Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 115
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- Capítulo 115 - Portanto, Johann Geistmann… (1/2)
1º Dia
10h27
Não me diga que o sacrifício que podemos usar seja este…
Então esta é a saída? Não há nem uma outra forma? É um pouco difícil aceitar que este seja o preço a se pagar… Definitivamente é uma verdade incômoda.
Bem, há algum tempo eu apenas implorava por uma resposta. É natural pensar que quando esta resposta chegasse poderia não ser a mais agradável.
Na última vez que fui ceifado, finalmente percebi o que deveria ser feito. Era algo tão simples, algo que estava escancarado nas entrelinhas do anúncio do jogo. De qualquer forma, encontrei uma forma de nós três encerrarmos o jogo com vida e consequentemente o looping também será parado.
Entretanto, a minha animação com isto tudo tange a zero. Acreditava que se alcançasse a resposta, iria correr até as duas esbanjando euforia. Agora vejo que este sonho era uma mera ilusão.
Para alguém pessimista como eu, acho que acabei sendo bastante ingênuo. Enganei-me achando que o pior cenário seria a simples inexistência de uma solução.
Porém, foi posto a minha frente algo muito pior: o peso de uma horripilante decisão.
O que eu devo fazer? Honestamente, por que eu preciso ter que tomar uma escolha tão ruim como esta?
Apenas de pensar neste pecado horrendo que precisarei carregar em minhas costas… um peso maior que todos os outros. Todas as atrocidades que fiz durante uma eternidade não parecem ser nada perante ao que estou planejando.
Agora posso ver claramente o sentido em todo este inferno que estamos passando. Quem diria que o meu julgamento precederia ao meu próprio pecado? Ou melhor, isto tudo foi apenas o começo do meu julgamento. Pois mesmo já tendo passado pelo inferno, meu fardo é algo que nunca desaparecerá.
O meu amor por Ailiss e Mikoto conseguiu lavar a minha alma uma vez. Entretanto, agora isto não será possível. Terei de mergulhar nas maiores profanidades para realizar este objetivo e manchá-las juntamente a mim nesta heresia, um pecado que não pode ser limpo, pois ao entrar em contato com a água contaminaria todo o oceano.
Na verdade, se for comparar com meus crimes passados, eu nunca estive tão limpo. Minhas mãos continuam sujas por todo aquele sangue que eu derramei. Matei meus amigos por um número quase infinito de vezes. Massacrei todos aqui dentro atrás de uma vã esperança de como salvá-las.
Talvez eu possa encarar esta solução como um purgatório inevitável.
No fim, o meu livre arbítrio de seguir em frente com isto é apenas ilusório. Eles já sabiam que eu faria de tudo por elas, e isto aparentemente só está acontecendo porque o nosso destino não pode ser mudado. Inevitavelmente as farei mergulhar na mesma escuridão do que eu.
Começo a tossir e percebo que o decaimento também chegou até mim. O vermelho em minha mão suga as cores em minha volta lembrando-me do nosso cruel destino. Com isso, as certezas das minhas decisões ficam cada vez mais nítidas.
Sim, por elas, sou capaz de fazer até mesmo isso. Mesmo que elas me odeiem por causa disso, mesmo que eu me odeie por causa disso. É algo pelo que não posso voltar atrás.
Na infinidade de repetições, eu declarei inúmeras vezes que as duas são tudo para mim. Mesmo em meio à insanidade, eu nunca estive tão lúcido. Para salvá-las deste cruel destino, eu farei tudo o que pode ser feito, inclusive me transformar no mais vil demônio. Por elas estou disposto a descer a este nível.
…
Abro a porta do conselho estudantil. Lá as vejo sentadas no chão e escoradas com a cabeça uma na outra. Ironicamente, mechas de seus longos cabelos claros e escuros se entrelaçam como uma hélice até o piso.
O olhar perdido delas expressa bem o quão acabadas estão. Felizmente os sintomas mais críticos ainda não apareceram, então creio que poderão se recuperar rapidamente no mundo externo.
— Então, do que se trata a tua visita? Finalmente tu desististe de escapar daqui? — pergunta Mikoto com as pálpebras cansadas.
Sinto certa relutância em continuar com a conversa. Não é difícil prever a reação que ambas terão a minha proposição.
— Não, muito pelo contrário. Eu descobri como podemos terminar tudo isso.
— Mistkerl, você sabe que eu não gosto de piadas — responde Ailiss.
Neste ponto, no lugar delas provavelmente eu também ficaria incrédulo pelo ressurgimento de uma esperança. Se é que isto possa ser visto como esperança, pois a luz no final do túnel que eu encontrei não é nem um pouco reconfortante.
— Estou falando sério. Há uma solução, mas para isto eu precisarei da colaboração de vocês duas — abaixo a cabeça e evito contato visual.
— Nós procuramos isso por tanto tempo… que fica até difícil crer nas tuas palavras. O que tu estás dizendo parece um milagre. Mas algo intriga-me muito mais do que isso. Por que tu estás pedindo tão seriamente o nosso apoio? Não é óbvio que apoiaremos uns aos outros até o fim? — fala Mikoto.
Então você já notou mesmo antes de eu falar? Infelizmente é assim que as coisas devem ser…
— Está longe de ser um milagre. Para falar a verdade, não havia solução pior… diria que possivelmente vocês relutarão em aplicar tal método, mas foi a única forma que eu encontrei. Ou melhor, é a única forma, eu tenho certeza disso — respondo em tom amargo.
— Desembuche. Que forma é essa? Nós tentamos tanta coisa que normalmente não faríamos, então o que poderia nos fazer recusar executá-la? — pergunta Ailiss.
