Estranhos Sob o Mesmo Céu - Parte 2
A noite anterior terminou de uma forma inesperada, para não dizer pior. Como de costume, também não era melhor que no momento atual. Eu me encontrava sentado na carteira, a professora escrevia no quadro. Tentei ao máximo focar somente nela e no quadro. Por um curto tempo, funcionou.
Mas, vez ou outra acabava escutando sussurros e risadinhas contidas entre os colegas do meu lado. Infelizmente tinha consciência que o alvo dos assuntos era eu, acabei descobrindo porque às vezes eles dirigiam o olhar – nem tão – discreto para mim.
Continuei focado para frente e copiando a aula para o caderno, tentei permanecer neutro como se as conversas alheias não chegassem aos meus ouvidos. Passaram alguns minutos, eu nem compreendia mais a aula, dada aos insultos. Foi quando um colega bem à vontade:
— Olha como é estranho — disse ele, sem importar se eu escutaria. Pensando melhor, na verdade era essa a sua intenção.
— Cuidado que o Golias vai ouvir você — zombou o garoto sentado na frente dele.
— Ele não vai escutar lá de cima.
Eu conseguia escutar, óbvio, mas decidi ignorar completamente. Acho que me acostumei a esses tipos de comentários explodindo com venenos. Então só bastava fingir não ter escutado, e depois seguiria o dia a dia naturalmente.
Contei de um a dez mentalmente, depois de perceber a respiração ficando intensa. Não sabia a quem queria enganar, mesmo seguro de estar imune a esses insultos a minha altura, o coração doía a cada risada engasgada. Não havia ninguém capaz de entender isso.
Afinal, não pedi para nascer gigante.
“O que você escolheria?”, eu me lembrei da pergunta infantil de Kawana na noite anterior. Se por acaso houvesse a chance de fazer um pedido… Era óbvio o que pediria. Ser do tamanho normal, como todo mundo.
Então, o alarme soou na sala de aula para despertar os devaneios de um conto de fadas. Era um alívio, chegou finalmente o fim da última aula do dia.
Guardei o livro, o caderno e o lápis. Quando tudo estava dentro da mochila, joguei-a sobre o ombro esquerdo e me coloquei de pé. Todos formaram uma fila e antes de começarem a andar, reverenciamos a professora e dissemos ao mesmo tempo:
— Obrigado pela aula!
Depois disso, começamos – fila por fila –, ir à porta de saída. Quando a fila a qual eu pertencia, começou a andar, não conseguir evitar escutar um garoto na frente sussurrando:
— O gigante estranho vai te pisar.
Eu era o gigante estranho. Também nesse momento, com o sangue fervilhando, tive a vontade de realmente esmagá-los com uma pisada para assim calá-los de vez. Verdade fosse dita, não tinha coragem ou ousadia para isso, então eu contive a raiva e somente andei.
Fosse no colégio ou em qualquer outro lugar, os olhares sempre centralizavam em mim. Como se eu fosse um sinalizador magnético, ameaçando destruir a cidade a qualquer hora.
Havia tanta dúvida, que às vezes eu mesmo pensava possuir algo racional para ser o alvo de chacota e temor ao mesmo tempo. Com dezesseis anos, eu tinha um metro e noventa. Não havia nada horrível nesse nível para me olharem assim. Nunca na vida agir como um arruaceiro, mas era deste modo que eu sentia ser tratado.
Ao atravessar o portão do colégio, o Sol furioso fez meus olhos fecharem até me acostumar. O caminho para casa levava uns quinze minutos, dependendo do humor. Hoje não tive pressa, por alguma razão.
Alguns estudantes passaram por mim andando e outros foram de bicicleta. Não havia nenhum aluno do meu tamanho, nem os do terceiro ano. Talvez fosse esse motivo por não ter amigos e ser apelidado de Gigante estranho.
Claro que seria injusto culpar a todos pela situação. Havia falhas em como me expressava – dificultando o diálogo. Então, por que foi tão fácil conversar com Kawana? Talvez ela agisse assim por ser madura.
Mesmo assim, por uma besteira fiquei ofendido e acabei fugindo. E para piorar, furtei as luvas dela. Antes de ganhar outro apelido negativo, eu voltaria ao parquinho caso ela aparecesse, e pediria desculpas pelo modo infantil.
