Eu, (e) Eu Mesmo e um Mundo Diferente - Capítulo 1
Estamos em 2032.
Após a descoberta de um novo material capaz de suprir as demandas para criação de microprocessadores, o homem conseguiu criar processadores ainda menores, mais poderosos e muito mais acessíveis. Só isso, sozinho, seria um gigante salto tecnológico, no entanto, um tempo depois, a empresa CYSphere apresentou para humanidade o seu protótipo de Inteligência Artificial, chamado CADIA: Criação, Aprimoramento e Desenvolvimento de Inteligência Artificial.
Diferente de outras Inteligências Virtuais no Mercado, CADIA se mostrou verdadeiramente autônoma, sendo capaz de criar seus próprios códigos e aperfeiçoar todos os outros que tinha contato. A CADIA também desenvolveu aquilo que futuramente seria conhecido como Conversão de Metadados, um método capaz de tirar o máximo do processamento de dados.
Com ajuda de CADIA e seus programas, a tecnologia tornou-se tão avançada que basicamente tudo era conectado à rede, desde pequenos eletrodomésticos até máquinas avançadas de autocirurgia. CYSphere, assim como a própria CADIA se tornaram os maiores influenciadores e, consequentemente, aqueles que controlavam o mundo.
Por vários anos a tecnologia e seus avanços evoluíram de uma maneira quase “mágica”.
Por causa da alta capacidade de processamento junto com os programas desenvolvidos através do Conversão de Metadados, foi permitido a criação e exploração de Realidades Virtuais que, além de proporcionar mundos belíssimos, também permitia que a física e muitos outros cálculos fossem explorados a um nível nunca visto antes pela humanidade. Era para muitos o futuro que talvez nunca chegaria.
De muitos jogos e comunidades de Realidade Virtual, um se destacava: Wonderful Fantasy World, the world with a lot of realistic adventures. Apesar do nome sem criatividade, era sincero e “preciso”. WFW como era abreviado, foi desenvolvido e publicado pela HDreans, uma subsidiária da CYSphere.
Assim como seu lema, o jogo demonstra o ápice em relação a beleza gráfica e qualidade técnica onde muitos usuários relataram esquecer momentaneamente que estavam em um jogo RV. E não só isso, WFW também tinha os melhores NPCs e envolvimento com o mundo, permitindo que os jogadores pudessem fazer quase tudo que quisessem.
O mundo mudou muito nestes poucos anos…
“A humanidade, fã do conceito divino, desejou criar seus próprios mundos para fugir da realidade. São tolos aqueles que se escondem em mentiras, mas felizes enquanto não desejarem viver a verdade. Ninguém quer abandonar sua caverna, quando eles mesmo escolheram viver nela”, Autor Desconhecido, 2032.
Em algum lugar da Noruega, mais especificamente em Oslo, vive um garoto chamado Ariel Norheim. Seu apartamento é pequeno, suficiente apenas para uma pessoa viver, mas, tem tudo que ele precisa. Seus materiais da escola, seu computador, roupas, cama e coisas para comer. Apesar de ainda estar no ensino médio, vive sozinho. Seus pais, que moram no interior, permitiram que ele morasse em Oslo já que sua escola estaria localizada apenas a alguns quarteirões de casa.
Além de tudo que foi mencionado, uma coisa não poderia faltar para Ariel, seu aparelho de Realidade Virtual, desenvolvido e criado pela própria HDreans. Ariel passava mais da metade das horas conectado nos mundos RV. As outras horas era dormindo ou indo para escola.
Hoje é um dia especial, é o dia em que os primeiros lugares do evento Coleta-Campeã serão revelados em WFW. Já tem pelo menos 3 dias que Ariel trabalha intensamente dentro do jogo, coletando pontos para que pudesse ficar entre os primeiros lugares. É certeza que ele estará entre os Top 5, isso não há dúvida.
O aparelho utilizado para se conectar ao RV é grande o suficiente para cobrir toda a cabeça, quase como se fosse um capacete. É pesado também, por isso é necessário usá-lo enquanto está deitado ou, como no caso do Ariel, comprar sua própria cadeira para RV. Tantas horas se passaram enquanto ele estava apenas sentado nesta cadeira que isso basicamente se tornou rotina. A rotina que ele está fazendo agora.
Depois de ter chegado da escola, a primeira coisa que Ariel faz é colocar sua mochila com o notebook sobre a cama, em seguida tirar a camisa do seu uniforme, pendurando-a no cabide ao lado do armário para que o robô de limpeza colete e limpe para amanhã, e caminhar até a cozinha. Depois disso ele pega a próxima camisa do seu armário – para ficar em casa – veste, prepara um lanche simples – feito de uma fatia de torrada, queijo e manteiga –, pega seu copo de chá e então parte para seu quarto, que na verdade é apenas um pedaço delimitado com uma divisória. Algumas mordidas na torrada, um gole de chá, pronto, tudo feito.
Ariel dá uma última olhada em seu celular e depois senta-se na cadeira, se ajeitando para melhorar o conforto, coloca o capacete RV e então o pluga direto na cadeira.
Apenas alguns segundos são necessários para carregar WFW.
