Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 119
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- Capítulo 119 - Epílogo
Após o incidente, eu chamei uma ambulância e levei Ailiss e Mikoto para o hospital, onde se recuperaram rapidamente do dano sofrido.
Assim como elas haviam descrito para mim, a existência de nossos amigos e colegas foi totalmente varrida deste mundo. O que afetou até mesmo na existência funcional daquela escola, contudo graças ao apoio da organização de Ailiss conseguimos uma transferência para outro colégio das redondezas para fecharmos nosso ano letivo.
Depois de alguns dias de repouso, finalmente podemos deixar o hospital, porém, há algo diferente em seus olhares.
Por mais que elas se esforcem para não transparecer, eu consigo perceber claramente que há algo de errado. É como se estivessem meio mortas, ou melhor, como se uma parte delas tivesse morrido.
— E então, Johann? O que faremos a partir de agora? — pergunta Mikoto cabisbaixa apertando seu braço com certa insegurança.
Não sou eu que costumo tomar as decisões no nosso relacionamento. No entanto, dada a situação, acredito que estejam totalmente perdidas em relação aos seus sentimentos. Portanto, é natural que eu deva ampará-las e assumir este papel por hora.
— Eu ainda tenho mais um ano de colegial para cumprir. Então só poderei cumprir os nossos planos no ano que vem. Mas acho que já podemos passar a morar juntos a partir de hoje, o que acham?
Ao menos ficando juntos podemos amenizar a confusão emocional pela qual estão passando. Irei fazer de tudo o que estiver ao meu alcance para que consiga confortá-las o mínimo que seja.
— Nossos planos? — indaga Ailiss.
— Acredito que já se esqueceram, pois conversamos sobre isso há uma eternidade. Estou falando sobre nós mudarmos para a Europa, lembram-se?
— Oh, é verdade… — comenta Mikoto.
Mais uma vez o silêncio recai sobre nós.
Acredito que ainda estejam muito atordoadas devido ao dano que sofreram, logo é melhor levá-las para descansar.
— Bem, vamos indo? — coloco as mãos nos bolsos do meu casaco e começo a andar.
Ambas consentem e seguem os meus passos.
O dia está nublado. Mesmo no meio da tarde, a iluminação natural está bastante fraca. No entanto, vejo que não é apenas o céu que está coberto por nuvens.
Ao nos afastarmos do hospital, refaço a minha questão.
— E então? Vocês possuem alguma objeção aos nossos planos?
— Conversei diretamente com os meus superiores, e aparentemente após o ocorrido acabei sendo aposentada de meu trabalho. Então não vejo o porquê não. Para falar a verdade, não tenho muito mais o que fazer — diz Ailiss olhando para o céu nublado enquanto caminha.
— Ao que tudo indica, com a perda das minhas habilidades de conjuração, também já não tenho muita serventia como sacerdotisa, logo meus familiares não devem mais ter interesse em mim, afinal sou uma ferramenta quebrada — Mikoto suspira — Por mim tudo bem, seguiremos a tua sugestão como bem entender.
Está decidido. Como elas ainda estão bastante perturbadas, eu devo deixá-las sozinhas o mínimo possível e dar o meu melhor para confortá-las.
— No momento, estou sozinho no apartamento, mas irei precisar de uma desculpa para dar aos meus pais quando um deles resolver dar as caras. Em todo caso, pensarei nisso depois — comento e fito o rosto de ambas em silêncio.
Mordo meus lábios em lamentação.
Acredito que numa hora dessas, Mikoto estenderia o assunto desta situação constrangedora para fazer alguma piada comigo e quem sabe até Ailiss embarcaria nessa para ajudá-la. Todavia, eu deveria estar ciente de que não é hora para este tipo de brincadeira, e talvez nunca mais seja.
Ainda assim, este não é um assunto encerrado. Alguma hora eu terei de enfrentar esta verdade incômoda e tocar mais uma vez em suas feridas para finalizar o meu último dever pendente.
Mas os seus corações estão preparados para encarar este fato? Ou seria o meu que não está?
…
Algumas semanas depois da mudança de ambas para o meu apartamento, fomos ao cartório. Como o planejado, ambas casaram-se para assim facilitar a estadia de Ailiss no Japão e a retirada de cidadania europeia para Mikoto.
