Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 88
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- Capítulo 88 - Deste modo, Yukihara Mikoto e Ailiss von Feuerstein… (2/2)
6º Dia
18h41
— Como você está Jocchi? Está se sentindo melhor? — pergunta Manabu.
— Quase ótimo. Acredito que amanhã eu já consiga me deslocar razoavelmente bem.
— Por outro lado… amanhã é o seu último dia. Realmente não há outra saída? Ainda não consigo aceitar este desfecho — Miyu abaixa o olhar taciturnamente.
— Nesta realidade infelizmente não, porém logo irei me encontrar com vocês novamente. Espero que sejam legais comigo assim como foram nesta repetição.
— Claro que seremos, afinal somos seus amigos! — volta a expressar um olhar vivo.
Suspiro.
Sim… vocês são. São amigos melhores do que eu jamais fui.
Minhas lembranças daqueles terríveis atos são interrompidas por duas batidas na porta da enfermaria.
— Deu a nossa hora, devem ser aquelas duas. Honestamente, mesmo que você vá morrer, estou com bastante inveja de você, Johann. Ter duas garotas tão belas para acompanhá-lo na recuperação não é para qualquer um hahahaha — fala Shou enquanto os três dirigem-se até a porta.
Abrem a porta.
— Oh, vocês já chegaram? O deixo em seus cuidados — diz Miyu fechando a porta.
As duas aproximam-se de mim e de praxe, Ailiss faz seus comentários desamigáveis.
— Vejo que ainda está fazendo corpo mole.
— Boa noite para vocês também — respondo.
— Mistkerl, eu não sou muito boa com as palavras para ocasiões como esta. Mas você está neste estado principalmente por minha causa — pausa e desvia o olhar — então lhe peço desculpas.
Apesar da hesitação, Ailiss está pedindo desculpas? Será que eu despertei num universo alternativo?
— Não foste apenas tu, eu também carrego parcela da responsabilidade. Foi o projétil que eu disparei que atingiu a perna dele — replica Mikoto.
— Tudo bem, eu não guardo rancor de nenhuma das duas. Foi uma falha minha que ocasionou aquele incidente — sorrio — se eu tivesse manejado melhor a situação, nada daquilo teria acontecido.
— Como tu estás acordado, poderia elucidar melhor algumas questões para nós? Tu ainda deves-nos algumas explicações.
Devo? O que exatamente ficou pendente nas nossas conversas?
— Acho que já expliquei tudo o que sei sobre o jogo e estas repetições. Ficaram em dúvida a respeito de algo?
— Não me refiro a isto, mas sobre a nossa relação… Tu descreveste que ao longo das repetições passaste por complicadas situações, contudo, o que exatamente levou-te a preocupar-te tanto conosco? Em outras repetições nós não éramos tuas adversárias?
Isto está as incomodando? Primeiro Ailiss pedindo desculpas e agora isso? É estranho vê-las querendo conversar seriamente sobre algo assim.
— A verdade é que eu não sei. Como expliquei a vocês, as minhas memórias só foram mantidas em repetições recentes. Tenho acesso às vagas lembranças e emoções de situações que até então eu acreditava advir de mundos paralelos. Todavia, de onde consigo lembrar-me objetivamente, eu sempre estive encantado por vocês.
— Ora, ora. Tu és um garoto bem indeciso, não é mesmo? — ri — Em todas estas repetições, não conseguiste nem mesmo escolher uma de nós duas para salvar?
— Nunca coloquei minhas ações em dúvida, pois sempre deixei meu objetivo muito claro. Eu escolhi vocês, vocês duas.
Mikoto e Ailiss abandonam suas expressões sérias e sorriem levemente para mim.
— Neste caso, tu não és indeciso, mas ganancioso por assim dizer.
Ganancioso? Talvez eu seja, acho que não há como negar isso.
— Você precisa ser bem idiota para dizer isso para alguém que te arrebentou — comenta Ailiss.
— Se eu não fosse minimamente masoquista, jamais me apaixonaria por duas garotas que vivem pisando fisicamente em mim e nos meus sentimentos. Provavelmente eu tenho um parafuso a menos de fábrica, mas não faço questão nenhuma de me enviar para o reparo, estou bem assim.
— Em todo caso, eu acho que consigo entender esta estranheza que você descreveu. Apesar de nunca termos nos visto antes, na primeira vez que conversei com você, senti certa sensação de que já o conhecia.
Surpresa com a fala de Ailiss, a outra comenta.
— Não é muito distante da minha situação. Acredito que tenhamos trocado uma palavra ou outra no passado, todavia assim que o jogo se iniciou, passei a te ver com um novo olhar. Uma espécie de déjà vu talvez? Não sei bem ao certo como descrever.
Então elas já estão bastante cientes desta estranheza.
— É exatamente esta a sensação que venho tendo este tempo todo, antes mesmo de eu ficar preso nestas repetições. Conforme o tempo decorria durante o jogo, ela tornava-se mais confusa, porém mais evidente — respondo.