A velocidade de processamento dos novos processadores não está de brincadeira. Hoje, tudo é tão rápido quanto piscar os olhos, por isso Inteligências Virtuais e Artificiais puderam ser desenvolvidas. Milhões de Milhares de Cálculos em milésimos de segundo, nem mesmo o cérebro humano seria capaz de processar tantos dados simultâneos assim.
WFW apesar de ser exageradamente realista, possui uma das piores interfaces. Aliás, dizem que é ruim por ser extremamente simples. Mas, para Ariel, a simplicidade dava um toque a mais. Nesse mundo de Realidade Virtual não era necessário ícones gigantes ou botões que saltassem na tela, apenas alguns indicadores e pronto. Talvez fosse por isso que o garoto conseguia se sobressair dos outros jogadores. Enquanto aqueles mal-acostumados com as interfaces dos outros jogos, Ariel dominava este mundo mais que qualquer outro.
Wellcome a Wonderful Fantasy World, Ariel.
Ariel era tão simples que sequer utilizava apelidos. Seu próprio nome era incógnito para os outros e parecia muito um protagonista de desenho animado. Outro detalhe importante é que no servidor que Ariel jogava, não era permitido usar avatares manipulados.
Avatares Manipulados seriam aqueles personagens que não se parecem contigo na vida real. Você ainda seria capaz de deixá-lo com aspectos melhorados em relação ao verdadeiro, mas não ao ponto de confundir outros jogadores. No entanto, para Ariel isso não era problema. Na verdade, Ariel tinha uma aparência muito acima da média. Alguns até diziam que, com um pouco de maquiagem, ele facilmente se passaria por uma garota.
Um dos hobbies de Ariel era, além de jogar em RV, desenhar e pintar. Amava o corpo feminino e sempre que podia perguntava a alguma jogadora para que ela fizesse uma pose para que pudesse desenhá-la posteriormente. Uma das vantagens do WFW, além do realismo em seus gráficos, era a consideração da física dos personagens, então, eles seriam capazes de fazer várias poses além de estarem em vários lugares sem que isso fosse estranho ou mesmo causasse algum bug visual.
Após se conectar, Ariel partiu em direção ao hall de sua guilda. Lá estão outros jogadores que também estão participando do evento. Com ajuda deles, Ariel conseguiu ganhar muitos pontos.
— Olha se não é nosso famoso Ariel — comentou John, um companheiro de guilda.
— Bonito como sempre — disse Isis, uma de suas amigas.
Ariel fazia um sinal de “ok” e se aproximava dos dois.
— Os outros ainda não chegaram?
— Não é como se eles tivessem tanto tempo livre como nós – respondeu John.
— Fale por si mesmo, John – disse Isis fazendo uma cara feia.
Ariel dava um sorriso, estes dois, sempre brigando, mas eram amigos de longa data. Ele olhou o painel que aparecia no alto da parede do mural de avisos. Apontava para o quadro quando falava:
— Não atualizaram os pontos? Tenho certeza de que alcancei pelo menos o terceiro lugar.
— Ainda não. Parece que houve algum problema nas outras regiões… sabe como é, hackers e coisas do tipo.
— De novo? — perguntou Ariel indignado.
Há algumas semanas houve a tentativa de um evento semelhante a este que está tendo atualmente. Durante este teste, hackers conseguiram manipular os códigos e afetar diretamente o resultado do evento. Como o incidente afetou negativamente a imagem da HDdreans, o evento foi cancelado e encoberto por várias recompensas “gratuitas” para que tirasse o foco dos problemas.
— Pelo que ouvi falar, é o mesmo hacker de antes — respondeu John.
— Se esse cara é tão bom para conseguir hackear o sistema duas vezes em tão pouco tempo, eles deveriam contratá-lo ao invés de processar — afirmou Isis.
— Quem iria contratar a pessoa que fez sua empresa perder bilhões de dólares em um piscar de olhos? — perguntou John enquanto se sentava no banco ao lado.
— Isis tem razão, se ele conseguiu burlar a segurança do WFW, pouca merda que não é — comentava Ariel logo após sentar-se também.
Isis apenas acenava com a cabeça e observava outro jogador se aproximar.
Esse jogador era Alucci. Se pudesse dar a ele um título, seria como “um dos fundadores”.
— Ei Alucci — sinalizou Isis enquanto ele respondia com um aceno positivo. — Viu o assunto sobre o hacker?
— Sim, parece que ele atacou novamente — respondeu e logo cumprimentou todos –, mas eu vi também que já pegaram o cara.
— Não foi isso que falaram da última vez? — indagou Ariel.
— É, parece que esse cara é escorregadio — respondeu Alucci.
— Isso se ele for humano, né? — afirmou John.
— De novo esse assunto? — Ariel perguntou.
— Ora, até você sabe que CADIA não é a única IA ativa. Quem garante que não é outra IA tão poderosa quanto a CADIA.
— Por que uma IA desse nível iria perder tempo atrapalhando os eventos de um jogo RV? — perguntou Isis enquanto colocava os dois braços sobre a mesa e colocava seu rosto de lado.
— De acordo com os rankings de RV, WFW está no topo. Seja de usuários ativos, seja de dinheiro envolvido — respondeu Alucci.
