Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 73
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- Capítulo 73 - Com estas manchas, a neve escurece pouco a pouco. (1/2)
7º Dia
05h39
Então o relógio da morte cessa a queda da areia e com isso finalmente chegamos ao tão aclamado último dia. Nosso prazo dentro do jogo acabará em algumas horas… estas serão essenciais e não posso me permitir falhar.
Com o cessar das vozes na minha cabeça, consigo ponderar melhor sobre as minhas ações dos últimos dias.
Custa-me um pouco a admitir, mas é bem possível que eu tenha ficado completamente doente da cabeça, e nesta insanidade mental já desprezo qualquer valor moral ou ético. Quando tento refletir a respeito desses conceitos, encontro apenas um grande vácuo diante de mim, tais palavras foram inteiramente varridas dos meus valores como se nunca houvessem existido. Não há nenhum significado em prender minhas ações nestas construções humanas, simplesmente na opinião de alguém ou de um coletivo de seres deprimentes.
Todas as vidas que tomei até pouco tempo atrás ainda tinha ciência de que não era algo correto a se fazer, apesar das circunstâncias se fizerem necessárias. Agora, sinceramente, não dou mais a mínima. A vida de cada um deles é irrelevante. Matar ou não matar se tornou meramente uma questão técnica, uma decorrência que pode ou não vir a acontecer dependendo da utilidade, custo e benefício perante aos meus objetivos.
Afinal, o que na essência humana há de tão especial que há um direito à vida apenas por estar incluso nesta amaldiçoada espécie? Analisando com cautela sem atribuir nem um valor prévio ou realizar um salto lógico, não há nada. Matar em si não é positivo e tão pouco negativo.
O bem estar final daquelas duas é um fim em si mesmo, portanto, eu não apenas posso como possuo a obrigação de matar a todos que se coloquem como obstáculos a tal objetivo. Isto é a única coisa que consigo espontaneamente atribuir algum princípio. Elas são as únicas coisas suscetíveis de valor neste mundo, seja ele material ou sobrenatural.
Sim, todos que entrarem no meu caminho devem morrer. Por quê? Se eles estão sendo um estorvo, por que eu deveria me importar em não fazê-lo?
É engraçado o fato de eu sempre ter me oposto moralmente àqueles que diziam matar em nome de Deus. Sempre me pareceu algo ridículo justificar suas ações num conceito tão infundado. Porém, tanto eu quanto eles estávamos redondamente enganados. Eu por adotar falsos princípios humanistas e eles por estarem venerando os deuses errados.
Como pude não perceber esta revelação divina anteriormente? Ailiss e Mikoto são as duas facetas da divindade e perfeição. Não obstante. Não devo me limitar aos empecilhos e sacrifícios necessários. Todos os hereges, todos aqueles que não reconhecem a grandiosidade delas, devem ser descartados.
Todavia, não estaria eu indo contra as ordens divinas ao contrariá-las? Não, pois elas ainda não estão cientes de sua grandiosidade, estão temporariamente privadas de tal conhecimento. Apenas eu, que compartilho a memória de infinitos mundos, posso conceber o tamanho amor e superioridade que tais seres são capazes de transmitir. E por isso, mesmo que eu seja odiado e amaldiçoado por minhas próprias deusas, no final das contas estarei agindo em harmonia com as suas reais vontades, com sua essência.
Não alego que sejam deusas universais, mas isto é outro fator irrelevante, não tenho obrigação de justificar nada a ninguém. Eles não precisam aceitá-las neste posto para que isso seja encarado como uma verdade, a ignorância alheia não anula uma verdade, ainda mais se tratando da baixa cultura coletiva, então basta que eu esteja ciente para que elas tenham o posto divino.
Não, muito pelo contrário, elas são apenas minhas, são deusas somente minhas. Como só eu pude senti-las, apenas eu tenho o direito de venerá-las. Qualquer outro que tente isto precisa ser eliminado como Takashi foi. Devido a toda a minha boa vontade e adoração, acredito que eu seja o único digno a servi-las.
Se os outros não possuem o direito de adorar seres de tamanha grandiosidade e ao mesmo tempo não podem cometer heresia, o que os resta? Nada. Isto seria um contrassenso? Não há escolha que a plebe possa tomar?
Eles iriam viver no pecado de uma forma ou outra, olhando deste ponto de vista eu também sou um salvador. Sou um messias que irá os libertar deste paradoxo, eu trarei a redenção através da morte.
Eles deveriam me agradecer por tamanho amparo que estou lhes oferecendo. Só na morte e apenas na morte eles estarão livres das suas condições de caráter inferior.
Por outro lado eu não quero salvar ninguém que não sejam elas… tudo isso é muito complicado e confuso. Posso então encarar que salvá-los seja apenas uma consequência dos meus atos. Matarei apenas pensando nelas, eles estarem se beneficiando disso é apenas um detalhe.
Sim, ninguém pode me atrapalhar ou interagir com elas. Este mundo é podre, elas devem estar num patamar acima desta humanidade asquerosa. Todavia, não há necessidade de se preocuparem com isto. Eu estou aqui para cumprir o papel desta limpeza.
Vejo que nevou, e muito, durante esta noite. A camada de neve dos últimos dias pelo menos quadruplicou a sua espessura. Saio do bloco no qual estava escondido, e quando piso no terreno percebo que meu pé afunda totalmente, de modo que minhas pegadas ficam visíveis. Portanto, necessito cobrir cada passo dado para que meu rastro não seja detectável.
