Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 90
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- Capítulo 90 - Mesmo assim, a liberdade não reside aqui. (2/3)
Depois de tanto tempo preso neste mundo, tanto tempo atirando a cegas e sem nenhum resultado. Mal posso acreditar que consegui ver um pouco de luz em meio a tanta escuridão. Seria este um feixe de esperança?
Vivenciei este inferno tantas e tantas vezes. E por mais que seja mínimo, finalmente consegui algum progresso.
Ainda preciso entender melhor o que fazer com esta informação, de que maneira podemos ampliar a distância que eu posso percorrer lá fora. Há bastantes coisas que precisamos desenvolver, mas não posso deixar de ficar animado com um primeiro passo.
Animado soco uma das mesas da sala de aula.
— Aconteceu alguma coisa, Johann-kun? — pergunta Miyu.
— Sim, muito obrigado pelo conselho que você me deu, por causa dele eu não desisti — sorrio — Acredito que com isso finalmente a minha vida continuará a andar, por isso muito obrigado! — a reverencio.
— Não foi nada… — pausa — Espere, que conselho eu lhe dei?! O que aconteceu? Você está tão diferente, é você mesmo?
Preciso agradecê-la mais apropriadamente, mas deixarei isso para depois de solucionar esta maldição. Encontrá-las e estabelecer nosso próximo passo é a minha prioridade.
— Você não irá se lembrar, outra hora eu lhe explico em mais detalhes o que aconteceu. Agora eu preciso ir, tenho que dar continuidade a aquele conselho.
Na hora de sair da sala de aula quase me esbarro com Manabu e Shou.
— Ei, Johann. Olha por onde anda — diz Shou.
— Foi mal, conversamos depois! — saio correndo.
— Jocchi, temos aula agora! Aonde está indo?!
…
Refaço os procedimentos da última iteração, assim mais uma vez ganho a confiança de Ailiss e Mikoto, por fim conto os resultados do nosso último experimento.
— Entendo… tu conseguiste andar cinco metros para fora da escola. Para ser sincera, acredito que eu esperava um resultado um pouco melhor tendo em vista que a nossa escola é grande, portanto o perímetro também é. De qualquer forma, precisamos muito mais do que isto para quebrar este ciclo vicioso — comenta Mikoto.
— Pelo que tudo indica, ela se teletransporta até a vítima mais próxima, então o tamanho na escola não importa muito. Se ele usar o ônibus escolar pode conseguir percorrer uma distância um pouco maior. Entretanto, há uma forma mais eficaz de aumentarmos o tempo até o Mistkerl ser alcançado pela Morte.
Acredito que Ailiss teve a mesma ideia do que eu. É uma medida um tanto quanto condenável, mas acho que não temos outra escolha.
— Aumentando o número de iscas — completo.
Mikoto assente com a cabeça e comenta.
— Parece válido. Se pensarmos num modelo linear, Ailiss e eu fomos capazes de segurá-la por tempo suficiente para que tu te deslocaste por cinco metros, logo quatrocentos alunos já seriam o suficiente para tu percorreres um quilômetro.
Isto se eu conseguir correr a velocidade total por esta distância… não superestimem o meu preparo físico.
Ela continua.
— Todavia, para convencê-los a cooperar conosco não podemos contá-los a verdade sobre a Morte. Acredito que já será difícil para eles atravessarem o portão apenas achando que irão desaparecer… ainda mais se souberem o que está nos esperando lá fora.
Teremos de usá-los. Depois de tudo o que fiz, não irei me prender moralmente em relação a isso. Alguns testes não são nada comparados aos eternos massacres que mancharam o piso desta escola.
A única integridade que manterei será com elas. As únicas que não tentarei manipular serão elas.
Porém, me incomodo de mal ter tido tempo de me desculpar com Manabu, Shou e Miyu, e já estar os enganando mais uma vez.
— Mikoto, você acha que com sua influência eles possam colaborar conosco?
— Tanaka-kun e alguns outros membros do conselho podem se oferecer a nos ajudar com isto. Mas por mais que o restante da escola nutra certa admiração pela minha pessoa, estamos falando de correr em direção a Morte, ou desaparecer do ponto de vista deles. Não acho que todos confiarão plenamente em minhas palavras, no fundo uma semente de desconfiança irá desabrochar.
— Então não há jeito mesmo? Não há nada que possamos fazer? E pensar que finalmente havíamos encontrado alguma esperança — comento desanimado.
— Por que está se lamentando? Não é óbvio o que precisa fazer? Se você conseguiu persuadir até a mim e a Mikoto, basta fazer o mesmo — comenta Ailiss.
