Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 84
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- Capítulo 84 - E por isso, o ciclo de ódio precisa desaparecer. (1/3)
O que mais eu poderia fazer? Estou condenado a isso eternamente. Só tenho vontade de me sentar aqui mesmo e chorar desenfreadamente.
Talvez a única coisa que me resta é continuar me suicidando para livrá-las de qualquer sofrimento. Mas meu coração não aguenta mais isto. Quero simplesmente desaparecer e ter a minha existência apagada…
— Johann-kun, está tudo bem?
Escuto a mesma pergunta de Miyu mais uma vez.
— Não, Miyu. Não estou nada bem — murmuro em total desânimo.
— O que aconteceu?! E por que você está chorando?! — Miyu pergunta surpresa.
— Eu machuquei pessoas muito importantes para mim. E não sei o que fazer a respeito — sento-me e apoio a minha testa com a palma da minha mão.
— Ei, mas você já tentou falar com essas pessoas? Já pediu desculpas?
Falar com elas? Acho que não tenho coragem para falar com elas depois do ocorrido, como poderia olhar em seus olhos sabendo das atitudes que eu tive?
— Não. Não acho que elas aceitariam meras desculpas, provavelmente não querem me ver nunca mais.
A verdade é que somente eu irei me lembrar dos meus atos. Então não há nem sentido nessa conversa. Quem nunca será capaz de me perdoar sou eu mesmo.
— Como não? Mesmo que não aceitem suas desculpas, é o seu dever fazer isto! — Miyu puxa meu braço e olha em meus olhos — Se você gosta dessas pessoas e as magoou, precisa encará-las alguma hora ou outra! Pretende esconder isto para sempre? Seja sincero com elas, seja sincero com você! Elas nunca saberão como você se sente se você não falar!
Desvio o olhar para baixo.
Sincero né? Acho que isso foi o que menos fui por todas estas tentativas, eu as abordei de maneira ardilosa, tentei manipular as duas e a todos para atingir o fim que considerava ideal.
Apesar de termos visões de mundo muito diferentes, talvez ela tenha razão. Por mais duro que seja confrontá-las novamente, não posso recuar. Não depois de tudo o que passei. Se por acaso elas se lembrarem de todas as vezes que tiveram de morrer, eu assumirei a responsabilidade.
— Você está certa. Falarei com elas assim que possível — levanto o rosto e olho para Miyu — Obrigado.
— Não foi nada, não precisa agradecer — bota a mão na minha testa — Mas chorar e me agradecer… tem certeza que não está com febre ou algo assim? Sempre pensei que você fosse um robô por nunca se abrir.
Alguma hora também precisarei me desculpar por tê-la assassinado também, Miyu. Por mais que ninguém lembre, fiz coisas terríveis para ela, Manabu e Shou. Sou um péssimo amigo no final de contas.
— Estou bem… — olho para baixo e sorrio amargamente — Obrigado, mais uma vez.
…
Os fins justificam os meios? Depende de que fins e de que meios estamos falando. Seria capaz de tudo para salvá-las, porém levar este pensamento ao extremo e fazê-las sofrer por mera especulação é uma atitude incabível.
As minhas ações moralmente erradas não podem ser consideradas a causa destas repetições, visto que já consegui arquitetar meu suicídio sem matar absolutamente ninguém. Seria presunção demais de minha parte achar que aquelas duas entidades se preocupariam com os meus valores.
Mas ainda há algo em comum em todas as iterações: minhas mentiras. Estaria correto em manipulá-las sistematicamente por ter como intenção salvá-las? Sendo sincero, ainda vejo como um fim indispensável. Porém, como ambas se sentiriam ao pensar a respeito?
Ou melhor, colocando-me no lugar delas, como reagiria em ver alguma das duas tomando as mesmas atitudes do que as minhas? A sensação de vê-las morrendo naqueles mundos foi terrível.
Olhando por este lado, vejo o quanto a minha manipulação pode ser cruel.
Sinceridade… as palavras de Miyu estão corretas. Apesar desta corrida contra o tempo, acredito que eu deveria ser mais franco em relação a elas. Se eu for salvá-las deste mundo e do ódio de uma da outra, terei que fazer isso apropriadamente.
— Ei, Jocchi. Qual o problema? Está mais deprimido do que o de costume — diz Manabu enquanto coloca uma porção de comida na boca.
De fato, estou com minhas energias esgotadas. Aquela era a minha última aposta.
Olho para Miyu, e ao que tudo indica ela não pretende contar a eles sobre o estado em que me encontrou na sala de aula. É uma situação tida como embaraçosa, é natural que alguém como ela mantenha isso em segredo.