Como ainda está muito cedo e todos estão concentrados no bloco principal, consigo tranquilamente apagar as minhas pegadas enquanto atravesso o pátio para chegar à garagem da escola.
Chegando lá, com auxílio de uma mangueira que peguei do armário do zelador, consigo ter acesso ao combustível armazenado no tanque do ônibus.
Ainda bem que eles quase não o usaram, graças à inatividade do ônibus há bastante recurso ao meu dispor. Pretendo usar de uma abordagem um pouco diferente do que Ailiss fez por aqui nas linhas temporais paralelas que vivenciei.
Lembro-me vagamente dos eventos finais de cada linha através das memórias que me foram concedidas, mas de fato fizemos uso deste ônibus. De certa forma, acredito ser um pouco mais sutil em sua utilização. Porém, ao mesmo tempo mais poético, acho que elas gostarão do meu espetáculo.
Com cuidado, esvazio o tanque e coloco toda a gasolina dentro de alguns galões. Esta foi a forma que encontrei de ter acesso a uma substância inflamável dentro desta dimensão. E assim, agora possuo um trunfo em mãos, o qual renderá boas surpresas durante o dia. Apenas de imaginar a cara de surpresa deles ao vislumbrar a magnitude da minha oferenda às minhas deusas já me deixa agitado.
Fecho o tanque de combustível sem muito rigor, e por fim deixo a garagem.
Aloco os galões num bloco ao lado do principal para tornar a minha movimentação mais prática e rápida, então poderei agilizar as minhas ações durante a tarde. Em seguida, passo a esperar por uma oportunidade de prosseguir com o ato.
08h57
O sol já deu as caras e com isso os estudantes passaram a se dispersar. Provavelmente a ansiedade fez com que eles se movessem numa tentativa de escapar da premeditada batalha que ocorrerá entre mim e o conselho estudantil. Abandonar qualquer falsa responsabilidade e buscar um meio de sobreviver é uma decisão natural.
Necessitei esperar, pois até então todos estavam reunidos nos dormitórios, o que dificultaria as minhas ações, visto que sobre múltiplas vigilâncias é praticamente impossível entrar naquele bloco sem ser notado.
Assim, aproximo-me do bloco principal pela direção na qual mais existem pontos cegos, subo numa árvore ao lado do bloco e pulo por uma das janelas do primeiro andar.
Tendo acesso ao corredor, caminho cuidadosamente até as proximidades dos dormitórios femininos.
Por hora, não estou atrás de Ailiss ou Mikoto, pois as próprias provavelmente não dormiram por aqui, elas devem ter ficado alguns andares acima, onde estariam mais seguras e certamente estão preparadas para qualquer investida que eu tome.
Tentar chegar à sala do conselho estudantil agora seria um fracasso inerente. Deve haver alguém de vigia a cada escadaria que dá acesso ao andar onde elas estão residindo. E mesmo estando armado, isso continua sendo um problema, pois com os disparos eu entregaria a minha posição aqui dentro. Por isso preciso de uma refém que possa atraí-las até a mim.
Avisto a porta da sala de aula usada como dormitório feminino e escuto alguns murmúrios advindos de garotas.
Estou um pouco surpreso com a falta de segurança interna deles. Estavam tão confiantes de que eu não conseguiria entrar no bloco apenas colocando alguns guardas no saguão principal? Bem, acredito que Ailiss e Mikoto não tenham culpa de seus subordinados serem completos amadores e incompetentes.
— Ninguém grite, fale ou corra. Ou irão todas morrer — digo enquanto entro no dormitório feminino.
Todas ficam sem reação ao me enxergarem portando a metralhadora.
Há poucas garotas na sala, e felizmente todas conseguem engolir a seco seus sustos. A maioria deve ter deixado o local com medo de um ataque, mas eu já estava ciente de que uma com certeza não deixaria suas colegas de menor atitude para trás, Miyu.
— Se não quiser que todas elas morram, você vem comigo — aponto a metralhadora para Miyu.
Ela me encara com os olhos completamente arregalados, todavia logo converte suas expressões para um tom de desprezo e então se move roboticamente até mim.
Ela poderia muito bem gritar contra minhas ordens para atrair os outros estudantes, Mikoto e Ailiss. Em meio ao caos provavelmente se safaria. Porém, suas limitações morais e gentileza forçada são as suas maiores fraquezas. Ela não quer parecer uma pessoa ruim, portanto prefere submeter-se às minhas ordens em nome das colegas.
Puxo um lenço do bolso e amarro em sua boca para garantir que não grite após sairmos.
— Ela ficou de boca calada para que eu não precisasse matar vocês, espero que façam o mesmo por ela. Aliás, nada impede que se eu houver um grito sequer, eu volte aqui e mate todas vocês antes do conselho chegar — comento antes de deixar a sala.
Isso deve servir para mantê-las quietas até eu deixar o bloco pelo menos.
Ainda assustadas elas encaram-me e balançam a cabeça em consentimento.
Desço até um andar mais baixo e a forço pular a janela.
Levo-a até o bloco ao lado, subimos as escadarias, então amarro os seus membros com uma corda e solto sua mordaça.
— Seu monstro… o que pretende fazer comigo? O que espera ganhar com tudo isso? Acha mesmo que a Kaichou irá cair numa armadilha tão banal como esta? — pergunta encarando-me intensamente.
— Você tem razão, a Mikoto não cairia. No entanto, eles sim.