Chega de causar problemas. O dia estava com um clima agradável, as neves haviam desaparecido pela manhã. Ainda assim, o frio continuava.
Eu sem reparar acabei indo para o colégio, vestindo as luvas de Kawana. Não sabia explicar a sensação, mas foi reconfortante de certa forma. O linho cor vermelho não somente aquecia as mãos, como também deixava os pensamentos um pouco menos nublados.
No que eu estava pensando… Deixa para lá. Era provável se tratar do efeito de ter dormido bem. Fazia tempo sem desabar na cama como na noite passada, então eu sentia que poderia saltar e voar metros.
Não estava nada diferente, ainda me olhavam fixamente. Mas no dia de hoje não importava tanto. Nem mesmo os olhares de curiosidades lançados em mim, no caminho de casa.
Como não estava com pressa, cheguei mais tarde. Não tinha problema, ao abrir a porta, só conseguia enxergar escuridão na sala. Meus pais chegavam à noite do trabalho e mesmo quando estavam em casa, havia uma cratera entre nós.
Dito isso, era igual com ou sem eles.
— Cheguei… — disse aos ventos, apenas para iludir a solidão.
E ela respondeu em silêncio, naturalmente.
Como de costume subir dois lances de escadas e seguir ao quarto, meu refúgio. Havia somente eu e eu. Fui direto para cama e aguardei o anoitecer para encontrar Kawana.
Eu esperei algumas horas, até ver através da janela o céu mudar de cor e assumir tons escuros no lado de fora. Então, sem demora, coloquei roupas quentes para sair, pois fazia frio o bastante para congelar os dedos no ar. Dessa vez, no entanto, coloquei as luvas de Kawana no bolso do casaco e vesti as minhas luvas.
Talvez Kawana estivesse esperando para que eu devolvesse seu pertence roubado. Não queria ser visto como ladrão, já bastava ser visto como o gigante.
Desci as escadas pulando de dois em dois degraus, apressado. Quando alcancei o piso, minha mãe entrou na linha de visão. Ela enxugava os pratos com um pano, totalmente pensativa – encarando a pia da cozinha –, para mim era uma cena nostálgica.
Retornei ao passado, eu era criança e adorava vê-la lavar os pratos enquanto enchia minha mãe com perguntas cobertas de curiosidade. Lembro também de como ela parecia uma mulher enorme e inalcançável, pois antes ela precisava se abaixar para me abraçar. Tudo mudou.
— Oi mãe.
Ela se assustou com a voz tão de repente, e se virou para mim.
— Nossa, que susto. — ela se virou. — Você tava em casa, eu pensei… Bem, deixa pra lá.
— Sim, estava matando o tempo no quarto.
— Já jantou?
— Ainda não, estou sem fome. Hum, obrigado por perguntar…
— Deixe de besteira, como vai se aguentar de pé com a barriga vazia. Esses quase dois metros requerem refeições abastadas.
— Certo, então deixe no prato para quando eu voltar. Er… Vou indo.
— Escute mais sua mãe, menino. Isso você não puxou de mim. Não demore, ouviu?
Concordei com a cabeça e ela retornou à sua atividade.
Havia pouco que eu puxei dela. Tanto em questões de personalidades e, principalmente ao comentar sobre a minha altura. Já era embaraçoso somente em lembrar. Foi muito pior na época, eu estava com doze anos e era maior que meus pais e devido a isso houve brigas entre meus eles.
Mesmo depois de fazermos o teste de paternidade, que obviamente demonstrou que eu era filho biológico dele, serviu apenas para silenciá-lo de quaisquer acusações obscenas contra minha mãe.
Segui em direção à saída. A casa estava normal, afundada em trevas. Antes de girar a maçaneta, escutei um suspiro de meu pai nas costas. Ele estava sentado no sofá, assistindo televisão, em silêncio. Era uma visão de um homem sem vida, diante da minha enorme presença.
Pensando bem, se havia algum sentimento preso nele era mais parecido com desconforto. Não me importava, estava tudo bem.
Girei a maçaneta hesitante, levando para a imaginação o significado daquele breve suspiro.
