Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 102
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- Capítulo 102 - Involuntariamente, Johann Geistmann retorna ao seu passado. (1/2)
1º Dia
10h27
Desperto na iteração seguinte da mesma forma de sempre.
A mesma sala de aula. A mesma paisagem. O mesmo ambiente. Porém, ao olhar em volta, é fácil perceber que a diferença é notória.
Se eu ainda estivesse sofrendo da tontura dos déjà vus ninguém estaria aqui para perguntar se estou bem. Aqueles dois palhaços também não estão mais aqui para me infernizar com suas disputas entre garotas 2D e 3D. Aquela infinidade de repetições ficou para trás, dispersou-se no tempo como sequer houvesse existido.
Saio da sala e caminho pelos corredores vazios no mais completo silêncio.
O som dos meus próprios passos é a única coisa que sou capaz de ouvir neste ambiente praticamente deserto. Na realidade em que estamos inseridos, a situação é análoga a um mundo em que todos os seres humanos tivessem desaparecido.
Tudo vazio.
Não há mais ninguém aqui.
Desço até o saguão e posteriormente ao pátio.
Nada.
Toda aquela irritante gritaria se foi. Todos se foram para sempre, restando apenas estas construções abandonadas. As minhas preces daquele distante período em que amaldiçoava a felicidade alheia parecem ter sido atendidas, porém agora aquelas mesmas preces não possuem mais significado algum.
Qual significado restaria a um mundo vazio?
— Johann.
Ouço a serena voz de Mikoto, e então me viro na sua direção.
Felizmente eu ainda não estou sozinho.
Lá estão elas, as garotas com seus longuíssimos cabelos pretos e dourados balançando neste vento de inverno.
Elas caminham sobre a neve até mim.
— Ao que parece, a partir de agora somos nós três apenas — comenta Ailiss.
— Achei que quando todos fossem levados eles se obrigariam a se manifestar. Visto que agora o entretenimento deles acabou, não há mais o que esperar de nós três. Então por que isso simplesmente reiniciou? — indaga Mikoto com os dedos sobre os lábios de forma pensativa.
É uma forma razoável de pensar, alguma mudança deveria ser aplicada. Não sei o que exatamente devemos fazer, mas de uma coisa tenho certeza: eles não se cansam tão facilmente.
— Eles jamais ficariam satisfeitos apenas com alguns anos, mesmo que não tenhamos nada a lhes oferecer, eles são bastante pacientes. Ademais, isto continuará por muito tempo — respondo enquanto encaro o céu.
Nossa liberdade, inclusive a liberdade de morrer, foi arrancada para sempre e teremos que lidar com isso.
…
Vasculhamos o restante da escola com uma falsa esperança de que algo tenha mudado. Quem sabe houvesse mais algum estudante que ainda havia sobrevivido e estivesse escondido em algum lugar. Porém estas especulações são mero negacionismo da nossa parte.
Por mais que estejamos cientes de que não há nada para ser encontrado, continuamos observando todo este recinto deserto.
Nenhuma pista de algo que possa nos conduzir para fora desta realidade.
Após cansarmos desta busca exaustiva e sem resultados, caminhamos até um banco no pátio e nos sentamos.
Observo as duas que estão com o olhar totalmente perdido. Decido as acompanhar e fito o céu enquanto tento encontrar alguma resposta.
Contudo, já não há condição que ainda não tenha sido testada. Resta-nos apenas aceitar a nossa pena perpétua neste local.
Mikoto resolve se pronunciar e ao que aparenta também chegou à mesma conclusão que a minha.
— Bem, nós três já tentamos de tudo neste período. É com pesar que vos digo que não acho que exista alguma forma de quebrar estas repetições. Provavelmente continuaremos presos aqui neste ciclo infinito.
— Vejo que também jogaram a toalha. Mas então, o que faremos a partir de agora? Vamos sentar aqui e esperar enquanto apodrecemos mentalmente da mesma forma que ocorreu com nossos colegas? — sugiro.
— Eu apoio. Não é uma má ideia, já estou farta deste looping — responde Ailiss enquanto descansa a cabeça sobre sua mão.
