Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 62
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- Capítulo 62 - As palavras deles são enganosas. (2/2)
12h36
Mais um almoço é servido normalmente. Tudo estaria como o habitual se não fosse por Takashi estar encarando-me freneticamente de uma mesa distante.
Fiz bem em provocá-lo, precisava saber até que ponto ele é um perigo. E concluí que preciso descartá-lo em breve, antes do meu suicídio especificamente. Jamais posso deixar alguém como ele atrás da minha Mikoto.
Acredito que ele esteja bem determinado em resolver as diferenças comigo. Entretanto, eu possuo uma surpresa que consegui na cozinha do refeitório. Foi sutil, mas quando os outros membros do conselho chegaram e quebraram o clima tenso entre nós dois, pude aproveitar para surrupiar a chave do refeitório.
Um problema nisto tudo são aquelas duas. É muito provável que estejam esperando o fim do almoço para falar comigo.
Mikoto por não ter tido tempo nesta manhã, falou que iríamos conversar após o almoço, e dificilmente uma pessoa tão organizada como ela desmarcaria um compromisso.
Já Ailiss é um caso mais concreto ainda. Noto que ela está me observando de uma das janelas. Creio que assim como Takashi, está me vigiando para me abordar após o almoço.
Preciso de alguma forma evitar que algumas delas venha atrás de mim enquanto eu estiver resolvendo as minhas diferenças com Takashi.
— Ei, vocês. Eu preciso que façam algo para mim.
— O que está acontecendo com você, Jocchi? É o segundo dia consecutivo que você pede a nossa ajuda. É você mesmo? — pergunta Manabu surpreso.
— No que exatamente você precisa de ajuda? Está precisando escrever outra carta de amor? — pergunta Miyu.
— Não tenho muito tempo para explicar, mas de certa forma está relacionado com a minha carta de ontem. Então preciso que você, Miyu, vá enrolar a Mikoto por algum tempo. Invente qualquer coisa, mas não a deixe procurar por mim.
— Enrolar a Kaichou? Por que ela está procurando por você? — surpreende-se — Espere. “Mikoto”? Não sabia que você tinha intimidade com a Yukihara-senpai. Por acaso a carta foi para ela? — responde corada.
— Pois é, trata-se de uma longa história, da qual novamente não terei tempo para explanar agora. Ademais, entendeu sua tarefa?
— S-sim. Mas enrolar a Kaichou… como farei isso?
— Achei que relutaria mais sobre este pedido. Especialmente tratando-se da sua ídolo.
— Estou relutante, talvez depois disso eu nunca mais consiga me aproximar dela, porém não posso negar um pedido de um amigo. Estou contente que tenha pedido minha ajuda.
— Ei, Johann. E quanto a nós? O que precisamos fazer? — pergunta Shou.
— Vocês dois terão uma tarefa similar e tão importante quanto a da Miyu. Estão vendo aquela garota na janela do bloco ao lado?
— Oh, é a estudante intercambista? Ela é tão bonita quanto a Kaichou, nunca pensei que isto fosse possível — coça a cabeça — Ah, que saco. Planejava conquistar ela, mas sei que não tenho a menor chance. Ei, Johann, todas as garotas do ocidente são bonitas assim?
— Não, não são. Agora preste atenção, ela também está atrás de mim. Preciso que vocês dois enrolem ela. Mas o diferencial em relação à tarefa de Miyu é que vocês estejam preparados para violência.
— Violência? O que você quer dizer com isto, Jocchi? Aquela garota é uma yandere por acaso? — Manabu sua frio e engole assustado.
— O Johann só pode estar brincando. Relaxe, Manabu.
13h18
Assim como previ, ele está me seguindo. Agora basta confiar no trabalho daqueles três para que nós dois possamos resolver as contas sozinhos. Sigo para o atual depósito da escola. Este local é muito pouco movimentado pelos estudantes, o que torna um ambiente perfeito para resolvermos nossas diferenças sem nenhuma interrupção.
Posso perceber que durante o trajeto ele me segue à distância.
Entro no depósito, logo subo para o segundo andar e caminho até uma das salas. Enquanto isso, me certifico o tempo todo de que os sons dos seus passos estão me acompanhando.
Não posso perder a minha atenção sobre ele, pois assim estarei suscetível a um ataque surpresa.
Quando finalmente chego ao local desejado paro de andar e aguardo pela sua chegada. Repentinamente o som de seu caminhar que até então estava ficando mais intenso cessa.
Com isso posso constatar que ele está parado atrás de mim. Ora, não vai atacar? Achei que poderia fingir que não o percebi para sugestioná-lo a me atacar de modo imprudente.
Acho que devo então seguir com a mesma abordagem de hoje cedo.
— Então, o que você quer de mim? — pergunto ainda de costas.
— Não se faça de desentendido! Você sabe muito bem! Quero que fique longe dela, a Yukihara-san é minha!
Interessante… nem preciso me estender muito, ele já está bem alterado e além do mais os preparativos estão prontos. Estamos em um cenário completamente isolado do restante da escola, daqui ninguém será capaz de ouvi-lo agonizando. Devo então apenas irritá-lo mais um pouco.
— Tão sua que eu sou o único com permissão de chamá-la pelo primeiro nome. Diga-me, o quão irritado você fica ao me ouvir chamá-la de “Mikoto”? — viro-me e o encaro com deboche — Quer saber de um fato interessante? Em particular ela me falou o quão desagradável você é, até pensei que ela estivesse exagerando. Porém, agora percebo que ela estava coberta de razão, você é um incômodo para ela. Quem poderia suportar alguém tão obsessivo como você?
