Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 66
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- Capítulo 66 - Logo, um a um irá cair. (2/2)
14h29
Meu plano consistia em aterrorizar primeiramente Mikoto. Entretanto, por ironia do destino, quem me pega desprevenido e surpreendentemente me pressiona contra a parede é Ailiss.
— Seu desgraçado, foi você, não foi? Diga-me agora mesmo onde ela está! — me segura pela gola e interroga-me com seu olhar mortal.
Entendo. Possivelmente por causa dos incidentes que eu venho causando ela se sentiu ameaçada e foi puxar a sua carta da manga. No entanto, não foi capaz de encontrar a metralhadora que escondeu no pátio há três dias. Não é de se estranhar que ela esteja suspeitando de mim, visto que Mikoto e eu somos os outros jogadores e, portanto, seus inimigos.
Sobre a minha culpa, no fim ela não está errada. É uma garota bastante astuta, não é à toa que seja uma assassina profissional.
Naturalmente, resta-me negar até a morte o furto que cometi. Afinal de contas, aquela arma poderá ser bastante útil em último caso.
— Eu não sei do que você está falando. Agora, por favor, me solte. Podemos conversar melhor a respeito, só assim poderei ajudá-la em algo.
— Não sabe? Conta outra — pressiona-me mais contra a parede —Se não me falar onde colocou minha metralhadora, você irá sentir muita falta da sensação de conseguir mover os próprios membros — cerra o olhar — Eu não estou brincando…
A voz sombria dela que consegue transmitir sua irritação mesmo estando inexpressiva me fascina mesmo em horas como esta. Por hora, devo continuar na defensiva do modo mais passivo o possível, de modo que ela constate que não sou nenhuma ameaça.
— Eu realmente não sei da sua metralhadora, nem sabia que você possuía outra arma até você mencioná-la agora. Mas se ferir-me lhe fará se sentir melhor… vá em frente.
— Você é bem valente de me dizer uma coisa dessas. Talvez eu deva mesmo seguir o seu conselho, o que acha disso? — pressiona-me mais.
Ela realmente não está de brincadeira, estou sendo sufocado. Esperava que esta fosse a hora dela se sensibilizar ao menos um pouco. Mas pelo visto esqueci-me de que é impossível que esta garota sinta o mínimo de misericórdia. De toda forma, não posso recuar agora, ou será tudo em vão.
— Estou disposto a sofrer isto pelo seu bem — replico em dor.
— Vejo que não vou chegar a lugar nenhum, e desta forma você acabará desmaiando — me solta, caio no chão e em seguida ela me encara de cima — Se não foi você, quem mais poderia? Até onde me consta apenas você teria a clarividência necessária para isso.
Sei muito bem que não posso alegar que ela foi seguida ou algo do gênero. Isto violaria muito o seu orgulho.
Então, vou apenas antecipar a mentira que estava planejando contar para as duas hoje à noite. No fim será uma boa forma de catalisar esta conciliação. E devido às circunstâncias atuais que não poderiam estar mais confusas, provavelmente acabarão cedendo a minha explicação.
— Eu não sei, mas tenho certa suspeita.
— Conte-me mais — fita-me curiosa.
— Era sobre isto que eu estava tentando falar ontem, mas vocês não me deixaram terminar a reunião. Eu não possuía tanta certeza das minhas teorias, tudo ainda estava muito nebuloso. Porém, agora percebo claramente que há algo de errado neste “jogo”. As mortes por envenenamento que estão acontecendo deixaram algo muito claro para mim: há mais um jogador. Talvez ele tenha sido o responsável por roubar a sua metralhadora — levanto-me enquanto me justifico a ela.
— Mais um jogador? Achei que você já tivesse compreendido sobre magia negra. Isto é um absurdo… é com-
— É como violar as leis da física — antecipo sua fala — Eu sei muito bem disso. Mas você já deve ter percebido que isso ocorreu. Então não podemos nos prender a tais afirmações puramente teóricas — a encaro nos olhos — Responda-me, este “jogo” não é muito diferenciado em relação aos outros nos quais foi inserida? Não achou nada de estranho nele?