Ao sair, o céu se abriu coberto de estrelas, sem sinal de neve, então a noite estava mais clara. E, talvez por isso, dessa vez acabei decidindo ir pela rota principal – a mais curta –, que geralmente eu evitava. Não esta noite.
Como era cedo ainda, lojas e bares estavam no ponto alto. Em um bar com a placa de neon piscando elegante, lia-se Paraíso noturno. Havia três homens vestidos de paletó e desgrenhados, esperando na entrada por uma mesa livre. Pareciam animados para beber depois de um dia exaustivo trabalhando, imaginei.
Geralmente sempre ia ao meu lugar secreto entre becos e vielas, tentando não chamar atenção. Por isso estava surpreso na maneira que a cidade se diferenciava entre dia e noite. Sendo o dia, mantendo as pessoas iguais a robôs. Agora, de noite, estavam livres. Bem, pelo menos por enquanto.
— Se eu fosse normal…
Não demorou até a visão dos galhos da cerejeira surgir acima da parede ao longe. A cada passo, mais visível ficava. Até que pude enxergar o balanço também. De repente o coração se encheu de alegria. Uma silhueta estava sentada no banco do balanço.
— Hoje não me escondi. Viu, Yuri?
Kawana empurrava o chão levemente, balançando. Eu não sabia como reagir. Deveria começar primeiro pedindo desculpa pelo furto ou por ter fugido, tão prematuramente de maneira infantil.
Então, como se entendesse minha confusão, ela disse:
— Se fui insensível com algo–
— Não, eu errei. — a interrompi. — Você não falou nada demais, foi minha culpa. Que vergonha…
Enquanto procurava um lugar para esconder a vergonha, por outro lado, Kawana estava com feições prestes a me zoar pela atrapalhação.
— Ai, ai — Kawana soltou o ar esboçando um sorriso. — Presumo que estamos bem, então?
— Na verdade falta uma coisa.
Ao dizer isso, apareceu uma interrogação no rosto de Kawana. Enquanto ela aguardava por explicações, eu tirei suas luvas do bolso.
— Ah! O que tá fazendo com você?
Kawana deu um salto do balanço e encarava suas luvas e olhava para mim, alternadamente. Tentando conectar uma coisa com a outra, então, ela espremeu as sobrancelhas e em seguida bateu palmas.
— Ontem te emprestei… Hihi.
— Como você não percebeu? — entreguei as luvas para a dona.
— Bem, isso, foi porque fiquei preocupada de ter dito besteira e te magoado.
Entendi. Realmente eu tinha exagerado na noite anterior. Com essa conclusão, o coração apertou mais de culpa.
Eu refletia sobre isso.
— Não foi a primeira vez que alguém se assusta comigo — revelei esse fato. — Então, tudo bem.
Ao ouvir isso, Kawana arregalou os olhos e balançou as mãos para um lado e para o outro, negando minha fala.
— Não, não!
Antes de explicar a exaltação repentina, ela engoliu em seco.
— Você entendeu tudo errado, Yuri — disse Kawana. — Na verdade, eu me escondi ontem de você não por causa de sua altura. Mas, sim porque seu rosto furioso pretendia matar alguém, então nem pensei duas vezes e me encolhi.
“Hã, como assim? Espera. Ah…”, eu travei em pensamento, até a confusão se dispersar aos poucos da mente.
— Eu estava desse jeito, então…
Kawana abaixou a cabeça e, lentamente, retirou as luvas.
— Olha essas cicatrizes — Kawana abriu os dedos e os levou para frente, revelando rugas feitas por uma queimadura antiga.
— Como foi esse acidente, pode contar?
— Aconteceu há um ano, mais ou menos. Estava no verão, e eu trabalhava num escritório de Tokyo, como secretária. Eu tinha orgulho e minha família sempre me apoiou mesmo eu morando longe deles.
— É motivo para se orgulhar, sim.
— Verdade, né? Não me arrependo de quase nada, exceto de uma coisa.
— Como assim?
Eu não entendi o porquê de ela hesitar, obviamente também não queria forçá-la a dizer algo que desejava manter em segredo. Havia coisas nesse mundo marcantes ao nível de o trancarmos no baú e enterrarmos no fundo do coração, onde ninguém pudesse descobrir.