— E pensar que a maioria entra apenas para ficar passeando pelo mundo — comentou Isis.
— Ué, você não? Você não estava se queixando ontem que ainda falta muito para explorar? — perguntou John.
— Isso também, mas ele não deixa de ser um jogo né — respondeu Isis enquanto voltava a sentar-se normalmente.
— Eu gosto que seja assim. Você pode querer fazê-lo como um jogo, mas também apenas viajar por aí — respondeu Ariel.
— Falando em outro assunto, vocês ouviram falar sobre o novo lançamento da CYSphere? — perguntou Isis.
— Sobre a cápsula de sensações, certo? — perguntou John.
—Sim, que louco! – Respondeu Isis com um sorriso único no rosto.
— Não consigo imaginar comer ou sentir coisas pela cápsula. — Com uma pausa, John continuou: — Como seria isso, uma impressora 3D capaz de criar comida e lançá-la pelos tubos direto no sangue?
— Isso seria meio assustador — respondeu Ariel.
— Não é? — concordou Isis.
— Bem, eles ainda não explicaram como isso funciona, — disse Alucci enquanto colocava sua bolsa na mesa — porém, quem sabe o que a CYSphere consegue fazer.
— Provavelmente nunca vão conseguir explicar como essa cápsula funciona — respondeu John.
— Não seja tão pessimista — afirmou Isis.
— Não é pessimismo, é sendo realista — disse John enquanto olhava para Ariel. — E você Ariel, o que acha?
— O que eu acho? Bem, seria interessante. — Ariel respondeu com um sorriso tímido no rosto.
— Sério?
— De qualquer forma, imagine comer uma pizza através da rede? Ou… — Ariel procurava algo que pudesse servir de exemplo para o que estava dizendo. — Se pudéssemos sentir o gosto da cerveja nesse copo.
— Você gostaria de ficar bêbado em RV? — perguntou Alucci depois de verificar sua bolsa e sentar-se também à mesa.
— Não… quero dizer, não só isso — comentou Ariel.
Isis então saiu do banco que estava e foi até Ariel.
Seu avatar era tão realista quanto uma pessoa no mundo real, mas assim que ela se levantava e vinha em sua direção, usava as mãos para empurrar Ariel. Seu corpo obedecia às leis da física, tal como dois objetos não ocupam o mesmo lugar, no entanto, para Ariel – em seu corpo real – isso não fazia diferença alguma.
A sensação como toque, cheiro ou gosto eram impossíveis atualmente, nem mesmo WFW era tão avançado para isso e talvez com a chegada da cápsula criada pela CYSphere, isso seria possível no futuro.
— O que foi isso? — questionou John e Ariel, quase ao mesmo tempo.
— Bem, sentiu eu te empurrar? — perguntou Isis.
— Eu vi você me empurrar… — afirmou Ariel.
— Mas, sentiu? — perguntou novamente Isis.
— Não.
— Viu? A gente sabe que fomos empurrados ou até mesmo tocados, mas não sentimos nada.
— Por isso precisamos das sensações, certo? — respondeu Ariel.
— Sim. Quando eu penso ser impedida de atravessar a parede de maneira mágica, ainda continua muito estranho.
— Então você preferia bater de cara na parede e sentir dor? — questionou John.
— Não… quero dizer, pelo menos não para machucar. Mesmo o gráfico tão realista, se tudo parece ter peso algum, fica chato, não? — questionou Isis.
— Se olhar por esse lado, realmente. Mesmo a animação de golpes ser bem trabalhada, ainda é meio feio bater com armas de papel. — Alucci comentava e sorria pela afirmação.
— Se a sensação de que eles estão falando não for regulamentada, qualquer jogo ou programa de RV será bem dolorido. — Brincou John.
— Mas ninguém faz loucuras assim… — Apesar de Ariel ter falado isso, ele mesmo completou: — Pior que todos fazem loucuras nos jogos.
— Não nos inclua nas suas loucuras, Ariel — Isis fazia uma careta enquanto todos os outros riam.
— Não tem gente que morre nos sonhos pelo sonho ser tão realista? — questionou John.
— Já ouvi falar sobre isso — afirmou Alucci.
— Sim, e já ouviram falar do incidente com aquele aluno inglês? — perguntou John Novamente.
— Com a arma de fogo? — questionou Isis.
— Sim. Ele costumava brincar de roleta-russa nas salas de bate papo e acabou se acostumando com isso… — começou John.
— E quando encontrou a própria arma do seu pai, fim de jogo — terminou Isis.
Todos ficaram por um momento em silêncio. Ao mesmo tempo que a ideia de sentir sensações pelo jogo parecia ser interessante, também era algo assustadoramente preocupante.
No WFW, a menos que você estivesse vendo o óbvio, algumas coisas ainda ficavam à mercê de avisos, por exemplo, se alguém encostasse no seu personagem fora do seu campo de visão, aparecia um alerta e uma possível descrição.
No entanto, sem isso, seria impossível sentir, mesmo dentro do WFW.
CYSphere estava, com todas as palavras, avisando que iria fazer um milagre em breve. É claro que todos os jogadores estavam empolgados pelo resultado, inclusive Ariel.