— Francamente, vós dois… Questiono-me o que seriais de vós se eu não estivesse aqui — replica Mikoto levando a mão até a testa em desaprovação.
— E você tem alguma sugestão melhor? Como você mesmo acabou de dizer, não há nada que possamos fazer — responde Ailiss.
— De fato, em relação às repetições não há nada, todavia tentais ver por outra perspectiva — pausa pensativa — Podemos, quem sabe, nos divertir um pouco? — propõe Mikoto.
— Tsc. Mais jogos de tabuleiro? Achei que nós havíamos concordado que aquilo já perdeu a graça.
— Claro que não, podemos nos divertir com outras atividades. Por exemplo… — toca em suas têmporas ainda mais pensativa e perde as palavras.
Diversão? O meu eu anterior a este evento já não conseguia realizar tal façanha, muito menos agora preso nesta realidade e coberto por este lodo de pecados. Além do mais, estas duas parecem estar mais distantes do conceito de diversão do que eu.
— Certo, mas como fazemos isto exatamente? — pergunto.
— Não sei. Também estou no aguardo das ideias da senhorita divertimento — a outra comenta.
— Para falar a verdade eu achava que vós tereis algumas sugestões — suspira — Como sempre vivi em função dos meus afazeres, nunca tive muito tempo para colocar diversão propriamente dita em prática, então só conheço a teoria. A única coisa que consigo me lembrar de que realmente me divertiu foi incomodar o Johann durante estas repetições — replica Mikoto.
Vou encarar este último comentário como um elogio.
— Posso dizer o mesmo. Até ficar presa aqui todo meu tempo foi dedicado a meu trabalho como assassina.
De fato não estou surpreso com estas respostas, são a cara das duas.
Começo a rir suavemente.
As duas me encaram incomodadas.
Em seus rostos está escrita a sentença de: “O que foi?”.
— Apenas achei engraçado o fato de nós três sermos tão caretas a ponto de ninguém saber o que fazer — respondo.
— Ei, não me inclua nessa sua autodepreciação — retruca Ailiss zangada.
— Bem… nós três podemos pensar em alguma coisa. Quem sabe uma lista de atividades que gostaríamos de fazer? Coisas simples como atividades que não tivemos oportunidade de realizar na infância e no convívio escolar devem bastar — Mikoto aponta para o meu rosto — A propósito, faz bastante tempo que tu não fazes uma expressão verdadeira como esta Johann — sorri.
Não faço? É… de fato eu estava rindo. Pelas palavras de Mikoto, as duas já devem ter notado que meu comportamento evasivo permaneceu desde a nossa última conversa sobre este assunto.
As correntes do remorso ainda me prendem numa constante apatia, mas por este mísero instante pude respirar aliviado. Infelizmente não sei se conseguirei manter este estado de espírito depois de tudo o que aconteceu… não sei se posso simplesmente ignorar tudo e continuar vivendo com as duas como se não houvesse nada de errado.
— É só impressão sua — forço um sorriso.
— Tu sabes que este truque não irá funcionar conosco, posso ver claramente que há algo de errado contigo, isto não é de agora. Estamos cientes de como tu estás te sentindo.
Ela sempre foi capaz de ver por trás das minhas máscaras, e desta vez não será diferente.
— Verdade. Vejo que não posso usar dos mesmos artifícios que usei com Manabu e Miyu. Mas peço que não se preocupem tanto comigo, é só besteira da minha parte.
— Podemos não ser as companhias mais sensibilizadas do mundo, mas podemos ajudá-lo — comenta Ailiss.
— Estou bastante surpreso. Jamais cogitei vê-la tão amigável desta maneira.
— Digamos que já estou de saco cheio dessa sua aura desgostante a ponto de querer socar a sua cara quando me deparo com essa expressão azeda. Em todo caso, a ideia da Mikoto não é tão ruim.
Talvez não tão amigável assim… acho que me precipitei em achar que ela havia mudado.
— E então? Alguma objeção da tua parte, Johann? — indaga Mikoto.
— Por mim, tudo bem. Não tenho muitas ideias, mas irei acompanhá-las.
Então está decidido. Eu e estas duas garotas inexpressivas e ao mesmo tempo malvadas tentaremos pela primeira vez nos divertir genuinamente.