Kawana caminhou em volta da cerejeira, protegida por seus galhos ou pelo menos era o que o corpo frágil dela indicava. Ela engoliu em seco, como se reunisse forças para começar a contar. Parecia doloroso remontar o passado.
— Olha, desculpa. Se não estiver à vontade, não precisa falar nada — eu estava com o coração apertado. — Até porque mal nos conhecemos, está tudo bem, sério.
Ao terminar de me explicar, Kawana lançou um olhar indescritível sobre mim. E, diminuiu o espaço entre nós, acelerando seus passos.
— Pensei que você era mais compreensível, mas homem é tudo igual mesmo. Na mesma hora tenta escapar de ouvir sobre mim, ai, ai.
— Só quis respeitar seus sentimentos. — eu disse. — Vejo que não sou útil aqui. Então, com sua licença, senhorita Kawana.
Dito isso, fiz menção de dar meia volta. Eu não estava bravo, na verdade era o contrário.
— Calma, espera um minuto — Kawana revirou os olhos. — Nossa como você é sério, sempre agir assim vai te matar cedo.
— Não tem problema.
— Ué, e com quem vou encontrar a folha mágica?
— Com sorte, você vai achar uma. Ou se continuar vindo, pode ter o azar de se bater com um serial killer.
— Nossa que cruel.
De alguma maneira estranha, eu entendia que existia dor por trás do sorriso de Kawana. Ela tentava a todo custo, mostrar estar bem, apesar de tudo.
— E então? Vai me contar ou não?
— Quanta insistência… — Kawana respondeu desanimada.
Um vento forte soprou, trazendo as lembranças e o arrepio acompanhados. As feições de Kawana ficaram rígidas e a respiração, antes leve, transformou-se em quantidade de toneladas.
— Meu ex-namorado era ciumento, sabe.
— Já o odeio.
— Você nem esperou eu terminar, nossa. Ai, ai…
Kawana balançou a cabeça e continuou:
— Bem, voltando ao que eu falava… — Kawana retomou com um suspiro. — Certo dia fui tirar uma dúvida com o vizinho sobre a demora de entrega dos jornais e revistas pela manhã, e o meu namorado – na época, é claro –, nos viu exatamente na hora. Ele correu na minha direção, me acusando de traição, acredita nisso? Lembro que fiquei sem reação, parecia uma piada, daquelas desagradáveis, sabe.
— E o que aconteceu depois?
Eu perguntei isso de imediato, e me arrependi logo em seguida por ter me descuidado. Kawana ergueu as mãos no céu, respondendo à minha pergunta óbvia. “Eu sou um idiota”, pensei.
— Isso aconteceu, uma punição por algo que não cometi. Fui surpreendida com ácido, ele jogou no meu rosto. Por sorte, cobri com as mãos, senão seria pior. Nem minha família acreditou em mim. Então fugi de todos, eles não me importa, não mais.
— Eu acredito na sua coragem. É como você disse.
— Verdade…?
— Claro que sim — eu afirmei com convicção.
O ar leve cercando Kawana me dava certeza disso. Estávamos lado a lado, entretanto, Kawana respirava pesado – saindo fumaça gelada pela boca – como se tivesse ainda algo a expor. Algo que ainda a incomodava com total força. E esse peso me atingiu também, então desviei o olhar e mirei para a parede rebocada.
— Você é inocente, certo? Tipo, e mesmo se o traísse, não dá o direito de te machucar de forma alguma.
Kawana engoliu em seco.
— Obrigada por ficar do meu lado, você é o primeiro.
— Conte comigo.
— Você tem razão… Mas às vezes, eu fico perdida no tempo pensando nas probabilidades, sabe. Todos os dias passa na cabeça situações diferentes que não me levaria aqui. ‘E se eu ficasse quieta’ ou ‘E se eu continuasse o caminho para casa, ignorando o vizinho’, não consigo evitar pensar nessas coisas.
— O verdadeiro culpado está lá, ele que têm muito a refletir. Enquanto você… Bem, não deve se culpar.
Havia piedade na voz, ao tentar alcançá-la, mesmo irritado com alguém que eu nem conhecia. Afinal de contas, o sangue esquentou só de imaginar Kawana, uma mulher inofensiva ter sofrido por causa de um lunático além da compreensão natural.
