Demônio da Escuridão - Capítulo 1
Capítulo 1: Despertar do Pecado
“O Criador derramará a salvação sob os mortais, lavando-os de seus pecados. O Juízo Final está próximo e quem não aceitar a salvação será engolido pela escuridão.”
Profeta desconhecido.
Uma doença desconhecida assolou todo o Reino de Constantino. Embora não fosse letal, causava sintomas preocupantes como: febre, enjoo, fraqueza, dor de cabeça, dores musculares e diarreia. Os sintomas variam de pessoa para pessoa, mas o que ninguém esperava, é que após os pacientes se recuperarem dessa doença, eles desenvolveram capacidades sobre humanas.
Tal doença ficou conhecida como Despertar.
O despertar permitiu que a raça humana expelisse fogo pelas suas mãos, invocasse trovões, movesse cargas extremamente pesadas apenas com a força bruta, entre outras variantes. Esse fenômeno acabou desencadeando uma revolução.
Foi nessa época que ocorreu a Guerra pelo Poder, um conflito civil que lutava por mudanças. De um lado se tinha o povo que outrora estava no limbo da pirâmide social e agora possuía poder para mudar isso, do outro, aqueles que eram favoráveis à monarquia ou foram comprados pelo rei para defender o trono.
Embora não tivessem tantos recursos econômicos quanto o lado monárquico, os superplebeus, como ficaram conhecidos, resistiram contra o exército do rei e conseguiram travar uma batalha equilibrada, mesmo tendo muitos que viraram a casaca, eles estavam em maior número.
Muitas pessoas morreram, de ambos os lados. A guerra se esfriou, o número de despertados caiu, mal sabiam os mortais que aquele seria só o começo de um desastre ainda maior que estava por vir.
Tremores agitaram as terras de Constantino, o chão começou a rachar ao mesmo tempo que um brilho vermelho e um calor ardente escapavam das fissuras. Demônios e bestas emergiram do submundo por todos os lados, em todos os lugares.
Os humanos travaram uma batalha contra os demônios pela sobrevivência. Se não fosse pelo despertar, a humanidade não teria chances, graças a ela houve alguma esperança de sobrevivência.
A grande guerra contra os demônios durou doze anos, o Juízo Final ceifou milhões de vidas. Embora nos dias atuais a humanidade consiga estabilizar-se e resistir, os seres demoníacos ainda vagam pelo mundo, espreitando na escuridão, apenas aguardando o dia em que irão protagonizar a ruína da humanidade.
Mesmo tendo sobrevivido ao juízo final, a sociedade humana ainda sofre com os efeitos dele. Devido ao grande investimento em armamentos e a perda numerosa de pessoas, a miséria cresceu em um nível assustador, muitas famílias não têm o que comer, roupas para vestir e uma casa para chamar de lar. O rei de Constantino não parece ter qualquer intenção de ajudar a população carente, uma vez que os demônios ainda não foram erradicados e a alta circulação de verba no meio bélico ainda é necessária.
Portanto, a população se viu entre duas opções: mandar seus homens para o exército de Constantino e assim conseguir uma renda fixa ou viver em comunidades pobres autossuficientes.
Vilarejo de Galego, vinte anos após o início do Juízo Final.
Os moradores se retiram da igreja e retornam para suas casas após mais uma noite de pregação, o sermão do padre é a única coisa que mantém os moradores ainda sãos, com a cabeça no lugar, com esperança de um futuro melhor. Olhando pela janela, o padre reflete consigo mesmo.
Do lado de fora, na calada da noite, um nevoeiro enche as ruas de Galego, iluminado apenas com lanternas penduradas em estacas altas de madeira. Os pensamentos do padre são interrompidos quando ele avistou a silhueta de uma pessoa vagando pelo vilarejo, arrastando os pés como um morto-vivo.
Os moradores cumprem religiosamente o horário de recolher e descansar, dificilmente alguém sairia de casa nesse horário. Seria ele um viajante? É um morador? Quais são as suas intenções? Esses pensamentos ecoavam na mente do padre, até que o indivíduo misterioso desabou no chão.