Bem… se a minha teoria estiver correta elas serão obrigadas a aceitar. Isto é uma fatalidade, não podemos fugir do nosso destino.
Sento-me e abaixo o rosto para evitar qualquer contato visual durante a explicação. Prefiro me abster de ter que encará-las enquanto digo palavras tão pesadas.
Dou início ao meu relato.
…
— Em termos gerais, acho que é esta a solução que encontrei me baseando no que sempre foi repetido pelos alto-falantes — termino a explicação ainda encarando o chão.
Durante toda a exposição do plano, não tive coragem de levantar o meu rosto por um milímetro sequer.
Sinto um frio na barriga.
O que é isto mesmo? Medo? Sim… apesar de estar disposto a me tornar um demônio, acho que no fundo estou com medo delas me odiarem.
Finalmente levanto o meu rosto e suas expressões como o esperado não são das mais agradáveis.
— Mistkerl, pela primeira vez eu lhe imploro que tenha contado uma piada. Você não pode estar falando sério — Ailiss morde os lábios, cerra os punhos e me encara do modo mais sombrio possível.
Infelizmente não é.
Procuro palavras para amenizar o meu discurso. Contudo, é um esforço inútil, pois não há palavras que possam servir de eufemismo nesta situação. Há meios que sequer dão margem para explicações.
Isto certamente é injustificável, ainda assim, pretendo seguir em frente. Paradoxalmente, para mim e somente para mim, salvá-las justifica o injustificável.
Antes que eu consiga responder qualquer coisa, Mikoto também decide se pronunciar.
— Piada? — pausa — Algo assim não deveria ser dito nem mesmo em tom de piada. Não consigo acreditar que tu tiveste coragem de vir até aqui com o intuito de abrir a boca para dizer uma barbárie dessas para nós duas. Não consigo nem expressar com adjetivos o quão repugnante é tal ideia — fita-me com desprezo.
Assim como o imaginado, isso as acertou de modo ainda pior do que a mim. É como um tabu que jamais deveria ter sido mencionado.
Mas o que eu poderia fazer? Ignorar esta oportunidade? Definitivamente não poderia, o simples fato de estarmos presos aqui demonstra que não teria esta liberdade. Eu sou um escravo da minha vontade, um escravo da vontade de salvá-las a qualquer preço.
— Quando deduzi isso, tive a mesma reação repulsiva que vocês duas. Sei o quão difícil será para vocês — volto a encarar o chão — Eu faria qualquer coisa para que pudesse ser diferente. Se o preço a pagar fosse a minha vida, assim eu faria… vocês sabem muito bem disso.
— Sabes? — Mikoto ri em expressão melancólica — Pela simplicidade em que tu colocaste isso em palavras, não parece ser o caso. Johann, tu não tens ideia da tamanha profanidade que tu estás sugerindo a mim e a Ailiss? Justamente tu que sabes do nosso passado… tu jamais deveria cogitar em propor algo assim.
O que mais eu posso fazer? O que mais eu poderia ter feito?
Agora não é a hora de fraquejar, já precisei passar-me por vilão inúmeras vezes. Não posso hesitar por medo delas me odiarem. Isto é um risco que eu devo me submeter, o bem delas é algo mais importante do que a impressão que têm de mim.
— Tudo bem, eu admito. Eu não faço ideia o quanto irá abalá-las. O quão feridas ficarão… mas é a única forma. Vocês duas precisam fazer — respondo determinado.
— É algo totalmente diferente do que seria feito no mundo externo, pois serão oferendas à Morte. Está ciente disso e mesmo assim está defendendo tal ação? — pergunta Ailiss enquanto cerra com ainda mais força os seus punhos.
Faz muito tempo que não as vejo genuinamente irritadas. De fato foi algo pesado a se pedir.
— O que vocês esperariam que eu fizesse?! Ignorar esta possibilidade?! Corta essa! Se é a única forma de salvá-las, eu não posso simplesmente fechar os olhos! — as encaro — Se fosse apenas eu, até não me importaria, mas como querem que eu fique sabendo que vocês duas também irão sofrer eternamente neste inferno?! É só uma questão de tempo para que os sintomas nos tomem por completo! Não irei cruzar os braços e esperar para vê-las em sofrimento eterno! — replico expondo a minha ira e frustração ardente.
— Tu ainda vais insistir nisso? Como tu achas que poderia encarar o túmulo da minha mãe depois de cometer uma perversão dessas?! Estarei fazendo justamente o contrário do que ela me ensinou. É uma proposta descabida que vai contra tudo o que eu acredito… — retruca Mikoto.
Neste momento, não acho que cabe mais espaço em nossa relação para qualquer tentativa de manipulação. Só resta-me colocar em palavras como eu realmente me sinto, o que eu realmente penso.
— Sendo sincero, eu não me importo — cuspo as palavras em um curto tom — Eu não me importo com o que vocês acreditam, ou com o que os pais de vocês iriam achar desta decisão. A verdade é que a vida de vocês é a única coisa relevante para mim. Eu já concluí uma vez que se preciso fosse, eu mataria cada alma viva neste mundo para salvá-las, e agora não será diferente — pauso e fito os seus rostos em choque — Estaria disposto a sacrificar qualquer coisa: desconhecidos, conhecidos, amigos, familiares, pais e até filhos.
Ailiss aproxima-se de mim. Noto o seu movimento e então me preparo para receber um soco no estômago.
Todavia, ela apenas apoia sua mão em meu ombro e fala.
— Vamos terminar a discussão por aqui. Tanto Mikoto quanto eu precisamos passar um tempo a sós após esta conversa. Deixe-nos descansar, depois podemos voltar a tratar deste assunto impertinente.
— Tudo… bem — deixo a sala do conselho.