Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 95
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- Capítulo 95 - E então, este sonho acabou… (1/2)
3º Dia
14h48
Os dias e semanas passam cada vez mais rápido em meio a esta calmaria. Contudo, não consigo emergir nesta mesma tranquilidade. Tanto por meus maus presságios quanto pela sensação de desconforto.
Tudo isso parece um sonho, e um sonho nada mais é do que o falso, o engano.
Caminho no corredor quando escuto Ailiss me chamando.
— Ei, Mistkerl. Você deve comparecer na reunião marcada pelo conselho estudantil.
— Que reunião é esta?
— Na verdade, está mais para um comitê sobre alguma chatice. Comprometi-me com a Mikoto que a ajudaria nas questões do conselho estudantil, mas já estou me arrependendo — escora-se na parede do corredor e cruza os braços — E como não estou a fim de escutar besteiras, decidi que você irá no meu lugar.
Decidiu tudo isso sem nem me consultar? Bastante sensato da sua parte. Não poderia esperar menos vindo dela.
— Tudo bem — suspiro — Porém qual será a pauta do comitê?
— Não prestei atenção, mas deve ser algum assunto inútil.
Desta forma você realmente não me ajuda. Se for pedir um favor pelo menos me informe adequadamente do que se trata.
— Ok… ainda posso perguntar para Mikoto ou para o Haruki sobre isso.
— Não penso que terá tempo, o comitê deve ocorrer daqui alguns minutos.
— É?! Em qual bloco e sala está marcado?
Se eu não a conhecesse certamente assumiria que ela está somente tirando com a minha cara, mas é bem típico dela ter tanto desdém.
— Também não me lembro, boa sorte em descobrir — me dá as costas.
Isto poderia ser classificado como abuso? Certamente sim… entretanto não vejo sequer condições de eu protestar sobre.
…
Encontro a sala de aula, e basicamente trata-se de uma proposta levantada por Keiko sobre a sanidade mental dos nossos colegas.
— Kaichou, eu peço que considere destinar partes dos esforços do conselho estudantil na realização de eventos escolares, assim como estava previsto no nosso calendário acadêmico. Sei que a nossa prioridade é buscar um mecanismo de fuga, mas precisamos manter o corpo estudantil sob boas condições mentais — argumenta Keiko.
Em seguida, Haruki complementa.
— Nossas condições neste jogo são sim muito sérias, contudo está controlada. Então não vejo o porquê de não ceder um espaço para este tipo de lazer.
Mikoto então se pronuncia.
— Mais alguém de vós gostaríeis de tecer algum comentário ou modificação da proposta apresentada? — observa o comitê em silêncio — Pois bem, não vejo nenhum problema nisso. O que vós achais da proposta de parte do conselho, ou até mesmo a maioria, poder se focar em organizar este evento, enquanto uma minoria juntamente a mim continua trabalhando nas investigações?
— A favor — diz Miyu que está no comitê.
— A favor — diz outro estudante.
A mesa prossegue demonstrando-se favorável ao consenso estabelecido por Mikoto.
— Abstenção — chega na minha vez.
Todos me encaram com um rosto de desentendimento.
Claramente vejo que a pressão popular irá me sugar para dentro destes eventos que não desejo participar. Agora, mais do que nunca… Mas um voto contrário poderia ser repulsivo demais perante eles.
— Com somente uma abstenção e cem por cento dos votos válidos favoráveis à medida, dou-vos a liberdade de prosseguir com a organização do evento — proclama Mikoto.
…
— Não acham legal?! Teremos competições esportivas, teremos feiras de cursos, tantos eventos ao mesmo tempo! É tanta coisa que nem sei em que atividade devo me empenhar! — comenta Miyu animada.
— De praxe, vou participar das atividades do clube de mangás e passar longe dos esportes — responde Manabu — O que fará, Shoucchi?
— Não é óbvio? Natação! Mal posso esperar pelas garotas em trajes de banho — fala com um sorriso no rosto.
— Nojento… — murmura Miyu — Além do mais, acho que este evento não vai ocorrer com o tempo de inverno.
— Droga, é verdade! E agora?! Preciso verificar com as minhas fontes qual o evento mais favorável para mim…
— Provavelmente terá alguma atividade de maid café. Por mais que sejam garotas 3D, causa a leve impressão de que têm alma 2D enquanto atuam. Podemos passar lá, o que acha? — sugere Manabu.
— Olha só! Encontramos um ponto em comum! — Shou ri — Vem conosco, Johann?