Pela primeira vez podemos observar outras estações. A neve que cobria a cidade desapareceu gradualmente, dando espaço às rosadas folhas de cerejeira. E da mesma forma que a chegada da primavera, tentamos deixar toda aquela neve para trás e criar uma nova vida.
Enquanto eu fixei-me em completar meu último ano escolar, ambas decidiram juntar um pouco de dinheiro com empregos de meio período. Apesar de Ailiss ter uma reserva relativamente boa graças ao seu trabalho como assassina, decidimos acumular um pouco mais de recursos para a nossa mudança.
O ano seguiu normalmente até o dia da minha formatura e mudamo-nos para a Europa. Logo ao chegarmos, nos estabelecemos na região e compramos uma bela casa no campo.
Assim como eu havia idealizado naquele distante passado, o local é bastante tranquilo e com uma população pequena.
A casa que compramos consta com dois pisos e é construída em madeira. Há uma cozinha bastante espaçosa para Mikoto preparar as suas especiarias e possui uma sala de estar bem aconchegante com uma grande lareira. A decoração do ambiente é um pouco antiga, mas elegante.
As escadarias na lateral da sala levam ao segundo andar onde consta o banheiro e o nosso quarto, os quais ficam sobre a cozinha. O nosso quarto ainda possui uma pequena varanda que nos dá uma bela vista do bosque e da pequena cidade rural próxima da nossa residência.
Nossa mudança à Europa não acarretou grandes problemas, pois rapidamente conseguimos empregos na região. Mikoto e Ailiss arranjaram empregos de meio período no comércio local enquanto conciliam tempo com as atividades domésticas. Por outro lado, eu estou trabalhando em turno integral, mas as ajudo em tudo que posso nos dias de folga.
Mikoto ficou responsável pelas tarefas diárias da casa como preparar o almoço e a limpeza, em contrapartida, Ailiss realiza as manutenções mais rígidas como recolhimento de lenha e até caça no bosque próximo a nossa casa.
— Ei, não vá errar — falo enquanto seguro uma tora.
— Com quem pensa que está falando? Eu nunca erro — Ailiss dá uma machadada.
Eu sinto o deslocamento de ar em minhas mãos e vejo que a tora se dividiu em duas partes.
— Por pouco você não acerta as minhas mãos de novo — suspiro em alívio.
— Só estava o assustando um pouco — pausa e fita o céu pensativa — Já é o bastante, vamos voltar.
Assinto, me levanto e começo a amarrar a lenha para carregarmos.
— Pronto. Buscamos o restante à tarde — termino de dar o nó.
— Faça-me o favor, você consegue carregar mais do que isso — olha-me com desprezo.
— Não me compare a você, não tenho uma força sobre-humana.
— Bem, eu já deveria estar acostumada com o fato de você ser um fracote inútil.
Diante a esta fria brisa, deixamos o bosque com a lenha que coletamos para o inverno que se aproxima.
Em seguida, chegando próximos à nossa residência, depositamos as toras ao lado da casa.
Antes mesmo de entrar, já consigo sentir o cheiro da comida. Isso faz com que Ailiss apresse-me mais em terminarmos o trabalho, afinal ela possui o apetite de um grande felino.
Ela rapidamente destranca e abre a porta, fazendo com que o som alerte a nossa chegada.
— Oh, já voltareis? Só um momento, o vosso almoço está quase pronto — Mikoto fala da cozinha.
— Tudo bem, não precisa ter pressa — respondo enquanto nos sentamos à mesa.
Após alguns minutos, ela chega à mesa com pratos mesclados de culinária ocidental e japonesa.
Vejo que ela está combinando as receitas que aprendeu por aqui com as do seu país de origem. Definitivamente, as habilidades natas de uma chefe de cozinha que ela possui casam muito bem com a gula da outra.
— Ah, eu lhe ajudo — levanto-me e vou até ela.
— Obrigada, tu estás bastante atencioso ultimamente. O que pretendes com essa gentileza toda? Ganhar pontos conosco? — ri alcançando-me alguns pratos — Deves estar ciente de que uma atuação deste nível não funcionará comigo.
— Não é bem isso… — abaixo olhar.
