Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 89
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- Capítulo 89 - Mesmo assim, a liberdade não reside aqui. (1/3)
1º Dia
10h27
Como eu já imaginava, não houve resultados.
Porém, agora um pouco mais resolvido com elas e comigo mesmo, posso esfriar a cabeça e voltar a operar sem me desgastar tanto. Sendo assim, posso pedir o auxílio delas de forma direta para encerrar estas repetições.
Certamente as duas se esquecerão de tudo na próxima iteração, mas se eu puder convencê-las a cooperar nesta, posso repetir o procedimento com mais facilidade nas próximas vezes e assim por diante.
Antes mesmo de Miyu aparecer, deixo a sala de aula e saio correndo pelo bloco em busca de uma das duas. Meu tempo antes do anúncio do jogo é limitado, quanto antes eu resolver isso, menos explicações terei que dar a respeito do jogo.
Como Mikoto parece uma opção mais fácil de encontrar, vou até a sala do conselho estudantil.
Conversar com uma de cada vez é a melhor decisão, visto que das vezes que tentei aproximá-las diretamente tive muita dificuldade sem uma conversa particular prévia.
…
Conto todo o meu relato a Mikoto. Com certeza não é uma tarefa fácil, ela indaga cada ponto que eu digo na busca de alguma inconsistência, no entanto consigo dar respostas satisfatórias a cada dúvida dela.
— Compreendo… Francamente, não sei nem menos como qualificar uma história tão absurda quanto a que tu acabaste de me contar — suspira — Entretanto, não posso negar que tu sabes de detalhes muito pontuais a meu respeito. Eu realmente te contei isso? Não é algo que eu esperaria de uma versão futura minha.
É natural que ela ainda precisará de algum tempo para digerir toda esta informação.
— Bem, como eu acabei de explicar. Cooperamos numa boa parte das iterações, então você me passou detalhes sobre a conjuração deste ritual e eventualmente algumas informações de cunho pessoal — respondo.
— Pois bem, vou assumir isto como sendo verídico. Não consigo sequer imaginar um adversário tendo uma abordagem desta forma comigo, então acredito que tu não sejas uma presença hostil. Além do mais, tuas expressões não me transparecem nenhum indício de mentira — pausa e toca em seu queixo — mas esta tal de Ailiss… tens certeza de que ela não tentará me matar novamente?
— Não se preocupe com isso, eu já consegui fazê-las aliadas diversas vezes, e de certa forma vejo que se tornaram até boas amigas. Não há o porquê desta vez ser diferente.
Apesar dos meus métodos não terem sido lá as melhores escolhas do mundo… eu admito.
— Tornar-me amiga de quem tentou me assassinar? Para ser sincera, não é algo muito crível. Ademais, é um pouco complicado não ficar desconfiada dela dado o nosso histórico não muito agradável. Porém se tu estás dizendo… dar-te-ei um voto de confiança — suspira.
— Certo, irei atrás dela agora mesmo. Não tenho muito tempo sobrando e preciso situá-la antes do estranho anúncio do jogo. Irei entrar em contato com você mais tarde.
…
Então parto para o esconderijo de Ailiss e repito o procedimento. Esta é uma tarefa ainda mais complicada do que com Mikoto, visto que a qualquer deslize eu posso receber um projétil em meus membros do corpo.
— Acabou? — pausa — Isto tudo foi uma piada? Pois não teve graça nenhuma — responde mal humorada.
— Não, é a mais pura verdade. Isto tudo aconteceu e eu estou preso neste looping temporal há tanto tempo que já perdi as contas de quantas iterações se passaram.
— Ok… Mistkerl, hein? Acho que é um apelido bem plausível para tê-lo dado. Mas o que me incomoda nisso tudo é ter de abandonar a minha presa. Ela é uma feiticeira e o meu trabalho é eliminá-la, só vim até o Japão por isso. Quer que eu acredite que deva abandonar a minha missão tão facilmente?
Uma resposta previsível, ela ainda está obcecada com a vingança de eliminar todos os usuários de magia negra do mundo.
— Mesmo que você faça isso, tudo se reiniciará. Em algumas repetições na qual me tornei passivo, ou quem sabe em todas elas, você concluiu seu trabalho. Mas isso não adiantou de nada, pois sempre voltará para a estaca zero. Não sei ao certo como quebrar esta maldição, mas o decorrer natural das coisas já se demonstrou falho por milhares de vezes.
— Tudo bem, eu não comprei totalmente sua ideia, contudo iremos fazer uma trégua. Irei cooperar com vocês dois para entender melhor do que se trata este estranho looping. Ainda é difícil de crer nessa bizarrice, mas não posso negar que você esteja informado sobre detalhes da minha vida pessoal e profissional.