Pelo que ela me contou nos outros mundos, aqueles alto-falantes são uma anomalia bem concreta. Assim posso usar as suas próprias suspeitas como forma de persuadi-la, aproveitando-me de um viés de confirmação.
— Tsc — cerra os olhos — Realmente, nesse quesito até você tem um pouco de razão. Existem elementos aqui que não poderiam existir, e a sua clarividência é uma delas.
— No fundo você sabe que não estou falando nenhum absurdo. Então, por favor, poderia relevar mais uma conversa esta noite? Há algo de muito errado nisto tudo, e através de minhas premonições pude concluir que precisamos dos três jogadores para vencer este inimigo em comum.
— Você ainda não entendeu? Eu preciso matá-la, eu vim até aqui somente por isso, pois esta é a minha vingança. Você pode ter adquirido certa clarividência aqui dentro, mas não faz ideia do que eu passei para chegar a este ponto. Não irei recuar de minhas ambições por uma mera distorção do jogo, não posso voltar atrás por uma mera dificuldade — fita-me ferozmente.
— Caso persista com este pensamento, a sua vingança infelizmente parará por aqui. Esta batalha está longe de ser uma luta comum que você está acostumada a vencer, só temos alguma chance de vencer se todos nós trabalharmos juntos. Não faço a menor ideia de quantos outros usuários de magia negra existem no mundo, porém se não tolerar a sobrevivência de pelo menos uma, esta será a sua última vítima. E além do mais, eu já consegui convencê-la a cooperar com você.
— Eu entendo que do ponto de vista pragmático uma trégua com ela seria a melhor saída. No entanto, aliar-me a ela é basicamente uma traição de princípios e isto está fora de questão.
Ela é muito resistente com seus ideais, e provavelmente não conseguirei mudá-la com apenas uma argumentação racional. Ironicamente, eu sei muito bem como atingir emocionalmente este ser com coração de pedra.
— Danem-se os princípios! Você acha que o seu pai ligaria para isso? Você acha que ele ligaria para a sua vingança numa hora dessas? Ele apenas iria querer que você sobrevivesse! — elevo a voz.
— Como você…? — pausa e arregala os olhos — Estou surpresa do quanto eu revelaria para você no futuro — suspira — Tudo bem, eu irei dá-lo mais um voto de confiança, mas logo o aviso que será o último.
— Não se preocupe, não precisará mais de um — respondo com um sorriso amigável.
Com isso, metade da fase inicial do meu plano foi adiantada. Não poderia ser mais perfeito.
16h11
Com as coisas parcialmente encaminhadas em relação a Ailiss, devo voltar ao meu plano de aterrorizar o conselho estudantil e então retomar a aliança com Mikoto. Para isto decido utilizar-me de mais algum membro do alto escalão como bode expiatório.
Tendo em vista que os três rapazes já estão mortos, e que Natsuki devido a sua sensibilidade está incapacitada de ajudar em qualquer coisa, todo o trabalho recai sobre Mikoto e Keiko. Logo, esta é seu último recurso antes de desmoronar.
Sem Keiko, Mikoto verá a si própria como isolada. Não terá nenhum apoio, e com isso será obrigada a rever a sua postura.
Não é como se eu estivesse fazendo isso sem remorso. Sinto-me muito mal em colocar Mikoto numa situação de tensão como esta, vendo todos os seus conhecidos sendo abatidos. Porém, esta é a única forma dela conciliar-se com Ailiss e, por conseguinte, sobreviver. Neste caso, os fins justificam os meios.
Enquanto o futuro daquelas duas estiver em jogo, qualquer medida é perfeitamente válida. Não há restrições do que pode ser posto a prova.