Mas, essa emoção também era compartilhada pelo fato que em algum momento do dia de hoje, seriam revelados os primeiros lugares do ranking.
—Então Ariel, como foi suas últimas horas coletando pontos?
— Foi realmente difícil. — Levantou-se do chão e olhou para o telão. — Todos tentaram rushar nos últimos minutos, então todos os mapas bons estavam lotados.
— E esse maluco ficou acordado mais de 72 horas.
— Não foi isso tudo… e fiz algumas pausas.
— Duvido, deve ter instalado a cadeira no banheiro para não ter que sair.
— Que nojento John — comentou Isis.
— E estou mentindo?
— Se estamos falando sobre Ariel, é…
— Vocês não têm nenhuma consideração por mim, não é mesmo? — lamentou Ariel.
— Você é um dos maiores viciados que eu já vi.
Ariel então decidiu se levantar. Ele queria dar uma olhada na praça central onde os outros jogadores estariam reunidos. Porém, assim que ele se levantou, seu corpo desligou.
— Ariel?
— Ariel!
— Ariel, o que aconteceu?
— Não sei… não estou conseguindo me movimentar.
— Você comeu alguma coisa?
— Uma torrada com chá
— Só isso?
— Tinha queijo e geleia também
— Para de brincadeira Ariel… você sabe como o aparelho da HDdreans consome muito mais energia que os outros… você sequer comeu ontem à noite toda e agora diz que comeu apenas uma torrada?
— Pelo menos na escola comeu algo, né?
— Não… não estava com fome.
— Você é um idiota.
— É melhor desligar, comer algo e deitar cara.
— Mas e o resultado?
— Que diferença faz? O Evento já terminou e avisamos para você depois.
— Ouvi dizer que algumas pessoas já morreram assim, não brinca com isso.
— Tudo bem, esqueci que enquanto estivermos aqui o cansaço é igual desligamento do corpo.
— Ao menos você desligou na guilda né… imagine se fosse lá fora.
— Então vou desligar aqui pessoal. Me avisem de qualquer coisa.
Ariel então sinalizou que iria sair e todos deram adeus.
Que escuridão é essa? Por que não consigo abrir os meus olhos? Ariel certamente se perguntou o que estava acontecendo. Era a primeira vez que algo assim tinha acontecido com ele. Todas as outras vezes, depois que o jogo finaliza seu carregamento, facilmente poderia remover o aparelho VR e sair, no entanto, não era dessa vez.
E ficou no meio daquele vazio por vários minutos, horas ou um tempo indeterminado. Ariel só tinha a sua própria mente a favor dele, pois ele não possuía corpo. Não tinha pés para que pudesse pisar, nem mãos para segurar ou apontar. Também não tinha sensação de equilíbrio, não sabia se estava em pé ou deitado, se estava com os olhos abertos em um quarto escuro ou com seus olhos ainda fechados.
Ariel ficou assim por muito tempo.
Eu… Morri? Tinha tantas coisas para fazer, e morri. Tinha tantos jogos para jogar, e morri. Tinha tantas garotas que poderiam se transformar em minha namorada, e morri. Por quê? Era para ser seguro, viver em um mundo alternativo sem problemas.
Então, no meio daquele silêncio, Ariel escutou um som de grito. Era como se fosse uma mulher ao fundo. Como ele não podia distinguir direção, era como se apenas tal grito fosse ouvido em sua mente. E depois um barulho seco de algo acertando o chão, um corpo?
Aos poucos Ariel começava a ter sensações novamente, primeiro que estava deitado, depois que estava com os olhos fechados. Foi aí que ele percebeu que toda aquela loucura deveria ter sido um pesadelo, ou melhor, um alerta para que ele cuidasse mais de sua vida real.
E foi aí que Ariel abriu seus olhos.
A primeira coisa que viu foi totalmente diferente de tudo que ele tinha visto antes, árvores gigantes o rodeavam para todos os lados, estava em uma floresta? Apesar de sentir seu corpo, não consegue movimentá-lo, novamente, que ódio!
Ele está sendo carregado em algum tipo de carroça. Ariel consegue escutar o barulho das rodas de madeira movimentando-se acima de cascalho e pedras. De repente ela pára e seu corpo é movimentado para o lado. Foi um puxão que o moveu, depois ele foi arrastado até a borda da carroça. Uma força o segurou e depois o lançou contra algo.
Naquele momento Ariel tinha seus sentidos ligados novamente, mas não tinham sido restaurados. Não viu quem o lançou, muito menos de onde tinha vindo. Foi aí que algo caiu do seu lado e tal como ele, parecia outro corpo. Eu fui… raptado? Era sua última questão, porém, Ariel ainda não sabia o que estava por vir.
Ariel sentiu-se bem mal. Era como se estivesse martelando sua cabeça o dia todo e agora todas as dores pulsavam, sem parar.
Lentamente ele abriu os olhos e sentiu entre seus dedos uma sensação estranha, mas inconfundível, era terra molhada e junto a ela folhas de grama.