Oh, isto já é um começo. De fato, escolhendo as palavras certas é possível encaminhar isto corretamente, sem manipulações e de forma íntegra.
— Aliados, então?
— Sim, mas nos exatos mesmos termos que você descreveu sobre a nossa aliança nas demais iterações — ri — Realmente, aquelas regras só podem ter sido elaboradas por mim.
…
Desta forma, o primeiro dia passa de modo padrão, o anúncio do jogo é realizado e à noite nós três nos encontramos na sala do conselho estudantil para discutirmos em mais detalhes sobre toda essa bizarrice que vem acontecendo.
— Os outros membros, em especial o Takashi, não estranharão você estar ocupada com a gente numa situação tão delicada? — pergunto me sentando numa das cadeiras.
— Não te preocupes com eles, eu inventei uma história e passei bastantes tarefas para cumprirem. Os conhecendo sei que não virão aqui tão cedo, eles não gostariam de ver a minha insatisfação com atividades feitas pela metade, e mesmo que venham, dado o QI médio do corpo discente, ainda posso driblá-los com certa facilidade.
Ter alguém como Mikoto como superiora definitivamente não é uma tarefa fácil. Gostaria de entender como Keiko, Haruki e os outros membros suportam serem pisados de forma tão descarada por ela. A minha situação é ainda pior, mas é bem justificada.
— Pois bem, alguma de vocês teve alguma ideia do que fazer a respeito deste looping temporal? — pergunto — Toda a informação que eu tenho a respeito do jogo veio de conversas que tive com vocês duas, então acredito que tenham mais gabarito do que eu em propor qualquer coisa.
Ainda há as informações que recebi daqueles dois demônios em forma de crianças, mas tendo em mente que me mentiram uma vez, não posso considerá-los uma fonte muito confiável para tomarmos alguma decisão.
— Pelo que você nos descreveu, você já tentou de tudo. Inclusive tentar confrontar a Morte, correto? Acho que seja uma verdade um pouco dolorosa de se encarar, mas é bem possível que não exista solução — comenta Ailiss apoiando o rosto sobre uma das mãos.
Aparentemente eu não sou o único infectado pelo pessimismo. No entanto, este ponto já passou pela minha mente diversas vezes. Nada garante que exista alguma solução para um problema.
Um problema é algo humano. Na natureza diversos fenômenos inconvenientes ocorrem o tempo todo, muitas coisas poderiam ser mais fáceis. Mas isto são meramente balanços colocando-nos, nós humanos, no centro de tudo.
Este looping temporal é um problema porque eu vejo como um, todavia pode ser um simples fato, algo que não há como e nem deve ser solucionado.
“Seria este mesmo o fim?”
“Qual o sentido de colocarem-me em um jogo impossível de vencer?”
São perguntas que talvez nem faça sentido eu fazer.
Vendo minha cara de insatisfação, Mikoto decide se pronunciar.
— Hoje à tarde, eu cheguei a formular algumas hipóteses baseada no modo no qual estamos sendo forçados a não sair desta escola. É apenas uma suposição e para ser sincera não acredito que possamos enganá-la desta forma. Mas e se tu tentasses fugir enquanto ela está ocupada com outra coisa?
Nós três sabemos que não ocorre um desaparecimento instantâneo como os demais alunos enxergaram. Na verdade é uma entidade que nos ceifa assim que saímos da escola. Porém, isso acontece apenas para um observador externo…
— Acha que isso possa ajudar em algo? Em todas as minhas tentativas de fuga ela se materializou na minha frente e congelou o tempo, nem tive condições de encostar o pé no chão. Na prática, o tempo se contraiu para mim no instante em que cruzei o portão da escola — replico.
— Primeiramente, precisamos saber se o que faz o tempo congelar é meramente sair da escola ou se é a presença da Morte. Confesso que nunca realizei um experimento assim das outras vezes, e de qualquer forma este é um caso anômalo — comenta Ailiss.
— Como disse é apenas uma suposição infundada. Apenas penso em qual seria a necessidade de uma vigilância em torno do perímetro da escola caso fosse de fato impossível de fugir. Em teoria nenhuma, não é? Justamente por ela estar vigiando os arredores da escola que a minha intuição aponta que exista uma pequena possibilidade de escapar — complementa Mikoto.
De fato, talvez seja possível. Mas como ganharemos tempo para tentar a fuga? Iremos ocupá-la com o quê? Não acredito que disparos sejam eficazes contra ela, e muito menos obstáculos visto que ela adentrou o porão com facilidade para nos ceifar.
— Se eu estou presa num looping temporal, acho que não tenho nada a perder. Eu tentarei escapar pelo portão da frente, enquanto isso vocês dois tentam fugir por outra extremidade da escola, assim teremos o tempo de deslocamento dela ao nosso favor — sugere Ailiss.
