Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 86
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- Capítulo 86 - E por isso, o ciclo de ódio precisa desaparecer. (3/3)
Shou e Miyu juntam-se a Manabu impedindo a passagem de Mikoto, ela se surpreende com a arma e recua alguns passos.
— A minha metralhadora? Você a roubou? — Ailiss cerra os punhos e me encara de forma assombrosa.
Certamente isso iria irritá-la, mas não há caminhos fáceis para se resolver esta questão. Uma falsa paz não é o que eu quero, por isso irei tocar nas nossas piores feridas.
— Sim. Vi-me obrigado a fazer isso para contê-las — respondo.
— Mesmo que eu estivesse desarmada vocês não teriam a menor chance contra mim. Se você conhece tanto a meu respeito, deve saber que posso matá-los facilmente — mira em Manabu.
— Não tão rápido, acha que deixarei que você faça mal a eles? — entro na sua frente.
— E o que você pretende fazer, Mistkerl? Você sabe que é um imprestável. Com que força acha que irá me impedir?
— Nós dois sabemos que não tenho a menor chance de vencê-la em um combate direto, eu posso ser um completo idiota, mas não sou burro de negar um fato. Por isso resta-me então convencê-la através de palavras.
Comunicação sempre foi um dos meus pontos fracos, seja em minha língua materna ou outra qualquer, nunca consegui me explicar adequadamente. Contudo, acredito que vocês duas foram as primeiras a compreender este meu lado desajeitado.
Então, Mikoto, Ailiss, por favor, aceitem minhas confusas palavras mais uma vez.
— Ainda não percebeu que isto não funcionará? Já estava irritada com esta palhaçada, mas ao ter me furtado você perdeu qualquer possibilidade de misericórdia. Preciso descontar esta raiva em algum lugar.
— Tudo bem. Eu compreendo o seu ponto, tem razão em estar brava comigo. Ainda assim, peço que se você necessita descontar algo que seja exclusivamente em mim, bata-me o quanto for necessário e quando esfriar a cabeça poderemos voltar a conversar sobre a nossa aliança.
— Ora, ora. Dar a outra face ao inimigo? Quanta valentia tu estás propondo, planejas demonstrar o que com isto? Determinação não é a mesma coisa do que idiotice — comenta Mikoto com um sorriso irônico.
— Pense o que quiser, mas jamais faria uma idiotice dessas por um inimigo, somente por vocês. E caso também julgue necessário, pode descontar a sua raiva em mim também. Talvez uma colaboração em me espancar seja uma boa forma de vocês se aproximarem.
— Muito engraçado, porém prefiro poupar-me deste trabalho.
— Pois eu farei com prazer — Ailiss repentinamente golpeia meu rosto.
Cambaleio para trás devido ao seu forte soco, porém consigo me manter em pé. Em circunstâncias normais teria sido apagado por um golpe tão certeiro, todavia acredito que adquiri certa resistência com todas as surras que já levei dela.
Sem tempo nem mesmo para respirar, ela se aproxima novamente de mim e colide seu punho contra o meu estômago. Desta vez não consigo manter o equilíbrio e caio de joelhos no chão.
Tapo minha boca com uma das mãos e seguro o refluxo para não vomitar.
Logo em seguida, ela pega impulso e com isso chuta-me com a sua perna direita pela lateral, jogando-me de vez ao chão.
Caído, ela senta-se sobre o meu tórax imobilizando-me e prossegue me espancando.
Um soco pela esquerda.
Um soco pela direita.
A pressão dos seus punhos torna-se maior a cada golpe que recebo.
Minha consciência parece quase se perder no intervalo de um golpe ao outro. No entanto, ainda posso ouvir a conversa dos outros de fundo.
— Ele acabará morrendo se continuar apanhando neste ritmo. Mesmo ele se sujeitando a isso, ainda não consegue acreditar que o Jocchi esteja sendo sincero? — pergunta Manabu.
— Foi ele que sugeriu tal ato a ela, não tenho nada a ver com isso, cada um cuida dos seus problemas. Caso ele morra, ela morrerá juntamente a ele e estaremos livres, não vejo desfecho melhor para mim — replica Mikoto com desdém.
— Você não pode estar falando sério! — comenta Shou.
— Kaichou — suspira Miyu — Mesmo que não tenha ligação direta com isso, se você não é capaz de sentir nada ao vê-lo ser espancado desta maneira, eu realmente me arrependo de algum dia tê-la admirado.
Vê-los me apoiar faz as minhas feridas arderem mais do que os socos de Ailiss. Eu os machuquei tanto naquelas repetições, e agora são justamente eles que estão me auxiliando em salvá-las. Se ao menos eu pudesse ter escolhido este caminho desde o princípio…
— Eu não estou segurando os seus braços. Por que você não reage?— Ailiss para e pergunta.