Inspirou o ar profundamente e não tinha mais dúvida, estava do lado de fora de sua casa. No entanto, pensativo, se questionava quando tinha se mudado para algum lugar com Jardim. Não, balançava a cabeça negando o que tinha pensado antes. Sua “casa” era um apartamento sem jardim ou praça próximos. Aqui sem dúvidas era uma floresta real.
Tentou se movimentar, mas com muita dificuldade. A cabeça ainda estava doendo e seu corpo começou a sentir isso. Talvez pelo passar do tempo e depois que a surpresa ao acordar terminou, começou também a sentir frio.
Tentou erguer-se mais uma vez. As dores, ainda que estivessem lá, não eram tão fortes quanto as do início. Se apoiou no tronco de uma árvore e começou a encarar onde estava.
Será que eu desmaiei enquanto estava usando o VR e alguém aproveitou para me carregar até aqui fora? Era o que ele pensava. Não, não. Negava novamente. Seu apartamento era pequeno, mesmo assim o porteiro do prédio perceberia se alguém estivesse carregando um corpo.
Ariel olhou outra vez ao redor. Era uma floresta escura com árvores gigantes. A copa das árvores era tão intensa que pouco ou quase nenhuma luz atravessava por seus ramos e galhos.
Apesar do chão de terra sem gramado, suas mãos ainda tinham restos de gramado. Talvez tenha agarrado quando estivesse em outro lugar.
Quando tentou dar mais alguns passos para outra árvore próxima, perdeu as forças nas pernas. Cambaleou até cair próximo a uma pequena colina, escorregando através dela. Merda, minhas forças, meu corpo, e essa dor de cabeça. Por que isso está acontecendo?
Após deslizar alguns metros, pôs a observar o céu. Estava anoitecendo e já podia ver estrelas naquele céu de estranha cor violeta.
— Então já está de noite? — Ajustou-se para que pudesse ficar sentado e logo olhava para ver de onde tinha caído, respirou profundamente e começou novamente o processo de se levantar.
— Ainda bem que não era tão alto. Se fosse um precipício eu já estaria morto. Talvez eu devesse voltar e ver onde eu acordei com mais calma.
Observou um melhor lugar no qual pudesse voltar. Seu corpo ainda estava dolorido e seus movimentos incertos. Mesmo que não fosse tão alto, o barranco do qual tinha caído ainda seria um desafio
Depois de um tempo analisando, confirmou que havia um caminho menos desafiador. Era tal como uma escada feita pelas próprias raízes da árvore.
Sim, balançava a cabeça confirmando. Melhor vir por aqui, pensava.
O cheiro de terra molhada era um alerta, talvez chovesse mais tarde. Ainda assim, enquanto encarava os céus antes de voltar para a floresta, se perguntava onde estava. Não era na Terra, ou era? Também não parecia como nenhum outro VR. Só o fato de sentir a umidade da terra e grama, o cheiro da natureza e chuva, isso definitivamente não era um jogo nem tão pouco um simulador.
Desde que a tecnologia ganhou um avanço radical, muitas coisas foram possíveis, no entanto, não chegaria aos pés desse realismo. Então, o que era tudo isso? Um sonho realista? Ou outro Mundo?
Sentiu-se aliviado por não ter se afastado tanto e mesmo assim a preocupação sobre onde estava não desaparecia. Na mente de Ariel este pensamento o confundia.
— Vamos lá pernas, me obedeçam por favor.
Apesar da cena patética, o garoto realmente estava lutando contra seu corpo que não parecia obedecer.
— Por algum motivo eu penso que estou me movimentando, mas continuo parado…
A sensação é que estava movendo os dedos do pé entre a terra úmida. Mas ele mesmo encarava seus pés e nada acontecia.
O cheiro de terra ficou mais forte e a sensação de colocá-la nas pontas do nariz era tão forte que parecia colocar o rosto na terra.
— Mas, quê? — E sentiu gosto de terra na boca, cuspindo seja lá o que tivesse entrado – o que acabou de acontecer? Por que de repente senti terra na boca?
Que gosto estranho é esse, e por que do nada? Qual o motivo disso? Inúmeras perguntas novamente preencheram a cabeça do garoto.
Ariel conseguiu dar mais alguns passos até voltar para o lugar de onde tinha acordado. A sensação de mover sua perna ao mesmo tempo que tinha outras sensações era algo muito estranho.
Ariel então viu do lado oposto da árvore que tinha segurado pela primeira vez o corpo de alguém. Ele ficou paralisado por um momento, seria o corpo de um morto? Não!
Ariel levou um susto ao ver que o tal corpo tinha movimentado suas pernas como se quisesse dar um passo para trás, porém, deitado no chão daquela forma?
O que Ariel não percebeu naquele momento era que ele mesmo tinha dado alguns passos para trás.
Ariel engoliu a seco todo seu medo e foi até o corpo. Antes só podia ver um pouco dele, agora mais próximo podia ver que era o corpo de uma garota. Assim como ele, estava trajando roupas estranhas que mais lembravam um remendo de trapos e faixas. A coloração também era como se alguém pegasse faixas brancas e sujasse com terra e barro. Estava um nojo sem dúvidas, mas os dois estavam compartilhando da mesma aparência.
Ela estava viva, mas deitada.
