Eu, (e) Eu Mesmo e um Mundo Diferente - Capítulo 2
Mesmo que o garoto estivesse convicto em salvar a garota, ele mesmo estava sem energia para continuar. Seu estômago e o da garota emitem o mesmo som, um barulhento e longo grunhido. Estavam ambos famintos.
Foi forçado a colocá-la no chão e fez com que ela se sentasse delicadamente.
A garota ainda estava de olhos fechados, e apenas se lembrar daquela dor era suficiente para fazê-lo sentir dor de cabeça. Isso seria um grande problema já que isso o impossibilitaria de continuar.
Ariel então decidiu sentar-se no chão. Respirava ofegante. Nunca imaginou carregando tanto peso quanto agora, o máximo que carregou naquela outra vida fora sua bolsa com seus aparelhos tecnológicos: um tablet mediano e seu notebook.
O garoto então olhou para a garota e ficou a admirando por um tempo. Ela estava sentada com as pernas cruzadas e as mãos sobre as coxas.
— Agora que vejo com mais calma, você é realmente linda — disse enquanto encarava a garota.
Isso poderia ser considerado estranho? Imoral?
Ariel gostava muito de desenhar e pintar corpos femininos, e aquela garota diante dele era realmente de seu gosto. Tudo bem que ela parecia uma versão feminina do seu próprio corpo, mas, isso só lhe intrigava ainda mais. Por acaso, Ariel tinha algum distúrbio de narcisismo? Ele negava depois de pensar um pouco sobre o assunto.
Mesmo que ela fosse bonita para seus olhos, não era uma pessoa diferente. Aquela garota era, na verdade, o próprio Ariel. Como explicar isso? Ele não sabia e até seria difícil. Nenhum jogo ou história teve algo desse tipo. Até então, o mais comum seria a troca de corpos, e não tê-los ao mesmo tempo.
Suspirava novamente.
— Quem é você? — perguntou mesmo sabendo que ela não o responderia.
Se arrastou um pouco para ficar mais próximo da garota e deitou-se ali mesmo.
Olhou para o céu estrelado.
— E onde estou?
Com tantas estrelas assim, seria impossível estar tão próximo de alguma cidade ou centro urbano. Além disso, os dois tinham acabado de sair de uma floresta. Onde diabos Ariel estava, afinal?
O céu estrelado era bonito e junto com as estrelas, havia manchas coloridas das mais diferentes cores tais como um quadro pintado a óleo. No entanto, Ariel também encarava algumas nuvens carregadas.
— É bem provável que chova… — Deu uma pausa, e se levantou apenas para continuar: — Tenho que arranjar um abrigo o quanto antes.
Ariel deu alguns passos para se ajustar quando sentiu uma grande apertada na bexiga.
“Merda, que vontade é essa de ir ao banheiro?” pensava.
Para todos os sentidos, suas sensações eram compartilhadas. Era claro que isso aconteceria e Ariel já até tinha se preparado, porém, isso seria um trabalho um pouco mais difícil do que ele imaginava. Pois, até então, era o corpo feminino que precisava ir ao banheiro.
Ele olhou para a garota que parecia se movimentar como alguém realmente desconfortável por segurar-se por bastante tempo.
Toda a situação de antes deve ter mascarado a sensação, porém, agora não dá mais para aguentar.
Ariel fechou os olhos e começou a focar sua consciência no corpo da garota.
Quando abriu os olhos, pôs a se observar. Usou as mãos para se apoiar e se levantar.
— Seria muito ruim se ela urinar nas calças —suspirava.
Agora é o garoto que está sentado. Incrível como nessa posição é como se eles estivessem meditando. A garota deu um leve sorriso e se afastou um pouco, mas, sem perder de vista o Ariel masculino.
Aquela cena seria um tanto constrangedora se fossem duas pessoas diferentes, porém, Ariel não poderia correr o risco de se afastar e algo acontecer ao seu corpo.
Ele suspirou e procurou um lugar no qual pudesse ficar. Olhava ao redor apenas para ter a certeza de que ninguém o observava e olhou seu corpo sentado do outro lado.
— Como as garotas fazem isso?
Ela abaixou aqueles trapos chamados de calça e ficou um momento aguardando.
Ele se recusou a olhar para baixo até que finalmente começou a urinar.
A sensação era de alívio, mas também de vergonha. Como não estava acostumado com aquela posição e o jeito que as coisas prosseguem, molhou-se mais do que se usasse o seu “garoto”. De qualquer forma, a sensação de aperto tinha terminado.
Não há nada para se limpar aqui, e pelo jeito, não vão encontrar algo desse tipo tão fácil assim, por isso apenas se ajeitou e caminhou em direção ao garoto.
— Apesar de não ser tão difícil, terei que me acostumar rapidamente com os dois corpos — comentou a garota.
Para fazer ações específicas, basicamente Ariel tinha que controlar manualmente o corpo, e isso que lhe trazia tal estranheza, seria mais fácil se isso fosse feito automaticamente, certo?
— Você não viu nada, né? — perguntou a garota.
— Não, não vi nada, eu juro — respondeu o garoto.
Ariel brincava consigo mesmo, afinal era ele ali e ninguém mais.