“O que aconteceu? Acho que deve ser alguém precisando de ajuda. Eu preciso checar” — o Padre acendeu uma vela e foi até o local onde a pessoa misteriosa estava debruçada no chão.
Como forma de segurança, o padre deixou uma mão no cabo de sua adaga em caso de necessidade. Ele caminhou cautelosamente até o corpo caído, fazendo o menor ruído possível. Ao se aproximar, ele viu um corpo de baixa estatura, tendo no máximo 1,50m de altura, vestindo uma túnica, encapuzado, no chão, de barriga para baixo.
O padre cutucou gentilmente o corpo com a ponta de seu pé, porém não houve reação alguma.
“Será que essa pobre alma está morta?” — O padre imaginou isso não só pela falta de reação, mas também porque a pele da mão está branca como leite, porém estranhamente em um tom lilás.
Ainda usando o pé, o padre virou o corpo caído.
— UAAAH! — O padre assustou-se.
É uma criança de cabelos brancos e pele clara em tom lilás, mas o que deixou o padre surpreso foi o par de chifres negros expostos na cabeça daquela criatura, e isso é uma característica marcante dos demônios. Acontece que não há registros de demônios humanoides, todos que foram testemunhados possuíam traços monstrengos, se assemelhando mais a aberrações.
Ele não está morto, afinal a sua respiração ainda é audível.
— É um demônio! Eu preciso matá-lo antes que acorde — o padre retirou a adaga de sua bainha e posicionou a ponta da lâmina acima do peito daquela criatura — Descanse em paz…
O padre olhou no rosto da criança demoníaca repousando e sua mão começou a tremer, ele nunca matou ninguém em sua vida, ainda que seja uma personificação do mal, a aparência infantil quebrou qualquer vontade que ele poderia ter de assassinar o menino demônio.
Ele guardou a adaga novamente em sua bainha.
“Acho melhor levá-lo comigo. Se eu confirmar que ele representa um perigo para nós, irei matá-lo “— O padre pegou a criança demônio no colo e a carregou até a catedral.
Ao entrar, ele ajeitou o corpo da criança, de forma que ela ficasse sentada na cadeira e a prendeu com uma corrente que tinha guardado em um baú.
“Será que eu deveria acordá-lo? Melhor não. Vou pegar alguma coisa para comer e depois vou…” — Os pensamentos do padre foram interrompidos quando ele percebeu a criança balançando a cabeça e seus olhos tremelicando.
O jovem demônio despertou, sua mente está confusa, seus olhos negros ainda estão se ajustando ao ambiente, ele tentar se mexer no entanto ele se vê preso em uma cadeira.
— Boa noite, demônio. O que você faz aqui? — o padre se agachou nivelando seu rosto com o da criança a sua frente.
— Eu só quero comida, depois eu juro por Deus que vou embora.
— Garoto, nunca te ensinaram que é pecado jurar em nome do Criador? — bufou o padre.
— Tanto faz, só me traga comida logo! Estou morrendo de fome — o garoto começou a agitar suas pernas.
— Miserável. Quem você acha que é para me dar ordens? — o padre foi até a cozinha, pegou uma maçã na cesta de frutas e trouxe para o demônio faminto.
Eu te darei comida, no entanto, você deve responder às minhas perguntas, entendeu? — o jovem demônio assentiu com a cabeça — Ótimo.
— Vou começar com uma pergunta simples: Qual é o seu nome?
— Levi.
— Certo, Levi. Quantos anos você tem?
— Doze.
— De onde você veio?
— Eu vim de Tristam — o padre olhou Levi com uma expressão confusa.
— Tristam não é uma cidade humana? Como você pode ter vindo de lá?
— Ah, sim. Eu ouvi que antigamente era uma cidade humana, mas faz anos que eles se aliaram ao Belial, hoje em dia vivem humanos e demônios por lá.
— Belial? Mas quem é esse?
— Um dos sete soberanos do inferno. Você é um padre, não é? Nunca ouviu falar deles? — a verdade é que essa é a primeira vez que o padre escuta esse termo.