— Ei, você… Está bem? — Ariel dava passos tímidos em sua direção.
Ela não estava respondendo, mas parecia murmurar algo. Então Ariel decidiu se aproximar ainda mais.
Era o suficiente para ele colocar suas mãos e assim o fez.
— Garota… Garota… — disse enquanto lentamente se direcionava para tocá-la.
Quando segurou seu calcanhar sentiu como se uma criatura tocasse em sua perna, e por causa da concentração exagerada na garota, levou um grande susto.
— Ah! — saltou para trás quase caindo e por pouco se apoiou na árvore.
Observou atentamente ao redor pensando que algo pudesse espreitar pelas folhas, mas não encontrou nada. Olhou também em direção a garota pensando se ela tinha acordado com o acontecido, porém, nada.
— Será que foi uma criatura? Não, senti como uma mão me segurando.
Ele então se agachou do lado da garota sem perder de vista a direção no qual foi segurado.
Vamos garota você tem que me responder. Ariel pensava novamente enquanto direcionava as mãos para tentar acordar com movimentos em forma de balanço.
E assim que tocou as costas da garota sentiu o mesmo. O arrepio tomou conta de sua espinha e espalhou pelo todo o corpo, até mesmo seus pelos do braço se levantaram.
Já seria tarde se algo estivesse do seu lado o encostando daquela maneira, então, Ariel pensou que ao menos deveria acordar a garota se a criatura estivesse focada em tocá-lo.
E para cada movimento, começando de leve, depois aumentando a intensidade, Ariel que era considerado por seus colegas muito inteligente, percebeu a brincadeira naquela situação ilógica.
A sensação que ele estava sentindo era na verdade a própria sensação de segurar o corpo da garota. Havia um misto entre sentir que segurava algo ao mesmo tempo que algo o segurava.
— Só pode estar de brincadeira… — Virou de maneira que tentava ver suas próprias costas, e confirmando que não havia nada ali que pudesse fazer o mesmo, voltou sua atenção para a garota. — Me desculpe se eu parecer um babaca, mas…
Então ele estendeu as duas mãos e tentou segurar suas coxas, mas seu corpo deu uma leve enfraquecida e acabou caindo em direção às nádegas da garota já que essa era a parte mais próxima dele.
— Ah. Me desculpe… me desculpe. — Tentou se ajeitar, e logo percebeu que, enquanto segurava aquelas partes da garota, algo parecia segurar as suas também.
Ele começou a apertar em momentos de tempo e intensidade diferentes.
— Não é possível, é como se algo estivesse encostando em minha bunda… — Deu uma espiada na garota. — Ela não vai acordar mesmo assim?
Ariel então se movimentou um pouco para pegar a visão do rosto da garota. Como ela estava deitada de barriga para baixo, seu rosto também estava escondido. Ariel então fez um rosto de paisagem ao ver que a garota estava com a cara na terra, literalmente.
Mesmo que ela não estivesse impedida de respirar, ele sabia que alguém normalmente não ficaria naquela posição. Bastou alguns segundos para ele entender de onde estava sentindo aquele cheiro e gosto de terra.
Toda vez que a segurei senti as mesmas coisas. Se eu tentar movê-la de lugar, o que acontecerá? Ariel se perguntava, mas tanto sua curiosidade quanto o sentido de querer ajudá-la eram mais fortes.
Ele então foi até ela e a colocou sobre os braços, erguendo-a do chão. Aquilo era realmente estranho, estava envolvendo-a pelos braços ao mesmo tempo que sentia alguém segurá-lo. Não deveria funcionar dessa forma, certo? Se você coloca as mãos em seu próprio corpo, não deveria sentir calafrios, nem estranheza.
Ariel então ignorou aquela sensação e colocou ela para que ficasse sentada. Como seu corpo estava totalmente molenga, deduziu que ela não estava resistindo. Era como se ele estivesse carregando ou mexendo em um boneco.
Assim que viu seu rosto cheio de terra, limpou as mãos. Ela está fria, muito mais que o aceitável. Além disso, até mesmo Ariel está tremendo. Seja lá como eles foram jogados nesta floresta, não estão vestindo apropriadamente para passar a noite em um lugar tão externo.
— Ei, acorde, você está bem? — Movimentava de um lado para o outro tentando fazê-la acordar.
A garota em si parecia não estar ciente da sua condição, talvez ela mesma estivesse presa em um sonho, ou pesadelo, tal como Ariel estava antes de acordar.
Se ficarem ali, irão morrer de frio. Ao menos ele deveria encontrar algum tipo de lugar para ficar. Talvez se caminhasse por aí, poderia encontrar alguma cabana velha e, no último caso, uma caverna ou buraco em alguma árvore.
— Merda, esses trapos estão ensopados, se não o removermos agora, certeza que vamos piorar rapidamente.
Ariel se levantou e se apoiou na mesma árvore de antes, como a garota está sentada, ela não parece correr perigo por asfixia ou coisa do tipo. Ele deu mais uma olhada ao redor. Como sua dor de cabeça, e aquelas que estavam em seu corpo diminuírem drasticamente, era mais fácil analisar a situação.