— Oh, você preparou o cervo e os peixes que eu trouxe ontem? — comenta Ailiss.
— Sim, estão no ponto que tu gostas, aproveite — responde Mikoto e em seguida vira-se para mim com um sorriso sereno — É bom que tu te apresses também e te sirva logo, ou ela não deixará nada para ti.
Desta forma, Mikoto, Ailiss e eu temos nossa refeição como de costume, em que a primeira alimenta-se da forma mais refinada possível ao mesmo tempo em que a outra se suja enquanto devora os pratos.
Sem sombra de dúvidas, uma visão que me traz certo saudosismo.
— E então quem irá lavar a louça? — pergunta Mikoto.
— Obviamente o Mistkerl por ter feito corpo mole quando estávamos juntando a lenha.
— Ora, ora, não é uma má ideia — bebe um gole da sua bebida e completa — Já que tu estarás no pique, aproveita para varrer a sala também.
— Ei, por que estão jogando tudo para cima de mim? — reclamo.
— Domingo é o nosso dia de folga, por isso tu ficas responsável pelas tarefas domésticas.
— Vocês falam como se eu não fizesse nada, eu trabalho a semana inteira também.
— Justamente, esta é a tua recompensa. O que há de lazer maior do que servir a nós duas no teu dia de folga? — produz um riso de deboche.
— Não sei em que mundo isso pode ser classificado como uma folga. Quero reivindicar meus direitos trabalhistas.
— Isso estava implícito no seu contrato quando se subordinou a mim, agora cale a boca e vá trabalhar — comenta Ailiss em desdém.
Dou-me por vencido e acato as suas ordens.
Enquanto me dirijo à louça, vejo que ambas sorriem uma à outra e continuam a conversa me desmerecendo como o usual.
Olhando as desta forma mal seria possível perceber… pode-se pensar que ambas superaram totalmente o choque de um ano atrás.
Ledo engano.
Eu as conheço melhor do que ninguém neste mundo. Por mais que suas provocações e piadas simulem o que costumavam ser, eu facilmente consigo perceber a fragilidade em seus sorrisos. Agora o que resta delas é somente a sombra do que um dia foram.
Mesmo depois de tudo, vejo que não abandonaram a sua imensa gentileza. E ainda não tive a iniciativa de quebrar este clima falso e cumprir a minha promessa.
Sempre penso que hoje será o dia de encararmos o que fizemos naquele incidente e colocar um fim nesta questão. No entanto, sempre acabo fraquejando e postergando para o dia seguinte.
…
— Com isto, o Mistkerl foi derrotado pela quinquagésima vez consecutiva — diz Ailiss jogando as suas cartas na mesa.
— Não me admira, tu realmente não levas jeito para jogos, não é? — caçoa Mikoto — Veja pelo lado bom, ao menos teve muita sorte no amor.
Ah, como eu gostaria… como eu gostaria de acreditar nestas doces mentiras. Enfim, não posso culpá-las, afinal eu fui também um grande mentiroso. Todavia, estaria tudo bem em terminarmos desta forma?
— Eu sempre disse que detesto jogos — falo de forma habitual.
Oh, tão artificial. O modo com que eu falo me irrita tanto, estar preso a isto me atormenta tanto. Os verdadeiros jogos não são estas cartas, mas as nossas palavras milimetricamente calculadas.
— Ademais, já cumpri a minha cota por hoje — completo e me levanto — se me derem licença, eu preciso descansar um pouco.
— Claro, claro. Seja um bom perdedor, caia fora e nos deixe resolver quem vencerá as finais — replica Ailiss com desdém.
— Estou morrendo de sono — bocejo enquanto subo as escadas para o quarto.
— Logo iremos também, só vamos terminar esta partida — diz Mikoto enquanto pesca uma carta da outra — Aproveita que tu estás indo na frente e arruma a nossa roupa de cama.
— Certo, farei isto como o bom capacho que sou.
Dobro em direção ao quarto, todavia paro e me escoro na parede do corredor. Em seguida, as observo cuidadosamente.
Vejo-as recolhendo as cartas e arrumando as coisas para subirem para o quarto como normalmente fazem.
Contudo, enquanto Ailiss termina de se arrumar, a outra lentamente acomoda-se no sofá e solta um longo suspiro.