— Continue — a encaro e respondo.
— Já me cansei disto… — olha para a suas mãos manchadas de sangue — acabarei mesmo te matando se eu não parar agora.
Minha conversa com Ailiss é sorrateiramente interrompida com um grito de Manabu.
— Ei, pare!
Viro meu rosto e vejo que Mikoto agarrou-se na metralhadora, e num descuido de Manabu, ela está quase conseguindo retirar dele.
— Solte isto já — Shou tenta ajudá-lo — Droga!
Shou recebe uma cotovelada no rosto e em dor recua alguns passos.
Em seguida, Mikoto passa uma rasteira em Manabu o fazendo tombar e então finalmente tem a metralhadora em suas mãos.
— Chega de brincadeira. Vejo que encerramos nossos assuntos por aqui — diz Mikoto mirando em nossa direção.
Ailiss levanta-se rapidamente e aponta o seu revólver para ela.
— Se livrar de uns idiotas como eles não é nenhum mérito. Por que acha que já me venceu? Posso disparar nas suas mãos e desarmá-la facilmente — replica Ailiss.
— Não nego as tuas habilidades. No entanto, agora a nossa disputa torna-se um pouco mais justa, não é mesmo? — sorri em sarcasmo.
Merda, a minha consciência está quase apagando, mas eu preciso me mover!
Em um instante antes do estrondo, reúno o restante das minhas energias para vencer a tontura e me manter em pé.
Estando Ailiss próxima a mim, bloqueio o seu disparo com meu braço esquerdo. Enquanto o projétil de Mikoto que tentava acertar a perna de Ailiss rasga a minha perna direita.
Droga!
Abafo meu grito, porém imediatamente perco o equilíbrio na perna atingida e despenco para o mesmo lado.
— Johann-kun! — Miyu grita e tenta vir a meu socorro.
— Espere, Miyucchi — Manabu a segura — É perigoso, e o Jocchi pediu para não interferirmos mais do que isso.
Boa decisão, Manabu. Vocês já me mostraram qual caminho devo seguir, me ajudaram até demais, daqui em diante eu irei resolver isto por conta própria.
— Como? Pensei que tu não pudeste mais te mover… o que tu esperavas ganhar fazendo uma insanidade dessas? — fala Mikoto.
— Não está claro? Meu único objetivo aqui é proteger vocês, ambas.
— Idiota, agora você não conseguirá mesmo se mover… o que irá impedir de eu disparar nela de novo? — pergunta Ailiss com a mira ainda levantada.
— Tem razão — sorrio amargamente — A única coisa que posso fazer é implorá-las para que abaixem suas armas. Eu não disse? Minha única arma contra vocês são as minhas palavras.
Escuto a metralhadora caindo ao chão.
— Pois bem, acatei ao teu pedido. E agora? Coloquei-me em desvantagem em relação a minha assassina, o que tu irás fazer se ela disparar em mim e encontrar alguma forma de me matar indiretamente? — Mikoto se pronuncia e cruza os braços serenamente.
Isto é um risco que eu já estava ciente desde o começo.
— Se ela fizer isso, significa que eu falhei — fecho os olhos — Não será a primeira vez que verei uma das duas morrendo, já presenciei essa cena inúmeras vezes — abro os olhos e tento me levantar — Por isso, farei de tudo para que na próxima repetição seja diferente.
Enquanto o meu sangue escorre pelos ferimentos, forço-me para ficar em pé mais uma vez. Todavia, rapidamente desabo de novo ao chão da forma mais patética possível.
— Mistkerl, veja o estado em que você se encontra, ainda insiste em falar essas baboseiras? Tsc — fala Ailiss.
Volto a me erguer, coloco toda a minha força sobre o joelho esquerdo e consigo me manter em pé.
Levanto lentamente a minha mão até a mão desarmada de Ailiss e a seguro. Ela esboça uma expressão de estranheza, porém não contraria minha atitude.
— Enquanto eu estiver consciente de minhas ações, irei lutar até a minha última gota de sangue para salvar vocês duas, eu sei que eventualmente vocês irão se esquecer destas palavras, mas ainda assim quero dizê-las — segurando a mão de Ailiss caminho mancando até Mikoto.
Também seguro a mão dela e, com uma ao lado da outra, faço-as entrelaçar os seus dedos.
Vendo-nos nesta situação tragicômica, um sorriso autodepreciativo se forma em meu rosto.
Com os olhos arregalados, ambas apenas me encaram em um tom de surpresa.
— Não importa quantas repetições se passem neste inferno sem fim, não importa o quanto eu me machuque no processo, eu nunca deixarei de amá-las.
…
A imagem delas começa a ficar embaçada e então mais uma vez tudo escurece.