo elemento na intenção de causar algum efeito de status (queimadura, letargia, congelamento) e aumentar ainda mais esse dano, o dano extra pode acabar sendo auto infligido, quando não há resistência suficiente.
— Mal posso esperar para aprender essa técnica, parece realmente poderosa. Quero ver quando eu conseguir moldar ela com minha dupla afinidade — Deckard já estava realmente ansioso para praticar.
— Esse é o espírito, mas vou ter que jogar um balde de água fria em você Deckard.
— Como assim, mestra? — ele não pode esconder a decepção.
— Antes de realmente aprender a técnica, temos que trabalhar seu poder e sua magia. Temos que trabalhar seu controle sobre o metal e a resistência ao relâmpago. Caso contrário, você apenas vai acabar ferido em uma luta, ao invés de vitorioso.
— E como farei isso exatamente? — ele queria realmente saber agora.
— Para treinar a sua resistência ao relâmpago, vamos fazer você ter o máximo contato possível durante o treinamento de controle de mana, onde você passará a transformar a mana que controla em eletricidade e envolver seu corpo.
— Isso não parece que vais era tão fácil — comentou Deckard.
— No caso do metal, você precisa aprender a utilizar as características do elemento e aplicá-las em seu corpo, deixando ele muito mais resistente e rígido.
Diane pegou o livro das mãos de Deckard e abriu em uma página que falava sobre características elementais.
— Somente após alcançar um alto nível de controle de um elemento é que você pode transformar realmente seu corpo no elemento desejado. Mas, ainda falta muito para você sequer sonhar com isso.
— Então, quer dizer que eu ainda não vou aprender a habilidade?
— Caso você queira se ferir toda vez que usá-la, te ensino agora. Do contrário, vamos preparar seu corpo antes disso.
— Acho que um pouco de calma nunca matou ninguém — ele não queria descobrir a gravidade desses possíveis ferimentos auto infligidos, por conta de impaciência. Ele não era burro para arriscar contrariar Diane.
— Você é mais esperto do que faz parecer. Agora vamos para a parte de combate mágico realmente. Diferente do que você deve estar pensando, vamos começar com a magia mais básica de combate possível, que é Fortalecimento Corporal.
— E quando finalmente vamos passar para as magias realmente? — Deckard já estava começando a se sentir meio chateado.
— Assim que você me provar que é bom o suficiente utilizando o básico nos combates. Agora, vamos começar.
Ele não pode esconder o quanto estava chateado com o que ela havia dito.
Ela começou a circular a mana dentro do corpo, até o ponto em que uma aura começou a emanar do corpo dela, se elevando a cerca de 4 ou 5 centímetros da pele, fazendo com que Deckard se sentisse pressionado. Seus instintos pareciam gritar “PERIGO” de todas as maneiras possíveis.
— A menos que você já seja bom demais para aprender algo básico e queira demonstrar sua monstruosa habilidade me vencendo — disse ela, o encarando com um olhar feroz.