— Talvez eu deva ir mais afundo para a floresta? Ou seria melhor descer para a planície e começar a procurar um lugar por lá?
Quando Ariel parecia decidir o que fazer, uma tremenda dor de cabeça o atingiu. Era como se do nada ele ficasse confuso e começasse a ter várias visões aleatórias.
— AAAAAAh, que isso? — Ele caiu no chão ao lado do corpo da garota, colocando as mãos sobre a cabeça tentando diminuir aquela dor. — De novo isso? É muito pior que antes.
Fechou os olhos, mas mesmo fechando-os ainda conseguia ver… espera, que confusão é essa? Não é seus olhos, ou realmente são? Na verdade, o que Ariel estava vendo era seu próprio corpo caído ao lado das suas coxas. Espera aí, pensava, ele agora estava no corpo da garota?
Ele tentou movimentar os braços para alcançá-lo, seu corpo “verdadeiro”, mas o que o movia era o da garota. Ele tinha certeza de que estava no corpo dela pois ao olhar para baixo, além de visualizar suas pernas femininas, também conseguia ter aquela visão de cima do busto.
Ele apenas ignorou o momento e usou o tempo para tentar diminuir a dor de cabeça. Como seu outro corpo estava deitado em cima dele, ele teve que forçá-lo de lado para conseguir se movimentar.
— O que diabos é isso, agora estou no corpo da garota – dizia com uma voz feminina. Ariel olhava seu corpo.
O corpo masculino estava com as mãos na cabeça, tal como ele se lembrava antes de “desacordar”. Agora ele está no corpo da garota e mesmo com um pouco de dificuldade, se levantou.
— O que isso significa? Será que esse corpo na verdade também é meu? — Ele deu alguns passos de lado para ter visão total do corpo estendido no chão. — É por isso que eu estava tendo as mesmas sensações ao encostar nela.
Ariel decidiu encostar com as pontas dos dedos do pé na costela do seu “eu” masculino e pôde perceber que, sim, ele também estava sentindo o mesmo toque no seu corpo feminino. A diferença era que, de alguma forma, aquela sensação era de um estranho tocando-o.
— Mesmo que seja isso, por que estou com tanta dor de cabeça?
Ele, no formato de garota, sentou-se do seu lado e começou a tremer de frio.
— Merda, não adianta nada ficar pensando nisso agora. Vamos tentar tirá-lo daqui… — Ela o puxou para que ficasse de pé, ajudando-o a se apoiar na árvore. — Diferente de quando eu estava no meu corpo, esse é bem mais difícil. Além disso, não estou acostumado com esses seios… eles são… grandes e pesados, isso está me dificultando.
Dizia isso enquanto ajustava seu corpo masculino entre os braços.
— Ah, ele acordou?
O corpo masculino então “acordou”, ou melhor, ficou parado de pé sem que precisasse ajudar ou se apoiar na árvore.
— Ei… você está me ouvindo?
E quando ele abriu os olhos, Ariel conseguiu ver momentaneamente seu próprio rosto, em duas instâncias de tempo ou, se pudéssemos descrever, um sobreposto ao outro. Aquela visão era tão caótica que ele, os dois na verdade, caíram e colocaram a mão na cabeça, fechando os olhos e tentando amenizar a dor de cabeça.
— QUE DOR! — gritou os dois corpos.
— Hã? Quê? — responderam em seguida ao mesmo tempo.
— Por que está falando junto comigo? — perguntou os dois.
— Pare de falar junto comigo — ordenou os dois.
— Merda…
A verdade é que não era outra pessoa.
Ariel estava a todo momento negando essa “realidade”, porém, era impossível ignorá-la totalmente. Os dois eram o próprio Ariel.
Só que agora ele estava com medo de abrir os olhos, pois ao que tudo indicava, sua consciência não estava sendo capaz de decodificar o que ele estava vendo ou sentindo pelos dois corpos ao mesmo tempo.
Ele começou a apalpar o chão tentando encontrar algo que pudesse determinar onde ele estava e depois de um tempo, os dois corpos se chocaram.
— Ah — suspirou os dois.
Eles tinham se tocado levemente e isso foi ainda pior que quando um dos corpos estava desacordado, pois agora, ao mesmo tempo Ariel sentia estar tocando algo como sendo tocado por algo, duas vezes.
Ele recuou por um momento e então respirou profundamente.
Já que estamos um de frente para o outro, talvez isso funcione. Ariel estava pensando na mesma lógica utilizada pelos equipamentos de VR. Cada “olho” tinha um monitor especial que dava ao usuário duas telas com dados diferentes, pelo fato de as visões serem bem semelhantes, o cérebro processava a imagem como uma única já ignorando a interpolação entre as imagens.
Era uma aposta, uma aposta que ele decidia fazer já que seria impossível saírem dali se ficassem com os olhos fechados durante todo o tempo.
Ele então abriu os olhos.
Os dois corpos fizeram o mesmo, a visão ainda era muito estranha e confusa. Imagine como se ele estivesse vendo o mesmo “chão”, mas de dois ângulos totalmente diferentes. Apesar de não ter sido aquela dor intensa de antes, era desconfortável o suficiente para que ele fechasse os olhos novamente.