A ideia em si parece-me bastante consistente. Mas as implicações disso vão ao contrário do meu ideal de protegê-las. Após confiná-las, prometi que não as faria passar por aquela dor novamente.
Porém, o plano fracassar não é nem de longe o pior cenário.
— Espere, se isto funcionar… eu não quero que você morra! O meu objetivo para começo de conversa sempre foi salvar vocês duas! Não é um risco que pretendo correr! Se nós iremos usar esta abordagem, então eu serei a isca! — respondo.
— Tsc — estala a língua em irritação — Deixe as emoções de lado e volte a pensar com a cabeça, apenas você resguarda as memórias da iteração anterior. Então se você for a isca não conseguiremos descobrir se houve ou não progresso, é um risco que precisamos correr. E diria que eu sou a melhor para o trabalho.
Ela está certa, mas mesmo assim… dói-me demais em vê-las se ferindo por minha causa, ainda mais pelo fato de serem ceifadas, essa é de longe a morte mais lenta de todas.
Sem argumentos, somente retorço o meu rosto.
— Johann, ela está certa, isto é um trabalho que somente tu podes fazer. E neste caso, eu serei a segunda isca, assim a Morte em tese perderá ainda mais tempo antes de ir atrás de ti — comenta Mikoto.
Você também? É difícil para eu aceitar, porém preciso passar por cima destas emoções. Este experimento é a única forma de conseguir mais informações, informações necessárias para salvá-las definitivamente.
— Tudo bem… Queria evitar colocá-las em risco mais uma vez, mas é a única ideia que temos no final de contas — replico em desgosto cerrando meus punhos.
Que sensação amarga é esta? Ah, sim… impotência… é uma sensação horrível.
…
Aguardamos por um horário pouco movimentado na escola para que a presença de Mikoto não chame muita atenção, e então nos dirigimos para o portão de entrada da escola. Ao chegar lá, nos deparamos com a Morte já materializada logo adiante do portão.
— Vede, ela está a nos esperar. Talvez já esteja ciente do que pretendemos fazer — comenta Mikoto.
— Faremos o seguinte: vocês dois pularão o muro por outro canto da escola. Irei aguardar alguns minutos e quando eu for confrontá-la dispararei com minha metralhadora — diz Ailiss.
Espere, o que ela pretende ganhar com isso?
— Isso provavelmente não terá nenhum efeito, afinal é um dano físico — replico.
— O plano dela não é inferir algum dano, mas nos dar um sinal. Através do som do disparo, nós poderemos guiar o nosso timing. Aguardarei dois segundos e tu aguardarás mais dois segundos, desta forma a Morte dará preferência a mim e então será obrigada a contornar boa parte do perímetro da escola até chegar a ti.
Oh, é de fato uma boa ideia.
— Entendo.
Mikoto e eu caminhamos até o final do pátio da escola para subirmos o muro, como este é contínuo, nós podemos ir até o nossos postos partindo do mesmo local.
— É um pouco alto, e não estou vendo nenhum lugar para prendermos a corda. Como pretende subir? — pergunto.
— Só preciso de um apoio, tu podes fazer um com as mãos e então eu solto a corda para que tu subas.
Ela não pode estar falando sério que irá alcançar isto. Facilmente deve ter mais de quatro metros de altura.
— Mesmo assim… acha que consegue?
— Não te preocupes com isto, já pratiquei ginástica olímpica no fundamental.
O que esta garota não praticou? Por outro lado, eu sempre evitei qualquer atividade extracurricular, queria ter ao menos a metade da proatividade dela.
Com meu apoio, Mikoto salta e alcança o topo do muro com a ponta de seus dedos. Então consegue se erguer com proeza e em seguida joga a corda para que eu suba.
Em cima do muro, defaso-me mais ou menos em cento e vinte graus em relação ao portão da escola, e Mikoto faz o mesmo no outro sentido. Assim que Ailiss dá o sinal com um disparo de metralhadora, Mikoto aguarda dois segundos para tentar fugir e eu quatro.
Pulo o muro da escola e toco meus pés na calçada.
A morte não apareceu? Entendo, então a suposição de Mikoto parece válida.
Começo a correr desesperadamente em direção ao próximo quarteirão.
Pouco tempo.
Apesar de o princípio ser funcional, isto não nos rendeu tempo suficiente. Consigo percorrer algo em torno de cinco metros até tudo congelar e em seguida ser ceifado.
1º Dia
10h27
Falhamos…
Contudo, devido a este experimento pudemos confirmar que a nossa morte ao sair da escola não é instantânea. Eu consegui percorrer uma distância mensurável até ela me alcançar.