— Foi através desta sensação que tu descobriste que necessitavas impedir o nosso conflito. Então podemos atribuir a elas a conexão dos teus sentimentos a nós? É frustrante pensar que tudo esteja fundado em lembranças tão vagas. O que exatamente constitui a nossa relação? Será mesmo algo que foi perdido no tempo?
— De fato, na repetição que eu chamaria de iteração zero, eu tive acesso a estas lembranças majoritariamente através de sonhos e visões que ocorriam de modo aleatório durante o dia. Pelo que me consta eu me aliei em uma imensidão de mundos a você e nos outros a Ailiss, nos quais respectivamente me apaixonei por cada uma. Apesar de tudo continuar muito nebuloso, ainda consigo lembrar-me do sorriso marcante de cada uma de vocês — abaixo o rosto.
Ambas prosseguem ouvindo de modo atento o meu relato.
— Bem como, a dor. A imensa dor da morte. Eu sei que isto pode soar embaraçoso — coço minha cabeça — mas de todas as formas de suicídio que eu adotei, nenhuma chegou ser tão dolorosa quanto perdê-las.
— Realmente, são palavras melodramáticas dignas de um romance clichê. Mas prossiga, iremos sobreviver a esta tua confissão melosa — comenta Mikoto pressionando a testa.
— Se você insiste… — suspiro — Em todas essas repetições infernais, eu estava disposto abrir mão de tudo para salvá-las, inclusive tomar atitudes sujas e repugnantes como derramar aquele mar de sangue… dói-me admitir, mas se fosse preciso eu cometeria as mesmas atrocidades que já fiz e apodreceria novamente por vocês, o que piora ainda mais a minha situação.
— Bem, toda esta história é muito estranha. Mesmo que eu não consiga lembrar objetivamente de nada do que tu relataste, acredito que este sentimento não pode ser falso. Definitivamente em alguma instância, fora desta realidade que conhecemos, nós três tivemos algum laço afetivo muito forte.
— Vejo como se tivéssemos passado uma vida juntos… mas vamos parar por aqui, toda essa conversa melosa está me dando náuseas. Realmente não estou acostumada a ouvir este tipo de coisa. Ademais, pode deixar estas suas inseguranças de lado e não hesite em nos pedir apoio novamente — fala Ailiss.
— Sim, sempre que tu precisares de nós, estaremos lá. Recupere nossas memórias e novamente seremos tuas aliadas — Mikoto produz um sorriso maroto — Por mais que seja difícil nos convencer de abandonar nossa batalha, é inevitável não nos apaixonarmos por ti também.
Fito-as nos olhos, e sorrio internamente.
— Não posso garantir que encontraremos uma solução, ainda assim, para de colocar todo este peso sobre tuas costas — completa a outra.
Após passar por este inferno, finalmente posso ver nitidamente seus corações por baixo desta espessa camada.
Eu nunca irei desistir de salvá-las, então peço que não desistam de mim também.
7º Dia
19h30
Chegou à hora de eu partir, o prazo desta iteração está se esvaindo.
Fito os meus três amigos e minhas duas amadas mais uma vez, e volto-me para a arma em minhas mãos.
Para mim, eu logo irei encontrá-los. Estarão com suas memórias apagadas, não se lembrarão de nenhum evento desta linha temporal, mas estarão lá… não se trata de uma despedida, mas de um recomeço.
Uma nova chance, onde pretendo construir um relacionamento melhor com eles do que o anterior.
Porém, uma dúvida não deixa de me atormentar… será que esta realidade se reinicia apenas na minha perspectiva? Ou a vida deles prosseguirá a partir daqui e serão libertos deste jogo?
Assim sendo, seria uma despedida na perspectiva deles. Não me considero tão importante para que tenha tanto peso emotivo, contudo suas expressões me dizem o contrário.
Shou, Manabu e Miyu não deveriam se sentir tão tristes, afinal eles não me conhecem tão bem quanto acreditam conhecer. Nesta breve iteração não tiveram acesso ao meu lado mais podre e doentio que se esconde nas minhas sombras e pegadas deste passado eterno.
— Realmente não há outra forma, Johann-kun? — diz Miyu.
— É assim que deve ser. Não encare isto como meu fim, é um recomeço na minha batalha. Apesar de vocês não conseguirem se lembrar deste momento, em breve estaremos cooperando mais uma vez para escapar daqui.
— Ainda que você diga isso, é difícil de assimilar… acho que eu não tenho coragem de olhar. Mesmo sabendo de antemão, isto é muito injusto — fala chorosa.
— Não faço questão que observe, vá descansar. Pois, logo outra versão sua estará questionando-me sobre meu bem estar na sala de aula.
— Vamos então, Miyucchi? — Manabu a puxa pela mão e se despede de mim — Boa sorte nas próximas tentativas, lembre-se de que não importa quantos finais ruins você se depare, se salvar adequadamente o jogo ainda poderá encontrar uma rota com seu final ideal!