— Sabes, centenas de vezes durante o dia eu me pego nos mesmos pensamentos. Questiono-me a todo momento sobre como eu fui capaz daquilo. Eu ainda não entendo… — aperta o seu braço — Por quê?
Ailiss caminha até a janela, toca a palma da mão no vidro gelado e replica.
— Já conversamos sobre isso, não há mais sentido em nos remoermos sobre o passado.
— Eu sei, nós prometemos uma à outra superar aquilo. Todavia, ainda assim… não há como esquecer-me, não há como me pedir para fazer isto — continua com a voz cada vez mais carregada — Esta culpa não irá simplesmente desaparecer de uma hora para a outra.
— Infelizmente eu não tenho uma resposta — suspira — e temo que não exista uma. Por isso peço que continue tentando, agora é só isso que podemos fazer.
— Estou tentando — a garota entristecida abaixa a cabeça, leva as suas palmas até o rosto — mas não sei por quanto tempo conseguirei levar isto adiante. Como ficar em paz estando ciente de tudo o que fizemos?
— Como eu disse, você precisa ser forte — aproxima-se dela, ajoelha-se a sua frente e então a abraça em consolo — Pois, se você desmoronar, eu irei também — fala enquanto apoia sua testa contra a outra.
Ao vislumbrar tal cena, perco as forças em minhas pernas e deslizo minhas costas na parede até chegar ao chão. Ao mesmo tempo, escuto os soluços das garotas que se banham em suas lágrimas.
Vê-las quebradas desta forma é mais do que o suficiente para me derrubar em choro do mesmo modo.
Eu realmente odeio-me tanto por não poder mudar uma vírgula do nosso passado.
…
No dia seguinte, desperto e vou até a sala para tomar o café da manhã antes do meu habitual dia de trabalho.
— Bom dia — desço as escadas e vejo Mikoto preparando o chá.
— Bom dia — Ela responde sem desviar o olhar do que está fazendo.
Sento-me em silêncio à mesa e continuo a observando por mais alguns minutos.
Em seguida, Ailiss sai do quarto, desce as escadarias e com isso todos reunimo-nos à mesa para comer.
A cena de ontem a noite não cessa de minha mente, o que me força a perguntar.
— E então? Como vão as coisas?
— Bem — Mikoto responde.
Ailiss continua quieta enquanto encara fixamente sua xícara.
Elas são realmente gentis, e não pretendem me contar. Ao mesmo tempo, eu sou muito covarde para questioná-las diretamente.
— A propósito, como vocês estão indo com os empregos de meio período?
— Sim. A carga de trabalho é relativamente pequena e somos bem remuneradas.
— E a partida final de vocês duas? Quem ganhou?
— Desta vez eu ganhei.
A outra nem se incomoda com a proclamação dela.
Permanecemos em silêncio enquanto comemos. Entretanto, diferente de antes, eu não consigo me sentir confortável com esta estranha aura e por isso forço mais uma pergunta.
— Está marcando chuva para hoje, certo?
— Eu suponho que sim.
Continuamos nesta conversa artificial. Utilizo-me de palavras vazias que sistematicamente saem da minha boca para não cairmos no silêncio.
O silêncio ao lado delas costumava ser mais prazeroso do que qualquer conversa, pois estávamos na mesma frequência, estávamos em entendimento mútuo. Não havia nada melhor do que apreciar as suas meras presenças. Contudo, agora eu faço de tudo para que esta quietude não permaneça.
Por que será?
Sinto que se eu não falar nada, elas podem tornar-se gradualmente translúcidas a ponto de desaparecer deste mundo… é como se nada mais as prendesse aqui.
…
As folhas do calendário caem rapidamente e mais uma vez me vejo no inverno.
Pensar em acabar com tudo isso e correr para os braços da morte, de fato seria a solução mais racional para escaparmos deste fardo. Como a justiça não é a minha causa, eu poderia fazer isso sem pestanejar. Todavia… eu sou um escravo dos meus desejos, e não é este o caminho por qual anseio.
— Ei, Ailiss, Mikoto. Eu quero ir a um lugar hoje — quebro o silêncio.
— Até consigo adivinhar, é uma desculpa para fazer corpo mole? — pergunta Ailiss.
