Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 103
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- Capítulo 103 - Involuntariamente, Johann Geistmann retorna ao seu passado. (2/2)
08h33
Para variar, passei a noite em claro de novo. Sei que prometemos uns aos outros que iriamos descontrair um pouco, mas minhas preocupações ainda não cessaram.
Tudo persiste muito confuso em minha mente. Não sei o que pensar sobre tudo isso que se passou. Não sei o que pensar sobre o que nos resta neste mundo de repetições.
Vou tentar me deitar novamente, quem sabe eu consiga dormir um pouco pela manhã.
Antes de ir para a sala de aula que utilizo para dormir, decido passar pela sala do conselho estudantil para averiguar como as duas estão.
Abro sucintamente a porta e vejo que ambas estão acordadas. Ailiss está sentada em frente à mesa de Mikoto e esta que por sua vez está aquecendo a água.
— Bom dia, Johann — olha para mim e sorri — Tu chegaste em boa hora. Já iria pedir para a Ailiss te chamar para o café da manhã.
Espere, há algo de muito estranho por aqui. Não é usual de Mikoto ter este tipo de abordagem gentil, exceto quando ela pretende me envergonhar na frente de terceiros. Porém só nós três estamos aqui…
— Café da manhã… para mim? Será que posso confiar em tamanha benevolência?
— Não precisa te preocupar, esqueceste de que na nossa situação não há sentido em envenenar a comida ou algo de gênero? — ri — Vamos, senta-te e coma um pouco.
— Você tem um bom ponto. Para falar a verdade eu estava só de passagem, mas acho que vou aceitar o convite — respondo e me sento ao lado de Ailiss.
Em todo caso, não sei que tipo de peça essas duas podem estar tramando contra mim. Durante todas estas repetições, Mikoto nunca fez nem um tipo de agrado para mim sem ter um interesse por trás.
— É bom te apressares, conhecendo-a bem, daqui alguns minutos não sobrará mais nada.
Fito a mesa e vejo que a Ailiss está fissurada enquanto come os aperitivos preparados por Mikoto. Ao que tudo indica, não há nenhum tipo de pegadinha na comida.
Normalmente eu ficava alheio de momentos assim entre elas. Mas parando para pensar, acredito que tenha sido mais culpa minha do que delas. Além daquele almoço de onigiris, não me lembro de nem uma vez de eu ter sido acuado. Isto somente ilustra ainda mais como eu me isolei propositadamente.
Pego uma tigela de arroz e um pão torrado para comer antes de que Ailiss devore tudo.
A taxa de consumo dela é realmente impressionante, imagino que o trabalho de assassina deve ser bastante desgastante para o corpo dela necessitar repor tanta energia.
— Chá ou café? — pergunta enquanto senta-se à mesa com uma cafeteira e uma chaleira em mãos.
— Café, por favor.
Com cordialidade, Mikoto enche minha xícara de café, e em seguida enche graciosamente a sua xícara de chá.
Está cada vez mais difícil não desconfiar disso, mas por hora vou apenas seguir o ritmo delas. Será que eu estive errado este tempo todo a respeito de suas personalidades tóxicas?
— Quer que eu a sirva? — tento replicar a etiqueta de Mikoto perguntando a Ailiss.
— Não se meta, eu faço isso.
Tudo bem… então. Vejo que não devo me iludir tão rapidamente.
Acho que no caso de Ailiss, é um pouco mais complicado de simular uma personalidade afetuosa como Mikoto vem fazendo.
Ailiss pega a cafeteira e a chaleira e vira ambos em sua xícara.
Chá e café misturados? Não irei julgá-la, mas é uma combinação um pouco inusitada, não?
Ela pega xícara e bebe toda a mistura num único gole de forma bastante grosseira.
Ao perceber que estava a olhando beber, ela pergunta.
— O que foi? — encara-me.
— Não foi nada — esquivo-me.
Como é possível uma garota com uma beleza inexplicável como Ailiss, ter um comportamento assim? O mais engraçado é que por mais porca que seja a sua conduta, isto não reduz em nada o seu ar encantador. Permanece com o mesmo esplendor de Mikoto, a qual em contrapartida utiliza de guardanapos e talheres da forma mais atenciosa possível.
O contraste de etiqueta entre as duas em frente à mesa é gritante, o que não deixa de ser cômico de certa forma. É como se eu estivesse comendo juntamente a uma aristocrata e a um ogro.
Entretanto, o que mais me pega é um vago e estranho sentimento. Esta simples ocasião na qual nós podemos nos sentar tranquilamente me traz uma incrível sensação de segurança… Como um calor que me abriga de uma severa nevasca.
09h22
Após terminarmos a refeição, descemos até o pátio, o qual está coberto por uma grossa espessura de neve. Olho para o recinto totalmente branco e não posso deixar de me recordar daquele período no qual esta branca neve tingia-se inteiramente de vermelho.
Em um leve ataque de pânico as memórias daqueles massacres ressoam na minha mente. Os gritos tornam-se cada vez mais atordoantes dentro da minha cabeça, o cheiro podre da minha alma corrompida materializa-se me causando náuseas.
Porém, prestes a perder o equilíbrio, em um suspiro consigo me recompor sem deixar transparecer para as duas a minha crise.
— Estávamos falando de nos divertir, né? Lembro-me de que costumava assistir as crianças na rua em que eu morava construírem bonecos de neve no inverno — disfarço e comento.