— Não, obrigado… vou continuar trabalhando com o conselho estudantil e focar meus esforços em buscar alguma saída deste local.
Uma grande mentira… neste ponto já está claro que não há mais nada para eu testar.
Todavia, mesmo que estivesse interessado nestes eventos, não posso me dar ao direito de descontrair ao lado deles como se nada houvesse acontecido.
Ser perdoado uma vez talvez seja compreensível. Mas ao cair pela segunda vez em perdição é jogar fora qualquer redenção passada ou futura.
— Que cara careta… tudo bem então.
Sabendo que não conseguiriam me convencer do contrário, eles desistem.
A minha aura deve estar bastante negativa para que até eles se tornem cientes disto.
…
Caminho até a sala do conselho estudantil para prosseguirmos com as inúteis investigações, porém ao chegar próximo da entrada, deparo-me com o vice-presidente, Tanaka Takashi.
Ele me encara com um olhar sombrio e segue o seu caminho.
Já estava demorando para demonstrar sua hostilidade dada às situações embaraçosas em que Mikoto vem me colocando.
Naturalmente não temos um histórico muito agradável. Se eu estivesse novamente numa posição vulnerável certamente ele mostraria as suas garras.
Após a tensão deste encontro se esvair, entro na sala e vejo Mikoto e Ailiss sentadas de forma estática.
— E então? Alguma nova ideia? — pergunto.
— Nenhuma. Acredito que devamos cessar um pouco esta questão, talvez depois de algum tempo possamos reanalisar todo o escopo com um novo olhar e construir novas hipóteses — replica Mikoto.
— Mudou de ideia em relação à reunião?
— Bem, apenas tu e o Tanaka-kun optaram por não focar no festival. Acredito que isto seria improdutivo de qualquer forma, portanto cancelei a nossa agenda e o dispensei para ajudar nas atividades da sua turma.
É óbvio que obcecado da forma que ele é, jamais sairia da cola dela.
— Oh, isto significa que vocês duas irão participar? Confesso que estou surpreso.
— Você realmente acha que eu iria querer socializar com este bando de imbecis? — Ailiss franze as sobrancelhas.
De fato, conhecendo Ailiss, é notório que a repulsa dela por interações sociais são ainda maiores do que as minhas. Por outro lado, apesar de se envolver somente de forma impessoal, Mikoto maneja tais relações com maestria.
— O meu papel como presidente é somente fazer o discurso de abertura. Para ser sincera, não pensei muito a respeito da minha participação. Nos outros anos fiquei cuidando somente da questão administrativa, todavia, como desta vez não poderemos importar nenhum recurso para a escola, não há o porquê de eu trabalhar — Mikoto coloca dedos na frente dos lábios de forma pensativa — Bem, até alguma atividade interessante aparecer, podemos passar este tempo jogando xadrez.
— Vou pegar o tabuleiro — a outra responde levantando-se.
Já eu… acho que irei passar este festival assim como passei todos os outros: Escondido em algum canto.
…
Sinto a fria brisa do inverno enquanto observo toda aquela agitação perante o festival. Decidi me recolher no terraço do bloco principal, e aqui me manter até o fim deste evento.
Todavia, pelos boatos que pude captar, pretende-se estendê-lo por mais algum tempo. Não sei até que ponto isto seja uma boa ideia, pois assim logo deixará de ser valorizado.
Datas importantes só possuem relevância por justamente serem raras. Se todo dia fosse seu aniversário, logo o conceito de aniversário se tornaria mais um dia comum. Assim será com este festival.
A porta do terraço se abre, e tenho uma visita inusitada.
O que as duas vieram fazer aqui?
— Cansaram-se do xadrez?
— Na verdade, estávamos preocupadas contigo. Pretendes ficar aqui isolado por quanto tempo? — indaga Mikoto se aproximando.
Que tipo de preocupação é esta?
— Achei que vocês não fossem contrárias ao isolamento social, em especial, você, Ailiss.
— Você não está praticando isolamento por isolamento. Há algo mais, correto? — Ela responde.
— De todas as pessoas, achei que vocês me compreenderiam… afinal tomaram atitudes similares às minhas. Quando olho para a palma de minhas mãos vejo-as totalmente vermelhas — encaro-as — Não há espaço para mim, não posso dar-me o luxo de andar por aí como se nada tivesse acontecido.
— Se é por isto, sabes tão bem quanto nós, que estamos tão manchadas por este pecado quanto tu — replica Mikoto.
