Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 116
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- Capítulo 116 - Portanto, Johann Geistmann… (2/2)
1º Dia
10h27
A iteração inteira se passou e não obtive retorno. A macabra proposta que fiz a elas certamente as feriu demais e não há como fugir disso.
Não é como se eu estivesse tranquilo a respeito desta decisão. Infelizmente o mundo não costuma ser muito generoso neste aspecto.
Tudo o que construímos com tanto suor até aqui foi colocado em xeque.
Minhas palavras as feriram tanto ao ponto de passarem a semana toda sem trocar uma palavra comigo. Apenas as vejo de relance pelos desabitados corredores do bloco principal, e não consigo juntar energias para confrontá-las mais uma vez.
Aquela nossa última conversa foi tão desgastante… consumiu mais das minhas energias do que milênios nesta tortura.
Ademais, pretendo apenas acatar o pedido de Ailiss. Por hora não irei mais forçar este assunto, porém, não posso ficar de braços cruzados para sempre. Se no fim das contas elas decidirem que não querem ser salvas? O que eu farei?
Seguirei o pedido de minhas amadas mesmo que as leve ao seu próprio sofrimento? Claramente não. Não sei se agir de modo contrário à vontade delas é a resposta correta, todavia ficar alheio a esta situação é muito pior. No fim, o que é correto não importa, pois a vida humana não é regida por deveres, mas por vontades.
Vejo-me mais uma vez sozinho e totalmente perdido neste mundo sem cores. Esta escola praticamente deserta e coberta de neve corresponde exatamente ao meu interior.
…
— Mistkerl, precisamos conversar — Ailiss entra na sala de aula.
Algumas iterações depois do ocorrido, ela finalmente veio falar comigo, contudo não sei mais o que esperar das duas. Tendo em vista a reação delas na nossa última conversa, vejo que dificilmente irão colaborar com os meus planos, e não posso culpá-las por isso.
— Achei que vocês haviam me abandonado — solto um riso sem graça.
— Eu necessitei de tempo para conseguir aceitar seguir a sua proposta… E de mais tempo ainda para convencer a Mikoto.
O quê?!
É isso mesmo que eu estou ouvindo? Poderemos então deixar esta realidade? Depois de tantas desilusões… finalmente poderemos pôr um ponto final neste inferno.
— Você a convenceu? Nem sei como agradecê-la — arregalo os olhos e sorrio — Eu sabia que alguma hora você iria me entender — aproximo-me aliviado.
Em seguida, voo contra as mesas da sala de aula. Após me colidir com várias mesas e cadeiras, caio no chão enquanto sinto uma terrível dor no rosto.
Então constato o que ocorreu.
Ailiss deu-me um forte soco na cara que foi capaz de me arremessar para trás.
Faz um bom tempo que não experimentava a força descomunal dela, a ponto de esquecer-me do quão assustadora ela pode ser. Por pouco não perco minha consciência durante o impacto.
— Não me coloque no mesmo saco que você — encara-me com um olhar voraz — Eu ainda não vejo isto como algo bom. Decidi dá-lo um voto de confiança por tudo que passamos juntos, e se você diz que é apenas desta forma que podemos salvá-la… então irei cooperar com você.
— Entendo, desculpe-me.
Minha sensação de alívio foi automática por saber que poderia enfim salvá-las, e assim mais uma vez caí no mesmo erro. Mesmo que ambas tenham concordado, não significa que elas entendam a situação da mesma forma do que eu. Todos nos vemos sem escolhas, mas o nosso grau de aceitação é distinto.
— Vá à noite à sala do conselho. Vamos resolver isso logo para pensarmos o mínimo possível sobre o assunto — dá as costas e fala antes de deixar a sala.
…
Como o sugerido, aguardo até a noite. Um período de tempo relativamente curto, porém perturbador o suficiente para parecer uma eternidade.
Abro a porta e encontro as garotas com olhares mortos dentro da sala. As duas figuras mais reluzentes que conheci em vida agora aparentam estar cobertas por uma aura opaca. O vibrante azul e vermelho dos seus olhos parece ter se diluído neste mundo monocromático.
A situação delas está pior do que eu poderia imaginar. Será que está realmente tudo bem em continuar com isso? Elas não precisam de mais tempo? Desta forma tudo será mais complicado, mas, como o decaimento avança lentamente, nós ainda temos um pouco de liberdade neste sentido.
Para o bem e para o mal, o nosso corredor da morte é bastante paciente.
— Mikoto, podemos conversar um pouco? Acredito que as coisas não tenham ficado muito claras entre nós.
— Está tudo muito claro, não vejo mais nada pertinente para discutirmos. A Ailiss já não te falou que eu acabei cedendo a tua ideia? Não era isto o que tu querias para o começo de conversa? — replica indiferente.
— Sim, ela falou. Mas mesmo assim… eu não quero que isto seja feito deste modo. Creio que será ainda mais doloroso para vocês. Eu as amo, quero que estejam cientes disso acima de tudo. Todas as decisões que tomei foram por amá-las incondicionalmente.
— Não entendas errado, os nossos sentimentos também nunca mudaram ao teu respeito. Mas coloque-te no nosso lugar… na verdade nem deveria precisar te colocar. Já na tua posição deverias compartilhar do mesmo sentimento. Não há como nós fazermos isto estando tranquilas — abaixa o olhar.
— Novamente, eu peço: sinto muito. O peso das ações que iremos tomar podem realmente ter um impacto maior em vocês duas, mas também não deixam de me perturbar. Não deixa de ser uma responsabilidade minha no final de contas e não é como se eu estivesse fazendo isso de consciência limpa — respondo em desgosto.
Por maior que seja o meu remorso, nada que eu coloque como contrapeso na balança irá compensar a vida e o bem-estar delas. A minha escolha sempre foi e sempre será elas.
— Não há porque você se desculpar. Não há outra solução, né? A propósito, eu que deveria me desculpar pelo soco de hoje cedo — diz Ailiss.
— Só não nos peça ânimo neste momento, pois isto é um pedido impossível. Não há como estarmos bem sabendo o que iremos fazer. Isto está longe de ser uma vitória. Francamente… não conseguiria pensar num desfecho pior para tudo isso — continua Mikoto.
A verdade é que sempre estivemos em um jogo no qual estávamos fadados à derrota. Pela própria natureza de uma fatalidade é um pecado que estamos predestinados a cometer.
Fico aliviado em pelo menos não ter sido sujeitado a obrigá-las, pois provavelmente iria querer pôr um fim em minha consciência logo em seguida.
— Neste caso, acho que não tenho mais o que dizer — respondo.
— Vamos terminar isso rápido — diz Ailiss.
Mikoto assente e as duas começam a se despir na minha frente.
Totalmente errado, este clima melancólico é completamente diferente dos nossos ritos de amor. Mas esta é a nossa fria realidade.