Por onde começar? Será que eu devo me dar a este luxo? Se eu ficar pensando demais sobre o assunto, não irei a lugar algum.
— Bem… E-Eu. É algo difícil de colocar em palavras, mas acho que preciso da ajuda de vocês — abaixo o rosto.
Exigir qualquer apoio deles depois de tudo o que eu fiz é algo complicado. Mas não tenho mais a quem recorrer. Visto que Ailiss e Mikoto não me conhecem neste ponto, eu só tenho a eles.
— Er!? O Johann pedindo a nossa ajuda? Está com um problema com alguma garota? — fala Shou em meio a risadas.
— Nada disso, Shoucchi. Eu já falei, ele está no time das garotas 2D — retruca Manabu.
As mesmas piadas de sempre, né? Honestamente, sinto bastante falta de quando a minha única preocupação era ser infernizado por estes três idiotas, eu até havia me esquecido do quão assombrosa a solidão costumava ser.
Ah… se eu pudesse vivenciar momentos assim mais uma vez, viver sem preocupações. Todavia, mesmo se essa benção fosse me concedida, eu a recusaria. Não posso ignorar minhas responsabilidades.
— Para falar a verdade, é exatamente isto — respondo com um sorriso amargo.
— Quê?! V-Você tá falando sério?! — indaga Shou levantando-se.
— Não é possível, Jocchi! — Manabu resmunga choroso.
Então, como nos velhos tempos, Miyu decide se manifestar repreendendo nossos dois colegas.
— Garotos, por favor, parem! Tenham um pouco de seriedade! — volta-se para mim com um olhar de preocupação — Acredito que ele não se sente confortável em falar sobre isso desta forma.
— Er… então tá bom — Shou comenta confuso.
— E então, o que aconteceu com você, Jocchi? — Manabu recompõe-se.
Apesar de todo o mal que fiz para os três… eu realmente posso pedir algum apoio a eles?
— A verdade é que eu passei por um momento muito difícil, onde tomei decisões que jamais devia ter tomado. Pensando estritamente em meus objetivos, eu abandonei tudo, eu traí a mim mesmo — pauso — Como ser honesto em relação aos nossos próprios sentimentos e anseios?
Nunca sequer imaginei que poderia fazer uma pergunta dessas a eles. Porém, acredito que eles estejam anos-luz à minha frente neste aspecto. Mesmo preso nesta bagunça temporal por tanto tempo, não avancei um milímetro sequer em direção ao meu autoentendimento.
— Honestos, é? — Shou abaixa o rosto com um sorriso amargo.
— É algo complicado de pôr em palavras e não esperava esse tipo de pergunta — comenta Manabu.
— Penso que todos temos este problema. Eu, você, o Manabu-kun e o Shimizu-kun, todos deixamos a nossa sinceridade em algum ponto — diz Miyu desviando o olhar — Porém, quando notamos que estamos nos sabotando devemos nadar contra a correnteza, e podemos ajudá-lo com isto.
— Eu concordo com a Miyucchi. Você é meu amigo, irei apoiá-lo no que for preciso. Mesmo que envolva garotas reais… — fala coçando a cabeça.
Talvez nunca tivemos uma conversa séria destas por nunca ter me abrido e exposto meus problemas de maneira franca.
Eu me prendi ao superficial com eles. Manabu é um otaku que sofre de chuunibyou, Shou é um pervertido e Miyu é a amiga de todos. Mesmo passando tanto tempo juntos, nunca pensei em vê-los além das aparências.
— Mais uma vez, obrigado — suspiro.
— E então, Johann? Quem é a garota? E o que exatamente aconteceu para ter te afetado tanto?
Do ponto de vista deles, eu aparento estar somente com um problema amoroso aleatório. É mais fácil mostrá-los do que isso se trata do que contá-los.
— Na próxima aula, vocês verão uma coisa muito estranha acontecer. Não se trata de nenhum teatro ou brincadeira, é algo sério. Porém, fiquem tranquilos, nada afetará a segurança de ninguém nesta escola. Após este evento, posso entrar em mais detalhes.
15h33
— Johann, que loucura foi essa?! — pergunta Shou.
— Fale mais baixo.
— Como você sabia sobre isto, Jocchi? Qual o seu envolvimento com o ocorrido? — indaga Manabu.
Depois do anúncio do jogo, Manabu, Shou e Miyu vêm conversar comigo em um lugar afastado no pátio da escola.
Tentar explicar toda a situação, envolvendo os demônios de Laplace e uma infinidade de linhas temporais, seria algo problemático.
— Digamos que eu voltei no tempo.
— Sério?! Você possui uma máquina do tempo?!