Entretanto, como contradizendo o que eu havia acabado de afirmar, Kawana vestiu as luvas e levantou outra interrogação.
— É, eu sei. Mas, sabe, eu continuo pensando, e se eu fizesse algo diferente? — os olhos de Kawana escureceram. — Talvez não tivesse essas mãos feias.
Mal esperei Kawana terminar o restante, agarrei suas mãos enluvadas e respondi:
— São suas mãos, não as chame assim. Foram elas responsáveis a impedir daquela porcaria te matar, Kawana. E, devo dizer, você se livrou de um monstro.
Havia nesses minutos um silêncio, até os soluços de Kawana ecoarem pelo parquinho. Não tinha problemas porque somente eu escutava. Sob a luz da Lua, o rosto de Kawana brilhou com as lágrimas escorrendo pelas lindas bochechas. Era como uma cachoeira desgovernada.
— Tive uma ótima ideia para beneficiar nós dois — anunciei.
— Como assim? Ei, deixe de gaiatice comigo, você é muito novo pra mim, sabe.
— Quê? De onde tirou isso? Hã?
De repente recebi essa resposta, apenas para me provocar. Obviamente fiquei sem reação, gaguejando sem fim. E pensar que logo quando eu me sentia mais à vontade, ela veio com uma dessas.
— Se não foi isso, desembucha então.
— Esqueça, vou me retirar. Com sua licença…
— Calma, nossa. Eu estava– foi uma brincadeira.
Eu calmamente soltei o ar e relaxei os ombros.
— Essa cerejeira floresce na primavera. No próximo ano, er… Se você quiser, podemos procurar a folha mágica. Vamos correr pela cidade toda se for necessário.
Retomei a conversa boba de Kawana por onde paramos na noite anterior. Ela por sua vez, foi na onda e ergueu a cabeça – alto o suficiente para penetrar meus olhos.
— Nada mal, gostei — Kawana soltou um sorriso. — Mas tem um probleminha.
— Não tem nenhum, sempre floresce na época. É sério.
— Ai, nossa, não é isso, Yuri. Passou pela sua cabeça que tá muito longe ainda, né?
— Ah, é verdade.
Eu fiquei tão animado com a proposta ao ponto de esquecer esse detalhe. Não queria ver Kawana apenas meses depois, quando fosse primavera com essa desculpa. Então sacudi a cabeça, amaldiçoando minha lerdeza. Nem de longe queria me despedir dela.
— Olha, até chegar lá tá muuito longe, e eu preciso realizar um desejo pra hoje.
— Se for assim — eu limpei a garganta, abandonando o medo. — Nós podemos sair à procura a partir de amanhã, mesmo no inverno. Vai que damos sorte de acharmos uma, pode ser? Depois, bem, comemos algo de lá.
— Combinado então. Ah, já sei! Outro dia eu passei por um restaurante incrível, à beira mar, você precisa ver.
Dito isso, o contrato estava formado. Virei para Kawana e disse:
— Só tenho uma condição.
— Tá, qual seria?
— Está proibida de pedir para voltar com aquele traste, senão vou ficar com o desejo só para mim.
Ao ouvir a condição, Kawana diminuiu a distância entre mim e me envolveu nos seus braços. Em seguida, num sussurro acolhedor:
— E você tá proibido de desejar diminuir seu tamanho. Adoro você do seu jeito, Yuri.
Vários flocos de neve começaram a pousar sobre nós dois, gentilmente.
— Vamos escolher seguir em frente. Melhor, não é, Kawana?
— Olha, é realmente um ótimo desejo… Te subestimei, mas existe alguma sabedoria em você, eu acho — concluiu Kawana, no tom relaxado.
— O que quer dizer com isso? Eu sou mais maduro que você.
— Relaxa, foi um elogio. Ai, ai viu…
Kawana então afundou a bochecha úmida no meu tórax. “Hihi”, ela fez baixinho, e um sorriso gentil se espalhou por todo seu rosto.
Estávamos abaixo da cerejeira. Não tinha folhas nos longos e tortos galhos. Contudo, a pobre cerejeira – assim como nós – continuava firme esperando a chegada de dias melhores.