— Do que você está falando?
— Entendo. Realmente não é uma má ideia. Johann, tu és o único capaz de retrair suas memórias, por isso esta tarefa só pode ser executada por ti. Tu deverás descobrir uma forma de convencer cada um dos estudantes a cooperar conosco, e com isso acredito que tu poderás percorrer um trajeto muito maior, o suficiente para quebrar a barreira criada pelo jogo — comenta Mikoto.
— Claramente o caso de vocês é diferente, só pude convencê-las a cooperar comigo por serem jogadoras e algumas lembranças ficarem retidas como déjà vu. Talvez eu possa convencer meus três amigos a nos ajudar, contudo, como irei persuadir os outros sendo que sou um completo antissocial e nunca troquei uma palavra sequer com a maioria dos estudantes desta escola? Isto é praticamente impossível…
— Você tem todo o tempo do mundo para resolver isso — retruca Ailiss.
— Mesmo assim, eu não acho que eu vá conseguir… não, definitivamente não vou. Mesmo tendo um milhão de anos disponível, acredito que acabarei enlouquecendo antes disso.
— Já te esqueceste? Tu enlouqueceste uma vez, portanto esta não será a primeira e provavelmente também não será a última. Pense nisto como uma forma de redenção. Pelo que tu me descreveste, tu acabaste matando cada um deles para tentar nos salvar. A tua punição será te tornar amigo de cada um deles por pelo menos uma iteração, conviver com as tuas vítimas e contá-los a verdade. Assim tu descobrirás palavras chaves e informações pessoais para ganhar a confiança deles e então conseguir persuadi-los a nos ajudar com este plano.
Redenção… encarar todas as minhas vítimas… esta é uma forma bem cruel de pagar pelos meus pecados. Mas acho que no fundo eu sempre soube que teria de acertar as contas com cada um deles.
Por mais enlouquecedor que isto seja, para salvar as duas é uma tarefa que estou disposto a cumprir.
…
Assim prossigo, repetição atrás de repetição me aproximando de cada um desta escola. Mikoto com sua popularidade me fornece certa assistência em cada tentativa, mesmo assim é uma tarefa árdua e demorada.
Yuka, Kana, Ren, Yuki, Yuri, Asahi, Saki, Yui, Haruka, Shiori, Kazu, Natsuki, Hiroki, Shun, Ken, Naoki, Keiko, Rina, Ayumi, Takuya, Kazuki, Haruki, Shota, Keita, Natsumi, Mayu, Masa, Chihiro, Taka, Miho, Kouki, Minami, Hiro, Takashi, Ayaka, Shinji, Kaori, Takumi, Yuma, Aya, Sayaka, Daiki, Kanako, Naoya, Kazuya, Mai, Erika, Tatsuya, Miki, Kaito, Nana, Yuuta, Risa, Mio, Ayano, Yu, Daisuke, Yuuto, Mina, Mari, Aki, Rin, Yusuke, Yumi, Shuto, Moe, Ryo, Ai, Issei, Masaki, Airi, Hikaru, Saya, Ryota, Nao, Yuna, Shiho, Aika, Mao, Taichi, Hayato, Sakura, Kenta, Haruna, Kazuma, Atsushi, Naoto, Misa, Tohru, Aoi, Mami, Kei, Misaki, Takahiro, Hana, Kyohei, Tomoya, Daichi, Narumi, Rika, Asumi, Wataru, Satomi, Ryosuke, Asuka, Makoto, Mizuki, Toshi, Moeka…
Centenas de nomes. Centenas de famílias, vidas, histórias, hobbies e sonhos. Gravei cada uma delas. Aqueles que uma vez a meus olhos não eram nada, aqueles que não possuíam nome ou personalidade, aqueles que eu matei milhares de vezes… Agora eu conheço todos eles.
Então em uma última iteração, utilizo quase todo o tempo fornecido pelo jogo e consigo convencer cada um deles a respeito do looping que está acontecendo.
…
— Está certo de que nenhum deles irá dar para trás na última hora? — pergunta Ailiss.
— Em cada iteração eu simulei uma tentativa individual, todos que estão aqui passaram pela mesma conversa que tivemos quando eles cumpriram a tarefa. É claro que com tanta gente envolvida, a probabilidade de alguém desistir não é nula, mas acredito que vale a tentativa — respondo.
— Pois bem, ide a posicionar as cordas para que todos possam subir os muros da escola, enquanto isso, eu posso organizar uma última assembleia para repassar a eles as instruções para prepará-los um pouco mais — comenta Mikoto.