— Ora, até que me parece uma ideia divertida, podemos tentar fazer alguns… — pausa e fala com uma expressão de surpresa — Espere, tive uma ideia ainda melhor, por que não fazemos um concurso de quem consegue construir o melhor boneco de neve? — Mikoto vira-se a Ailiss — O que tu achas?
Ela consente com a cabeça e pergunta.
— Mas quais serão os critérios de avaliação? Tamanho?
— Seria leviano demais. Acredito que deveríamos avaliá-los como jurados, porém como nós mesmos estamos participando não poderíamos votar no nosso próprio trabalho… — Mikoto fica pensativa.
As duas não conseguem fazer nada como se não fosse um trabalho formal ou compromisso?
— Que tal somente construirmos sem pensar em competir? Depois podemos avaliá-los informalmente — proponho.
— E qual seria o propósito de fazê-los neste caso? — pergunta Ailiss.
Propósito? É realmente elas são muito piores do que eu para essas coisas.
— A ideia é nos divertimos, não? Não há a necessidade de um propósito… eu acho.
— Confesso que não me sinto tão motivada de fazer isto de maneira informal, todavia vamos construí-los assim mesmo, pois não tenho ideia melhor — comenta Mikoto.
Ambas finalmente aceitam e com isso nos distanciamos para que cada um de nós pudesse criar a sua obra em sigilo.
Caminho pelo pátio até um local afastado e então dou início ao meu boneco.
Faço uma pequena bola de neve com as mãos, a pressiono para ficar firme e coloco-a no chão. Em seguida, me abaixo e a rolo de um lado para o outro até ficar maior.
Desta forma, a uso para o corpo e então repito o procedimento montando uma menor para a cabeça. Coloco a esfera menor em cima e por fim desenho um rosto feliz com os dedos.
Acho que era assim que eles faziam.
Enquanto encaro o sorriso do boneco, lembro-me daqueles dias que observava uma cena dessas à distância.
Mikoto e Ailiss aparecem para ver como ficou a minha obra de arte.
— Ora, ora, já terminaste? — Mikoto toca e seus lábios e pergunta.
— Bem, não ficou como eu gostaria, mas é basicamente isto que tinha em mente.
— Como eu posso dizer… é um tanto quanto minimalista — Ela diz com um tom de deboche.
— Sim… esta era a minha intenção — respondo.
Já Ailiss olha fixamente e não poupa as grosserias.
— Uma bosta.
Resumidamente, nossa opinião é unânime: bastante simples.
Em seguida, deslocamo-nos a outro ponto do pátio para conferir a criação de Mikoto.
Ela realmente estava correta em relação a simplicidade do meu, pois ela encheu o boneco de detalhes e enfeites. Colocou botões no corpo, uma cenoura como nariz e até mesmo uma cartola.
Sinceramente, como ela conseguiu pegar todos estes enfeites de modo tão rápido?
— O seu está mais completo do que o meu, admito minha derrota.
— Ei, Mikoto. Você trapaceou colocando isso — comenta Ailiss com um olhar zangado.
— Não havia regra alguma quanto a isto. Tu também poderias ter utilizado como bem entendesse.
— Realmente, foi um erro nosso não ter pensado nessa possibilidade — completo.
— Não é como o seu estivesse melhor do que o meu somente por isto.
— Pois bem, vamos verificá-lo então. Johann já declarou a própria derrota, logo ele pode decidir qual dos nossos bonecos de neve ficou melhor.
Ambas me encaram com um olhar pouco amigável.
Ei, não me jogue toda a responsabilidade, com isso sofrerei na mão de uma das duas. Enfim, não posso fugir do meu destino…
Com um olhar cansado solto um longo suspiro.
Por fim, vamos conferir a obra de Ailiss.
Caminhamos até o local, mas pelo visto chegamos tarde demais. Pois ela tinha feito algo tão grande que acabou desmoronando.
— Então o teu boneco era este morro de neve? Quantos metros de altura ele tinha? — Mikoto comenta surpresa.
É uma boa pergunta. Pela quantidade de neve, deve ter sido bem alto. Porém, a prepotência de fazer algo exagerado assim acabou sendo a sua derrota nesta brincadeira.
Não posso deixar de escapar uma risada, e sou recompensado com uma bolada de neve no rosto.
— Ei, pare com isso! — protesto.
— Você que me azarou, maldito — Ailiss fala com sua habitual voz sombria e continua jogando bolas de neve.
Ela está irritada por causa disso? Quanta infantilidade. Bem, acho que este tipo de reação competitiva vem junto ao pacote de atividades que não tivemos a oportunidade de realizar em nossa infância.
Com os braços protejo meu rosto contra as bolas de neve. Felizmente a neve é macia e não machuca nada comparada aos seus socos.
— Já chega! — continuo me protegendo.
Contudo, ela não parece que vai atender meu pedido e prossegue atirando em mim. Em meio a tudo isso, eu só posso ouvir leves risadas da Mikoto presenciando esta situação.
— Não fique rindo, ajude-me aqui — falo para ela.
Mikoto decide então se manifestar, no entanto, não da forma que eu imagino.
— Isto é algo vergonhoso para a presidente do conselho estudantil, mas ao mesmo tempo parece bastante divertido — Mikoto começa arremessar bolas de neve em mim.
— Você também?!
Corro das duas e junto um pouco de neve para revidar.
— Dois contra um é injusto! — exclamo.
Criamos pequenas trincheiras e continuamos a nossa guerra por pouco mais de uma hora.
E novamente me pego rindo descontroladamente em meio a uma brincadeira tão boba que me privei na infância. A minha risada é contagiante a ponto das duas também caírem na gargalhada enquanto atiram em minha direção.