— Não se comparem a mim, pois o meu caso é muito pior, o mundo de repetições que se sucedeu às suas tentativas de me salvar, foi coberto por insanidade. E quando finalmente consegui alguma redenção, mais uma vez a joguei no lixo caindo no abismo. Vocês estavam errando sem estar cientes dos seus erros passados, eu apenas fui me afundando ainda mais no lodo dos meus pecados.
— Na verdade, estamos cientes disso.
— Até que ponto vocês se lembram? — arregalo meus olhos.
— A princípio, como expusemos naquele dia, de imediato somente lembrávamos da nossa tentativa de suicídio. Contudo, logo em seguida, minhas lembranças de todo este tempo em que me mantive passiva foram sendo reestabelecidas gradualmente. O mesmo ocorreu com Ailiss.
Então neste caso… por que ainda me questionam?
Mordo meus lábios, cerro o meu punho e começo a falar.
— Se vocês estão cientes das atitudes que eu tomei…estava tão desesperado que até decidi confiná-las… como podem me dizer que está tudo bem?! A morte só as ceifou naquelas mortes dolorosas porque eu estava fazendo os meus experimentos idiotas! — altero meu tom de voz.
— Você mesmo disse, estava desesperado. No seu lugar, talvez eu pensasse a mesma coisa — comenta Ailiss.
— Podemos dizer por nós mesmos que não temos nenhum rancor das ações que tomaste. Possivelmente, os outros teriam respostas diferentes, em especial os teus amigos — prossegue Mikoto falando em um tom sereno.
Perdoaram-me? Não, isto não está certo… isto definitivamente não está certo, nem para vocês me perdoarem e nem eles.
— Eu os traí, e não foi uma vez… Claramente, eles não reagiriam desta forma.
— Neste caso, a solução é bastante simples. Mantenha-se omisso sobre isto — sugere a outra.
O que você está dizendo? Devo fingir que nada aconteceu? Eu matei cada pessoa nesta escola nas minhas vãs tentativas de salvá-las. Não há como acatar este pedido.
— Deixá-los na ignorância não mudará o que realmente aconteceu. Isso não é certo…
— Não se lembra do que certa vez falou sobre o que meu pai pensaria sobre a minha vingança? Pense nos impactos das suas decisões. Os crimes que nós três cometemos de fato aconteceram, mas as versões atuais de todos eles estão aqui, vivas e respirando. Contá-los sobre o que vivenciamos os impactará de forma positiva ou negativa?
Eu entendo o que você quer dizer, Ailiss. De um ponto de vista estritamente consequencialista isso faz sentido, mas não é o que eu quero. Não posso ficar em paz com isso.
— Isto é literalmente enganá-los. Ou seja, uma relação falsa, um engano.
— Podes encarar desta forma, afinal nós três somos três grandes farsantes. Todavia, o que a Ailiss diz faz sentido. O que ganharão sabendo da verdade? Somente mais tormento. Estas versões deles não passaram por nada daquilo, e o teu comportamento repulsivo apenas os deixará mais apreensivos.
Em outras palavras, seria o equivalente a inventar uma mentira para alguém em seu leito de morte dizendo a ele que irá para um lugar melhor.
Ela continua.
— Pense bem, florescer o ódio deles até serviria como castigo a ti, mas do que isso adiantarias no final das contas? Continuaremos presos aqui de qualquer forma. Tu não consegues te perdoar, e entendemos isso. Contudo, tu ainda podes usar da falsidade, não por ti, mas por eles, por nós — sorri — Se o teu lado verdadeiro é podre o esconda, compartilhe-o somente com quem o aceitará, compartilhe somente conosco.
Bem… certamente o fim de todos nestas repetições não será nada belo. Se eu precisar mentir para amenizar as suas passagens por aqui, talvez seja uma minúscula forma de prestações de contas.
Novamente escuto a porta do terraço se abrir.
— Yukihara-san, está na hora do pronunciamento de abertura do festival musical — diz Takashi.
— Estou ciente do horário, mas obrigada por me alertar — replica Mikoto enquanto deixa o terraço.
— Deixaremos que você decida que rumo irá seguir — diz Ailiss a seguindo.
As duas deixam o local, porém Takashi persiste me encarando.
Encontrá-la aqui comigo provavelmente irá aumentar ainda mais a sua hostilidade.
— Tem algum assunto comigo? — pergunto.
— Não, nenhum — também me dá as costas.