Dou início a minha busca pela próxima vítima, e após alguns minutos vasculhando o local, avisto Keiko nos arredores do bloco do conselho estudantil.
Pelo que a sua postura indica, ela está bastante abatida, logo concluo que minha tese está correta. Provavelmente está sendo sufocada pela pressão, a pressão da responsabilidade por tantas vidas. É um peso bastante intenso para se carregar nos ombros.
Aproximo-me dela e sem perceber minha presença ela solta um profundo suspiro.
— Cansada? — pergunto.
— Ah, não me mate do coração — assusta-se — mas sim, estou bastante cansada, para não dizer exausta — tranquiliza-se ao perceber que sou eu.
— Como estão aquelas duas? Imagino que esteja sendo difícil para vocês coordenarem tudo sozinhas — sento-me ao seu lado.
— A Kaichou permanece fria como uma pedra de gelo, por outro lado a Natsuki-chan… bem, ela passou a tarde toda chorando pelo Haruki-kun. Não posso culpá-la, foi algo muito repentino e não estávamos preparadas.
Como eu suspeitava, a realidade do conselho condiz com as aparências. Não há para onde correr, estão totalmente encurralados.
— E quanto a você? Já teve um tempo para colocar seus sentimentos para fora? Não é apenas a Natsuki que merece um tempo para lamentar a morte de um amigo. Você também precisa revigorar-se um pouco desta perda.
— Infelizmente não, sabe… Eu realmente precisava de um tempo para chorar. Haruki-kun era um amigo muito próximo para mim, talvez eu o visse até mais do que um amigo. Mas eu não posso fraquejar agora. A Natsuki precisa que eu seja forte. Neste ponto preciso manter o foco, por mim e por ela — deixa escapar algumas lágrimas enquanto sorri amargamente.
— Tudo bem em chorar. Eu faço isto quase diariamente. Mas se me perdoa interromper o seu momento de emoção, eu preciso lhe fazer uma pergunta.
— Uma pergunta? Qual é? — vira-se surpresa para mim.
Acredito que já tenhamos tido uma conversa semelhante a esta em outra linha temporal, por isso penso que seja um método confiável de fazê-la seguir minhas instruções.
— Está disposta a se vingar? Gostaria de fazer justiça com as próprias em relação ao assassino de Haruki?
— Vingar-me? Você está dizendo que sabe quem é o culpado?
— Mais ou menos, eu tenho certa suspeita. Na verdade, vários indícios apontam para esta pessoa em questão. E preciso da ajuda de alguém confiável para me ajudar com esta investigação.
— E então você quer a minha ajuda? — enxuga as lágrimas.
— Exato. Se estiver interessada, por favor, siga-me — levanto-me.
Ela assente, então estendo a minha mão e eu a ajudo a se levantar.
— Se eu puder ajudar em algo para matar o desgraçado que assassinou Haruki-kun, e ao mesmo tempo salvar a Natsuki-chan e todo o resto do pessoal. Farei isto sem hesitar, precisamos parar essa série de assassinatos — Ela responde com determinação.
Assim como eu me lembrava, apesar de não ser tão forte quanto Mikoto ou Ailiss, Keiko é uma garota de bastante coragem. Infelizmente é esta mesma determinação que a levará desta vida.
— Sábia decisão. Se minhas suspeitas estiverem corretas, então você terá a sua vingança hoje mesmo.
Keiko anda atrás de mim até um dos andares mais altos de um dos blocos secundários.
— Então, o que você quer me mostrar? Não iríamos atrás do tal suspeito?
— Não é muito seguro ir atrás dele diretamente. Precisamos ter cautela e há algo que é interessante que você observe antes de tudo. Será mais bem visualizado aqui de cima, e deste modo não seremos notados — aponto para a janela.
As dimensões da janela deste corredor são grandes ao ponto dela começar pela metade da altura das pernas. Em outras palavras, geometricamente adequada para este tipo de ocasião.