Ao nos afastarmos de Mikoto, deparo-me com Manabu, Miyu e Shou.
— Ei, Jocchi! Está tudo pronto?!
— Quase, mas obrigado pela ajuda — sorrio.
— Confesso que ainda acho tudo isso uma grande maluquice, mas darei o meu melhor, talvez até consiga impressionar umas garotas com a minha coragem — diz Shou coçando a cabeça.
— Eh… Como somente há garotas 3D, não me sinto tão motivado — fala o outro.
— Já chega desses papos, garotos. Foquem-se em apoiar o Johann-kun para escaparmos daqui — Miyu intervém.
Eles continuam papeando de forma espalhafatosa entre si, sem me darem a chance de comentar nada.
Se eu tivesse confiado neles mais cedo, talvez não tivesse que ter passado por tudo isso.
— O que aconteceu? Por que está sorrindo? — Ela desvia a atenção para mim.
— Por nada, somente estou contente de ter o apoio de vocês.
— Do que está falando? Você sempre pode contar conosco. Não lembra de todos os simuladores de encontro que eu te emprestei? — fala Manabu em risadas.
— Sim, é verdade.
…
Enquanto Ailiss e eu terminamos de arrumar os preparativos para a nossa ofensiva, posso escutar Mikoto proclamando o seu provável último discurso.
— Este jogo não só tentou instigar a desconfiança e com isso colocar-nos uns contra os outros, como roubou o nosso futuro. Do ponto de vista alheio, esta pode parecer a primeira vez que vivenciais isto, mas como bem o Johann conversou com cada um de vós, estamos presos neste mundo há um tempo tão grande que fica difícil mensurar. É por isso que reforço o pedido dele para que nos ajudai nesta batalha. A participação de cada um é essencial para nos libertarmos.
Chego ao saguão próximo do fim da assembleia, então reparo em certa hesitação nos olhos de alguns.
— Kaichou, mas ao desaparecermos, nós não iremos morrer também? Isto não deixa de ser um pouco medonho… — comenta uma garota.
Uma pergunta certeira, isto é algo que não há como negarmos. O que fará, Mikoto?
— Não há como saber… no entanto, o que tu preferes? Apostar na nossa única possibilidade de fuga ou ficar presa neste mundo de ilusões para sempre? Do meu ponto de vista, ficar neste mundo sem futuro é o mesmo que estar morto.
Sua aura de liderança é realmente inabalável…
As palavras de Mikoto motivam mais ainda o restante da escola, centenas de gritos manifestam palavras de apoio. A determinação toma conta do olhar de cada um deles.
Assim, todos nós contornamos os muros da escola, e ao sinal do disparo de Ailiss corremos rumo à liberdade.
Salto o muro e rapidamente acelero meus passos a toda velocidade.
Talvez esta fosse a resposta que sempre esteve debaixo do meu nariz: trabalho em equipe. Se todo mundo trabalhasse em conjunto poderíamos escapar daqui.
O jogo fez de tudo para criar desconfiança entre nós, colocar-nos uns contra os outros para conseguir a própria sobrevivência ou de nossos amados. Isto sempre foi a intenção deles, mas agora conseguimos vencer este empecilho. Nós iremos quebrar este ciclo vicioso e sairemos todos juntos daqui.
Um quarteirão.
Desta vez eu decidi confiar nos outros, e aprendi que posso depender de meus amigos. Manabu, Shou e Miyu sempre estiveram lá para me apoiar, mesmo assim os ignorei e quis resolver tudo por conta própria.
Acreditei que eu deveria ser o único para salvar as minhas amadas, acreditei que precisava ser o bode expiatório. Mas ao compartilhar as nossas emoções, mesmo que negativas, tudo se torna mais leve.
Dois quarteirões.
Confiança, honestidade, sinceridade… agora eu compreendo do que a amizade se trata. E agora eu sei que em momentos ruins basta eu confiar nos meus amigos, pois juntos com certeza encontraremos uma solução.
Percebo a presença de cada um deles sumindo gradativamente. Todavia, seus sacrifícios não serão em vão.
Três quarteirões.
A liberdade está logo à nossa frente. Coloco toda a minha força em minhas pernas e nesta chama de esperança que se acendeu em meu peito. Passo após passo, por mais ofegante que eu esteja, corro sem parar.
Quatro quarteirões.
Enfim, como se toda a nossa determinação, amizade e sentimentos coletivos não fossem nada, a realidade podre retoma seu trono. E esta falsa euforia converte-se novamente em desespero enquanto tenho a minha cabeça decapitada.