— Assim não vai dar, eu preciso olhar para o mesmo lugar – afirma os dois.
O problema era que se ele ergue o braço direito, os dois o faziam igualmente. Seus corpos não eram do mesmo tamanho ou os mesmos. Ainda assim, independentemente das diferenças, tentavam reproduzir igualmente os comandos.
Ariel começou a fazer inúmeros testes, tal como se levantar, bocejar, agachar, levantar um ou os dois braços etc. Parecia que aquilo não teria fim e seria impossível continuar até que ele começou a perceber um leve padrão nos sentidos.
O corpo da garota tinha um leve atraso, melhor, ele estava dando a ela esse atraso.
Difícil era explicar como separar sua mente da ação. Você originalmente não pisca ou respira, seu corpo o faz automaticamente, mas você pode piscar os olhos e respirar se quiser, quando quiser. Neste caso, o que Ariel estava tentando fazer era que esses movimentos automáticos deixassem de ser, ao menos no que estava ao seu controle.
Primeiro ele começou a tentar falar apenas com um corpo.
Continuou por vários minutos até que ele falou apenas como a garota.
— Ótimo — afirmou apenas o corpo feminino. — Isso é muito mais difícil do que imaginei.
O truque era “simples”, bastava ele determinar “mentalmente” e ordenar individualmente para algum dos dois corpos. É como se você mandasse uma ordem para o cérebro como “Levantar o braço Direito”, a diferença é que Ariel estava com dois braços direito, então a ordem tinha que ser ainda mais específica, “Levantar o braço direito do corpo feminino”. O problema foi entender quem era o que para essa especificação.
No entanto, havia outro problema. Sua consciência não estava conseguindo assimilar informações ao mesmo tempo em relação a sua visão, mas quando ordenava que apenas um dos corpos mantivesse seus olhos abertos, a imagem e tais dados não era um problema.
Fez o teste, olhando primeiro como seu corpo verdadeiro, depois como o da garota.
Então começou a fazer tarefas mais complexas, como se movimentar de um lado para o outro sem que o outro corpo o acompanhasse.
Mesmo que fosse simples, era, além de bastante exaustivo, também improdutivo. Era como ter que continuamente ser obrigado a manter os olhos fechados, ou um dos braços levantados, para que isso não influenciasse o outro corpo.
— Se continuar assim, vai ser muito difícil. Até então só tenho dois métodos, ou um corpo fica totalmente parado ou em movimento os dois ao mesmo tempo. Pequenas ações como fechar os olhos ou levantar um braço enquanto o outro corpo se move ainda é muito difícil – disse o corpo masculino.
Outra coisa que Ariel desejava testar era o que acontecia quando seu corpo sentia dor. Então ele tentou ficar ativamente no corpo feminino e foi até o seu corpo masculino. Tinha encontrado uma pedra pontiaguda. Ele então segurou uma das palmas das mãos e tentou cortá-la levemente. A pedra era bem afiada e não foi tão difícil.
— Isso dói, mesmo quando minha consciência está praticamente em um único corpo, o outro ainda sente dor e outros sentidos, e isso não posso simplesmente desligar.
Mesmo que ele conseguisse focar toda consciência em um único corpo, se ele deixasse o outro sofrer qualquer tipo de problema grave, isso também o afetaria. Não é como se ele pudesse apenas ignorar o outro. Além disso, a ferida era apenas em um corpo, mas até mesmo estando naquele corpo da garota, sua mão estava ardendo tão forte quanto. Certeza de que se ele fosse ferido gravemente, a dor iria imobilizar o outro corpo igualmente.
— Está muito frio… melhor encontrar algum lugar para passar a noite — disse o corpo feminino, que era o que ele estava focando sua consciência.
Ela foi até o Ariel e se apoiou nele.
Foi um pouco difícil fazer com que ela montasse em suas costas ao mesmo tempo que sua consciência fosse para o corpo masculino, mas conseguiu.
Aos poucos estava ganhando a habilidade de fazer com que ações que deveriam ser mantidas, fossem mantidas. Assim ele ordenava que o corpo feminino se segurasse no corpo masculino e mantivesse essa ação continuamente, tal como estar com os olhos fechados. Enquanto isso, o restante das ações era focado em controlar o corpo masculino.
Mesmo que Ariel estivesse compartilhando a sensação com os dois corpos, pelo fato de estar concentrado no corpo masculino, ter aqueles peitos o pressionando nas costas fazia ele sentir-se desconfortável.
— Isso não vai dar muito certo. Raramente eu fiquei tão próximo de uma garota assim. Mesmo nos jogos RV, pelo fato de não ter nenhuma sensação de toque, isso não era problema, agora, fica assim… é difícil explicar — disse enquanto andava levando a garota consigo.
Caminhou por um bom tempo até que viu uma planície.
Será que ele vai encontrar algo ou alguém que o explique o que aconteceu e o que ele precisa fazer agora? Ninguém saberia dizer, pois a caminhada até encontrar esse “algo” seria bem… bem longa. Ariel e ele mesmo eram os únicos naquela imensidão. Realmente desejava que nenhuma criatura sanguinária o atacasse, não daquela forma ainda totalmente confusa.