— Entendo — Ela responde.
Abro a janela e sinto uma leve brisa adentrando a sala. O ar frio toca meu rosto enquanto observo o sol em meio ao céu alaranjado encaminhando-se para dormir. Sem dúvidas é uma excelente última vista do mundo.
De certa forma você é bastante privilegiada por isto, Keiko. Considere como um agradecimento pela sua colaboração em outras linhas temporais.
— Perfeito, eles ainda estão lá — enceno e a chamo — Veja isto, há uma movimentação estranha de alguns estudantes próximos da garagem da escola. Suspeito que eles estejam pensando em roubar o ônibus escolar. Mas o que eles pretendem fazer com isto, eu não sei afirmar direito. Teria alguma ideia? — prossigo.
— Roubando o ônibus?! Está falando sério?! Isto não faz o menor sentido, mas precisamos comunicar a Kaichou agora mesmo! — aproxima-se da janela do corredor — Ei, espere. Eu não estou vendo nada, cadê eles? — pergunta confusa ao mesmo tempo em que força a visão.
Sinto muito, Keiko. Não é nada pessoal, para falar a verdade isso até me incomoda um pouco. Mas infelizmente eu preciso que você morra agora, como não possuo nenhuma antipatia com você, prometo que serei rápido.
— Estão bem ali — afasto-me dois passos e paro atrás dela — vou ajudá-la a vê-los melhor.
Olho para frente e vejo o contraste da sombra da sua silhueta em frente a janela com a luz externa.
— Ainda não estou vendo nada. Tem certeza que ainda estão lá?
Então, utilizando dos meus dois braços, bruscamente empurro com toda a força Keiko em direção a janela.
Despreparada, seu corpo tomba para fora do bloco.
Apenas escuto seu breve grito ao cair seguido de um estrondo no chão. Verifico pela janela e constato que o seu corpo não está se movendo. Naturalmente a queda desta altura foi o suficiente para matá-la.
Fito o exterior por breves segundos.
Uma morte como esta não tingiu fisicamente as minhas mãos de vermelho, porém as manchas apenas aumentam na minha alma. Por mais atormentador que isto se torne, não irei parar, continuarei assim como o céu que muda o seu espectro do azul, ao vermelho e por fim à escuridão da noite.
Agora preciso cair fora daqui antes que alguma multidão se forme em frente ao bloco.
Contudo ao dar as costas para a janela, deparo-me com algo inusitado.
Eu fui visto? Que droga! Preciso matá-la também urgentemente!
— J-Johann-kun?! O q-que v-você fez? — gagueja Miyu de olhos arregalados.
Porcaria, esta garota importuna me seguiu até aqui. Não posso deixá-la estragar tudo! Mas pensando bem, se eu tentar matá-la provavelmente não conseguirei sair daqui despercebido. Necessito deixar o bloco o mais rápido possível.
— Escute bem — caminho até ela e a agarro pelos ombros — se você falar qualquer coisa sobre isso, eu não só a matarei, como eliminarei aqueles dois. Especialmente, Manabu. Eu sei que ele é especial para você, então fique calada.
Pressiono mais as minhas mãos em seus ombros, enfatizando assim a minha ira.
Provavelmente tomando Shou e Manabu como reféns psicológicos, ela numa situação de pânico possa colaborar comigo. Mas eventualmente alguma outra hora terei que dar um jeito nela, quem sabe amarrá-la seja uma solução para não precisar matar minha amiga.
Ela completamente assustada consente ao me ouvir tocar no nome dele. Em seguida, puxo-a pela mão e deixo a cena do crime rapidamente.
— Q-Quem é você? O que você fez com o Johann-kun? Ele jamais faria algo monstruoso assim… — pergunta ainda chocada.
Do que você está falando, Miyu?
Não está vendo?
Sou o mesmo de sempre.