— Sabia que você era inteligente, mas não tanto — comenta Shou.
— Não é exatamente como vocês estão imaginando. Na verdade, isto ocorre contra a minha vontade.
— Não deixa de ser surpreendente, mas dada a situação, você parece estar dizendo a verdade — diz Miyu.
— Você sabe quem são os outros dois jogadores? — pergunta Manabu.
— Sim, e isto está ligado diretamente ao meu pedido de hoje cedo. Trata-se da presidente Mikoto e da intercambista que Shou comentou durante o almoço, ela se chama Ailiss. Peço que mantenham isso em segredo para a segurança das próprias. Nem uma das duas têm intenções hostis com os demais alunos, portanto todos estão em segurança.
Na verdade, elas são bastante hostis. Contudo, do que pude observar neste meio tempo, o padrão é de que fiquem passivas, ainda assim é possível de que em um último momento recorram a algum sacrifício para partir para a ofensiva contra a outra.
— Vejo que você está em maus lençóis, Johann. Mas não entendi o que isso tem a ver com seu pedido. Dadas as regras que foram anunciadas, você pretende enfrentar uma das duas? — Shou cruza os braços.
— Muito pelo contrário, eu preciso salvar as duas.
— Mas Jocchi… — Manabu ajusta os óculos — isto não implicaria em sua morte?
Shou e Miyu assustam-se ao ouvir a constatação de Manabu.
Não é difícil ligar os pontos, mas intencionalmente nos recusamos a ver o óbvio.
— Sim, não é a primeira vez que faço algo assim. Nestas repetições, eu encontrei um futuro em que ambas se conciliam e vencem o jogo, sendo este o meu fim. No entanto, para isso precisaria manipulá-las e tomar medidas que desaprovo — cerro meus punhos — Não suporto mais agir dessa forma, eu queria resolver isto sendo sincero, expondo a elas minhas intenções, como realmente me sinto.
— Este pedido… não acho certo. Não há como você ser salvo também? Não é justo que você morra no processo — Miyu abaixa o rosto.
— As regras do jogo foram bastante claras neste sentido, e me parece que ele esteja determinado a salvá-las mesmo sabendo das consequências — comenta Manabu e se volta para mim — Eu ainda não compreendo bem como você se aproximou afetivamente delas, sendo uma desconhecida e tendo pouquíssimo contato com a Kaichou, mas o ajudarei no que for preciso.
Apesar de parecer idiota na maior parte do tempo, Manabu possui uma sensatez acima da média para tratar de assuntos que exigem seriedade.
— É algo complicado de colocar em palavras, porém não foram poucas vezes que saltei no tempo, fazendo que ao decorrer destas iterações eu me aproximasse delas — respondo.
— Aproximasse? Pensei que você estivesse a fim de uma delas, mas como você disse que já se sacrificou para que ambas sobrevivessem… quer dizer que sente o mesmo pelas duas, correto? — pergunta Shou.
— Sim. Eu amos as duas, amo ao ponto de ter morrido inúmeras vezes por elas.
E também matado muito mais… inclusive vocês. Infelizmente não há condições de trazer isto à tona, mas em algum momento terei que pedir desculpas por isso.
— A-ama as d-duas? — Miyu cora e pausa — não esperava ouvir algo assim.
— Ei, Johann. Você é bastante ousado para tentar fisgar duas garotas de uma única vez. Nem mesmo eu teria essa audácia — Shou cai em risadas.
— Tudo bem, você gosta delas, né? Isto me parece estranho, mas coisas como esta não precisam ser justificadas, nossos sentimentos não são racionais, eles somente existem — diz Miyu.
Parando para analisar, é realmente difícil de entender. Até eu tive dificuldade de compreender estes sentimentos originados de infinitos mundos.
— Tendo suas motivações explicadas, como pretende agir? Se ambas são jogadoras, elas provavelmente lhe verão como um inimigo. Você disse que já conseguiu se aproximar delas inúmeras vezes, iremos usar da mesma abordagem? — pergunta Manabu.
— Eu não sei, não quero mais manipulá-las ainda mais. Por isso, gostaria de ter a ajuda de vocês três. Honestamente, não sei mais como proceder… só sei que o modo que vinha agindo não é o certo.
Se esta repetição for concluída do modo correto, sem arrependimentos, sem utilizar de meios inapropriados… seria possível encerrar tudo isso? Neste ponto, onde já testei tantas hipóteses, é difícil manter-me otimista.
Não penso que isto seja reversível tão facilmente. Porém, de qualquer maneira, torna-se um alívio poder libertar meus sentimentos que foram suprimidos por uma eternidade neste inferno.