…
Caminho pelos corredores e vejo que praticamente todas as salas de aulas estão sendo usadas para as mais variadas atividades.
— Johann-kun! Aqui! Aqui! — acena Miyu.
Caminho até lá e a vejo dentro de uma fantasia de urso.
— O que vocês estão fazendo?
— Nossa turma irá fazer uma peça de teatro, a Kobayashi-san que está organizando. Todos nossos colegas estão participando.
Ah, é uma atividade bem comum dos festivais culturais. Dada a baixa temperatura, a maioria do pessoal provavelmente irá aderir a este tipo de atividade do que a atividades externas.
— E de que fábula se trata?
— É de nossa autoria, a própria turma escreveu a peça. Não quer participar, Jocchi? — diz Manabu vestido de feiticeiro.
— Não, acho melhor não.
Chega Shou fantasiado de cavaleiro e me agarra no ombro.
— Qual é, caso não queira chamar atenção, seja pelo menos a árvore número quatro. Já eu prefiro estar no centro das atenções das garotas hahahaha — vangloria-se.
Uma árvore? Acho que ao menos posso fazer esse esforço.
— Shoucchi, mas nós também seremos apenas figurantes — Manabu ri.
— Tudo bem, onde está a fantasia de árvore? — pergunto.
— Vai participar mesmo?! — Miyu fala toda contente.
Assinto com a cabeça e os vejo sorrindo.
Seria a nossa amizade uma joia falsa? Provavelmente… Mas talvez seja melhor deixá-los partir em meio a sorrisos e gargalhadas.
…
Após a apresentação encontro-me novamente com as duas garotas.
— Ótima atuação, tu provavelmente estarás entre os indicados de melhor plano de fundo — caçoa Mikoto.
Definitivamente eu cumpri com maestria o papel de ficar parado e balançando um pouco os galhos.
— Vieram assistir apenas para me ridicularizar depois?
— Tipo isso — responde Ailiss.
Confirmou descaradamente? Bem, ela é honesta como sempre.
— Pois bem, conseguiram — falo enquanto arranco os galhos da minha fantasia.
— Pretendes participar de mais alguma atividade? — a outra pergunta.
— Acho que já cumpri minha cota de exposição social.
Aqueles três já devem estar satisfeitos de terem me convencido de participar pela primeira vez de uma atividade da turma.
— Como tu estás livre, que tal ir conosco comer alguma coisa? — mostra uma sacola de obentos.
— Quanta bondade. Querem me expor a inveja do restante dos garotos? Até o final do dia eu terei um cartaz de procurado nos corredores.
— Podemos ir comer no terraço, não tem ninguém por lá. Ou se preferir, no meu antigo esconderijo — comenta Ailiss.
Bem, hoje não irá nevar e com o céu limpo podemos ver as estrelas. Ainda assim, é um convite um tanto suspeito.
— Se não era isso, então qual a pegadinha?
— Só queríamos passar um tempo contigo durante este festival. Não sei se teremos outra oportunidade como esta — Mikoto me encara com deboche e completa — e tu és o nosso namorado no final de contas.
— Namorado? — começo a rir.
— Qual a graça? — pergunta Ailiss.
Fico surpreso com sua resposta e então pergunto.
— Você concorda com este termo?
— É uma definição bastante coerente dado o nosso relacionamento — responde seriamente.
Não é algo que eu esperava que ela fosse falar abertamente, talvez Mikoto tenha a influenciado muito neste meio tempo. Todavia, sua resposta faz bastante sentido, nossa relação é de fato uma bagunça, mas não há o porquê não se encaixar nesse termo.
Decido brincar um pouco de volta.
— Diria que é um namoro um tanto quanto exótico. Talvez uma servidão com alguns pontos de afeto por parte das mestras caia melhor — pauso — Tudo bem, vamos. Mas sejam discretas, se vier a conhecimento público que estou “namorando” uma de vocês, serei caçado por todo o corpo estudantil.
— Claro, seremos totalmente discretas. Todavia, não posso te prometer nada sobre isto vir a público. Sabe como são as fofocas, não é? Não temos controle sobre os rumores que se espalham desenfreadamente — fala Mikoto em deboche.
Isso é claramente uma ameaça. Minha vida reservada pode acabar a qualquer instante, com este tipo de arma ela me tem em suas mãos.
Apesar de suas personalidades tóxicas, definitivamente não posso negar a boa vontade delas de me ajudar. Ainda assim, entregar-me a tal paz é uma trava impossível de eu quebrar no momento.