É… talvez um comparativo com esses seus jogos seja uma forma cômica de ver a situação.
— É isso aí! Reconquistar estas duas garotas lindas e problemáticas não é uma tarefa fácil. Então, não se esqueça dos conselhos de seu mestre no amor! — diz Shou afastando-se.
— Obrigado pelos conselhos, e até logo.
Com os três se afastando, as duas garotas são as únicas que fazem questão de presenciar a minha partida.
— Não acha contra produtivo ter de iniciar do zero toda vez? — indaga Ailiss.
— Sim, tudo seria muito mais fácil se eu pudesse manter as memórias de vocês duas. Entretanto, com a experiência que tive nesta repetição, estou certo de que conseguirei encontrar as palavras e o tom correto para convencê-las a cooperar comigo mais rapidamente.
— Não posso garantir que a minha nova versão não será problemática para ti, contudo conhecendo a mim mesma, penso que posso auxiliar-te em buscar uma resposta — Mikoto olha rapidamente para Ailiss — Na verdade, nós duas iremos.
— Eu tentei fazer tudo por conta própria por muito tempo, tentei deixá-las alheias dos meus problemas, pois acreditava que era o caminho que menos acarretaria no sofrimento de vocês. Percebi da pior maneira que isto não me levará a resposta alguma. Então estarei contando com vocês mais do que nunca. Talvez a minha próxima tentativa também dê errado, ando bastante pessimista em relação a isso tudo, porém irei acumular experiência e com o seu apoio acredito que teremos algum avanço — sorrio.
— Um discurso bem idealista, não é, Mistkerl? Mas isto definitivamente corresponde a tua personalidade — replica Ailiss.
— Em um mundo onde tudo se perde e volta ao zero com tanta liquidez, não há outra coisa a me agarrar se não a conceitos imutáveis como o meu idealismo e ao meu amor por vocês. Ou novamente me verei perdido em insanidade… não quero que isto volte a acontecer.
— Aí tu te enganas veementemente — Mikoto dá um peteleco na minha testa — Os teus sentimentos não são as únicas coisas imutáveis, os nossos também são. Este mundo pode apagar as nossas memórias quantas vezes forem necessárias, porém o vínculo que tu tens a mim e a Ailiss está marcado em nossas almas. Mesmo que tu tentes quebrá-los, como nos descreveste que fizeste em muitas das linhas temporais, isto jamais se concretizaria. A amnésia pode até selar e ocultar nossas emoções, mas jamais apagá-las — pausa e suspira — Isto porque independente das escolhas e métodos que tu tomes, nós também não deixaremos de te amar.
M-Mikoto? Você realmente me pegou de surpresa.
— Eu não sou tão boa quanto ela em expor como eu me sinto, mas pode adotar as palavras da Mikoto a mim também. Ademais, pode contar com o meu apoio em todas as repetições e mundos que passar, pois eu nunca abandonarei meu fiel subordinado — completa Ailiss entregando sua arma.
Arregalo meus olhos e as encaro por alguns segundos em silêncio. Em seguida fecho-os e abaixo a cabeça coberto de emoções.
Vocês… não poderia sentir-me mais contente do que ter vocês duas para me apoiar. Nossa relação em todos estes mundos e linhas temporais a um primeiro olhar pode parecer algo frio, contudo ela é forte o suficiente para suportar e se manter intacta diante deste inferno.
Dou uma leve risada e pergunto.
— Não foram vocês que falaram que deveríamos parar de falar coisas tão bregas e melosas?
— De fato, mas este teu hábito parece ser contagioso, então vamos abrir uma exceção — ironiza Mikoto piscando um olho.
Esta iteração realmente foi muito revigorante para mim.
— Mesmo que esta experiência e a nossa futura cooperação não obtenham os resultados que eu espero, fico feliz de pelo menos uma vez poder ter sido sincero com vocês duas. Ao menos uma vez pude expor minhas emoções de forma verdadeira, sem manipulações. Pude dizer de maneira franca quanto eu as amo, quanto amo cada uma de vocês.
Fito a arma de Ailiss em minhas mãos.
Sim, se estas repetições se encerrassem nesta iteração, penso que poderia partir de forma mais tranquila. Sem ter de arcar com uma pilha de corpos em minhas costas. Teria sido possível salvar minhas amadas de tal forma que me manteria em paz comigo mesmo.
O arrependimento em si jamais cessaria, pois ainda gostaria de passar mais um tempo ao seu lado, por menor que este fosse. Ainda assim seria um desfecho melhor.
Levanto a arma até a minha cabeça, encaro os seus rostos por mais um instante e com isso reforço as minhas convicções.
Mikoto, Ailiss. Esta conversa com vocês não me trouxe nenhuma pista de como encerrar o jogo, mas o cenário mudou completamente. Não sou mais eu lutando sozinho em pleno vazio, no fundo eu carrego o sentimento de vocês duas. Vocês são as colunas que irão me sustentar nesta batalha, agora e para sempre.
Puxo a gatilho.