— Deixa-o ir, podemos cobrá-lo para compensar isto mais tarde — comenta Mikoto produzindo mais um sorriso.
Vocês são mais amáveis do que parecem… mas eu não quero isto. Eu não quero uma falsa paz, eu quero vocês, eu quero os seus reais sentimentos, eu quero a real Mikoto e a real Ailiss ao meu lado.
E para isso devo colocar um basta em adiar indefinidamente aquele importante dever. Por mais duro que seja para nós confrontá-los, devemos lidar com este fantasma do passado, ignorá-lo jamais o fará desaparecer.
— Eu preciso que vocês duas venham comigo — falo cabisbaixo — Por favor.
Ambas me encaram surpresas.
Antes que pudessem me questionar, levanto-me da mesa e caminho em direção à porta.
— Vamos? — a abro, viro-me e indago.
Elas se entreolham confusas, mas acabam assentindo uma à outra.
…
— Por que estamos indo ao bosque? Já temos comida e recolhemos lenha o suficiente para toda a estação — fala Ailiss.
— Não é isso. Aguarde mais um pouco.
Adentramos o bosque, as árvores estão todas sem folhas em meio a este rigoroso inverno. E assim seguimos caminhando para dentro da pequena floresta enquanto aumentamos gradualmente a trilha de nossas pegadas.
Enfim chegamos ao local que eu havia preparado.
Há um pequeno lago congelado circundado por árvores com seus galhos totalmente despidos. Na primavera este ambiente torna-se muito bonito e coberto por flores. A cada estação é uma cena exuberante de se observar, o local perfeito para este ato.
Curiosamente, neste dia, mesmo estando no inverno, ainda há alguns poucos pássaros cantando.
Paro diante do gelo e observo o ambiente.
— E então, é isto que tu queres nos mostrar? — pergunta Mikoto — Devo admitir que é um lugar belo.
— Você acha belo? Fico contente com isso. Mas, na verdade, não é isso que queria mostrar a vocês duas — viro meu rosto para direita — É aquilo.
Ambas fitam para o local e logo arregalam os seus olhos.
Como esperado, elas ligaram os pontos rapidamente. Eu havia preparado duas pequenas lápides utilizando rochas e lenha.
Viro meu rosto para o céu e continuo.
— Ei, se vocês fossem escolher nomes, quais seriam?
…
Termino de escrevê-los na madeira, finalizando a minha última promessa, e então me levanto. Volto-me a elas e noto seus olhares taciturnos.
— Não irás colocar o teu sobrenome? — pergunta Mikoto desviando o olhar.
— É melhor desta forma, visto que a iniciativa foi minha. No lugar deles eu preferia me abster deste sobrenome.
— Tsc. De fato, ninguém além de nós duas iria querer estar associado com você — diz Ailiss com um sorriso autodepreciativo.
— Eu suponho que sim — sinto uma leve brisa que me dá a sensação de dever cumprido.
Movo meus olhos mais uma vez para seus nomes nas lápides e os observo por alguns segundos perdido em meus pensamentos.
Yukihara Yukino.
Aiden von Feuerstein.
Cerro meus punhos, sinto minhas unhas cravando na minha carne e com isso volto à realidade.
Claramente, só este dever se foi, mas ainda há muito pela frente. Lembrarei-me destes nomes todo dia até o momento da minha morte.
— Bem, com isto terminamos as nossas pendências? Que tal voltarmos e tomarmos um pouco de chá? — Mikoto percebe a minha insegurança e toca a minha mão.
Vejo que vocês duas continuam tentando me animar. Eu sou muito grato por tê-las ao meu lado, vocês realmente são tudo para mim.
— Não, isto nunca terminará. Então vocês não precisam esconder de mim como se sentem — viro-me para elas e as vejo com uma expressão de surpresa — pretendem que continuemos agindo como sombras de nós mesmos para sempre?
— Então tu estavas ciente? No fim, todos somos péssimos atores. Nós já colocamos todo o peso daquela decisão nas tuas costas, quando na verdade era nossa culpa da mesma forma. Sinto-me terrivelmente suja e por isso… por isso… — perde as palavras.