— Ela jamais diria algo assim! Ela sempre elogia a minha assistência — cerra os punhos e arregala os olhos — Eu sempre a ajudo em tudo o que posso!
— Ela disse isso? E você acreditou? É realmente mais ingênuo do que eu pensei, não é à toa que ela conseguiu o enganar por todo este tempo. Veio a calhar que você era útil para ela, e o elogiou apenas para mantê-lo trabalhando. Você é no máximo prestativo, nada mais do que isso. Por maior que fosse a sua dedicação, não seria por isso que ela se apaixonaria por você. É cômico pensar que você achou mesmo que ela poderia vê-lo desta forma somente por empenhar-se nas suas tarefas de merda.
— Cale a boca! Cale a boca! Cale a boca! — reage histericamente.
Está quase lá, sua personalidade está à beira de colapsar. Basta apenas um empurrãozinho para que ele deixe sua verdadeira natureza fluir. Mostre-me o seu ódio por mim e o que é capaz de fazer para ter Mikoto ao seu lado. O quão longe você pretende ir por este amor doentio? O que você é capaz de fazer por ela?
— Venha, faça-me calar — abro os braços e sorrio — Ou quer que eu conte o que nós dois fizemos naquela sala logo após você sair? Tenho certeza que são coisas que você não viu nem nos seus sonhos mais pueris.
Takashi grita raivosamente e parte para cima de mim.
Um engano digno de pena. É óbvio que eu coloquei-me numa postura vulnerável assim de propósito.
Agindo no impulso, de modo tão irracional, ele também mantém toda a sua guarda aberta. Nunca frequentei alguma aula de luta, porém meus outros “eu” compartilharam comigo a experiência de autodefesa que Ailiss os ensinaram.
Puxo a faca de cozinha que roubei, e aproveitando a inércia do seu próprio corpo ao me golpear, com isso cravo em seu estômago enquanto bloqueio com um dos braços o seu soco.
Devido à propulsão que ele tomou, acabo juntamente com ele sendo jogado contra a parede. No entanto, esta mesma força faz com que a faca adentre em cheio em sua barriga sem grande esforço. Então para finalizá-lo aproveito da situação e giro a faca potencializando a lesão causada.
Fim de jogo.
— Uma faca? Seu… seu covarde! — dá alguns passos para trás e agoniza com uma mão sobre o corte.
Não deveria ter me subestimado assim. No fim das contas, eu sou mais capaz do que você, sou capaz de ir mais longe por ela.
— Covarde? Do que está falando? Por amor qualquer ação é válida, devemos recorrer a qualquer meio. Foi você que não teve preparo e motivação suficiente para me matar — posiciono-me para esfaqueá-lo mais uma vez.
Parto na sua direção, porém desta vez ele agarra os meus braços, colocando-nos numa disputa de força.
Impressionante… ele ainda possui o mínimo de forças para reagir?
Em condições normais é bem possível que eu perdesse, mas infelizmente para ele, eu não estou com um ferimento profundo na barriga. Em longo prazo não há nada o que possa fazer.
— Desgraçado. Isto não vai ficar assim! Eu juro que vou me vingar! — conforme o sangue começa a escoar seus braços e pernas passam a fraquejar.
Ele despenca para trás e com ele caído, finalmente consigo introduzir a lâmina no seu pescoço.
— Vingar-se? Até onde eu saiba, mortos não são capazes disso.
A partir de então prossigo dando múltiplas facadas até ter absoluta certeza de que ele está morto.
Uma após a outra.
Levanto o braço e abaixo com toda a velocidade e força que consigo aplicar.
Prossigo efetuando diversos golpes por todo o seu corpo, mesmo estando ciente de que não passa de um cadáver.
Depois de algum tempo, meu sangue finalmente esfria e volto a pensar racionalmente.
O que… o que foi que eu fiz?
Eu realmente matei ele…
Onde eu estava com a cabeça? Eu fui longe demais! Parecia-me uma decisão tão normalizada que não medi minhas ações.
Observo o corpo ensanguentado de Takashi a minha frente e minhas mãos e uniforme com alguns espirros de sangue.
Preciso esconder este corpo logo e dar um jeito de pegar um uniforme reserva. Mas só agora que meu sangue esfriou que percebi a loucura que estou fazendo.
Eu matei alguém.
Nunca tive um senso ético ou moral muito forte, mas o impacto de fazer isto com as próprias mãos é muito forte.
Como fui capaz de fazer isto com tanta despretensão?
Apesar de nossas desavenças, ele é um ser humano, provavelmente possui uma família que se importa com ele. E mesmo assim, me desfiz dele como se fosse meramente um pedaço de lixo. Sabendo da sua impulsividade eu o provoquei, eu que o levei a este ponto.
Encaro fixamente as palmas de minhas mãos tingidas de vermelho.
O que está acontecendo comigo?
Após ocultar o corpo, vou até o banheiro para lavar as mãos. Continuo as esfregando, mas parece que quanto mais eu lavo-as, mais vermelha torna-se a água. É evidente que nunca serei capaz de limpar essa mancha do meu passado.
Fecho a torneira, ergo o rosto, então vejo meu reflexo no espelho.
A franja do meu cabelo louro oculta parcialmente o meu rosto. Ergo lentamente a cabeça e então vejo uma estranha expressão estampada em minha face.
Este sou eu?
Sim, definitivamente sou eu. Mas minhas olheiras estão cada vez mais fortes, e já não consigo ver mais brilho algum em meus olhos.
Sinto que cruzei um ponto do qual não posso mais voltar atrás.
Talvez eu possa estar me tornando um monstro?