— Certamente, somos imundos. Nós três fizemos algo imperdoável… mas já se esqueceram do que me disseram daquela vez? Mesmo que coloquem uma coroa de espinhos em suas cabeças, ainda estarei com vocês.
— Você ainda se lembra disso? Francamente… — Ailiss morde os lábios — E então, agora o que nos resta? Querem se juntar a eles? — volta seu olhar às lápides enquanto solta sua indagação.
— Não — Mikoto se recompõe e responde — Tirar nossas vidas seria de fato uma forma simplória de aliviar as nossas consciências disto tudo. Se estivéssemos preocupados com o que é certo, logo esta não seria a resposta moral, pois a morte está longe de ser um julgamento para nossos crimes, na verdade seria o equivalente a fugir de nosso sacrilégio. A verdadeira pena seria carregarmos esta culpa até não podermos mais — pausa, solta um breve suspiro e conclui — contudo não são estes deveres de prestação de contas que me prendem aqui.
— Se a justiça e os deveres não são a sua causa, então o que te prende neste mundo? — pergunto surpreso.
Mikoto olha para mim e para Ailiss e responde num tom melancólico, mas conciso.
— Vontade.
Ailiss solta um pequeno riso angustiante e então também começa a falar.
— Vejo que você sente o mesmo que eu. O que ocupa a minha mente não é um conflito de ideais ou deveres, mas um embate de vontades. Por um lado quero desaparecer, para assim me livrar desta dor iminente — leva seus dedos até seu peito — Mas há algo ainda mais pesado do que este enorme pecado que carregamos em nossas costas: o meu desejo de estar com vocês. O meu desejo de caminhar ao lado de vocês dois até o fim dos tempos.
Compreendo, então é assim que vocês também se sentem?
Nós três nos encaramos por alguns segundos em um breve silêncio de amargura e então eu volto a falar.
— A partir de agora saibam que não há a necessidade de ter qualquer consideração por mim, por isso, não se segurem mais e me mostrem como se sentem. Pois quando decidimos trilhar este caminho miserável juntos, tudo estava incluído — vou até elas, puxo-as contra o meu tronco, e ambas apoiam suas testas em mim.
— Este é um pedido um tanto egoísta, mas pelo meu próprio egoísmo jamais poderia negá-lo — fala Mikoto com a voz carregada agarrando-se em meu casaco.
— De fato, um pedido tão injusto, mas ao mesmo tempo digno de demônios que nasceram uns para os outros — Ailiss abaixa o rosto e me contorna em seus braços.
Após um breve silêncio, toco gentilmente em suas cabeças e manifesto as minhas mais singelas palavras.
— Eu quero todos os seus sentimentos, tanto os bons quanto os mais assombrosos. Mesmo que daqui em diante só tenhamos momentos de agonia, de culpa, de infelicidade, de ódio e de nojo, é isso o que eu quero, pois esta é a forma que eu as amo. Eu as amo independentemente das circunstâncias.
Johann Geistmann ama Yukihara Mikoto absolutamente.
Johann Geistmann ama Ailiss von Feuerstein incondicionalmente.
Estas sentenças parecem simples, mas possuem tantas consequências. Assim como os nossos pecados, o nosso amor meramente existe no fluxo do tempo, um amor que está sempre além do bem e do mal.
Desta vez, elas enfim cedem e desmoronam junto a mim. Nossas pernas fraquejam e então, entre os túmulos, caímos de joelhos ao chão coberto de neve.
E assim como nossas lágrimas, o tempo pode finalmente fluir além daquela semana inacabável… contudo ironicamente nunca mais poderei vê-las sorrir como sorriam dentro daquele branco e gelado inferno.
Oh, o amor é de fato a mais bela emoção. Mesmo um sentimento que se afundou no mais grotesco lodo do pecado, este continua inabalável. Sei muito bem de todos os meus pecados, ainda assim faria tudo de novo, pois eu as amo, e esta é a natureza puramente doentia do nosso amor.
Abraço-as ainda mais forte para confortá-las, todavia estou ciente de que estas feridas nunca irão se cicatrizar.
Desta forma, em amargura, iremos nos lamentar hoje e continuaremos nos lamentando para sempre.
E assim… Entre neve e cinzas, as memórias daquele amor doentio permanecem.
Fim.