— Isso vai me deixar maluco — suspirou o corpo feminino.
De repente um pingo de chuva caiu na sua cabeça e outro no seu corpo. Os pingos também puderam ser sentidos no corpo masculino. Tinha começado a chover.
— Mas que merda, repentinamente começou a chover.
E não era qualquer chuva. A tempestade que surgiu encharcou a planície e seus corpos rapidamente. E era tão intensa, que uma névoa surgiu assim como a chuva, cobrindo a planície e todos os cantos para onde olhassem.
Com o frio da noite e agora molhados, seria questão de sorte não adoecer.
Ainda no corpo da garota, Ariel segurou o garoto pelas mãos e o forçou a se movimentar. Como não tinha testado como correr juntos, assim que começaram, tropeçaram um no outro. Um verdadeiro show de quedas e escorregões.
— Ai, calma… — reclamou enquanto se levantava.
Suspirou e tentou novamente. Caiu.
Mais uma vez… outra falha.
Depois de algumas falhas, conseguiu ajustar os passos para que pudessem correr juntos de uma maneira que não fosse tão problemático, ao menos, para não ficar caindo sem parar.
Até então Ariel estava correndo sem rumo, apenas procurando por alguma árvore ou lugar para se abrigar da tempestade, no entanto, quando subiram uma das colinas, podiam ver o que parecia os restos de um vilarejo.
— O que é isso? Uma clássica vila abandonada? — perguntou o corpo feminino.
Ariel, mesmo naquela situação, ainda era alguém com o verdadeiro espírito de “jogador” e isso preenchia sua energia de jogador. Se antes estavam cansados, agora têm recuperado um pouco dessa energia perdida.
“Eu só preciso ter cuidado e…”, pensou, só que tarde demais. Os dois corpos tropeçaram nas próprias pernas e caíram um sobre o outro, deslizando pela colina em direção ao vilarejo. A queda apesar de não ser tão íngreme, era longa e deslizaram por um tempo.
Aquela queda lembrava o que tinha acontecido com o Ariel masculino assim que acordou neste estranho lugar.
Depois de escorregarem vários metros, finalmente tinham parado.
Instintivamente o garoto tinha abraçado a garota para protegê-la, e por isso foi ele o mais afetado pela queda.
— Que merda, essa dor… — disse a garota.
Como Ariel ainda estava com boa parte da consciência no corpo feminino, era como se ele estivesse sendo abraçado por uma pessoa diferente. Diferente das outras vezes, esse sentimento “compartilhado” não aconteceu.
Ações inconscientes não ativavam as sensações compartilhadas, pensou.
— Que estranho — disse enquanto tirava as mãos do garoto de sua cintura e desgrudava do corpo masculino.
Ele, por outro lado, se posicionou de maneira que ficasse sentado.
Ariel aproveitou que estava no corpo da garota e passou a checar o corpo masculino mínimos detalhes. Também encarou de onde tinham caído e de onde estavam podiam ver o quão alto a colina se estendia.
— Ainda bem que não se feriu tanto, apenas alguns arranhões. — Colocava a mão no seu rosto.
Sentiu a ardência tanto no corpo masculino quanto no da garota e parou de tocar os arranhões.
Ariel se levantou e procurou ao redor. Encarando o que eram os restos de uma antiga vila. Por causa da tempestade, boa parte do seu campo de visão estava limitado e por causa da névoa, isso ficou ainda pior.
No entanto, se considerasse isso como um verdadeiro cenário de vila abandonada, estava perfeito.
Ariel ajudou o garoto a se levantar e os dois começaram a caminhar para a vila.
Era uma vila pequena, de poucas casas e apenas uma rua principal. A maioria das casas tinham seus próprios terrenos delimitados por cercas que já estavam destruídas. Das poucas casas que tinham, eram ainda menos aquelas consideradas “úteis” para se abrigar da chuva.
Ariel foi até aquela que parecia estar em melhor estado – ou pelo menos tinha um telhado ainda funcional – e colocou o rosto para dentro para checar se era seguro.
O corpo masculino estava parado, com os olhos fechados, e embaixo da tempestade. Era uma situação realmente desconfortante, até mesmo para se ver, pois era assustador.
Andar com os dois de forma autônoma ainda era impossível para Ariel, porém, se ele segurasse um dos corpos, ele poderia carregá-lo com um deles ou apenas guiá-lo com os movimentos, por isso, teve que voltar e ir até o garoto para segurar suas mãos.
Os dois entraram pelo espaço que antes seria uma porta.
A casa é consideravelmente pequena, possui apenas dois cômodos, um pelo jeito seria a sala de estar e outro o quarto. A sala está com vários vazamentos e por isso está bem molhada. Além disso, a ausência da porta faz com que esse lugar seja ruim por causa do frio.
Ariel foi até o quarto, esse estava em perfeitas condições, ao menos contra a chuva.
— Pela forma da construção, estamos em algum tipo de período medieval? — Ariel se questionava enquanto analisava ao redor.
Ariel tinha o costume de falar consigo mesmo, algo como pensar em voz alta, e esse costume levou até mesmo para os mundos de RV, aqui, não parecia ser diferente. Ela continuava:
— O teto é feito de madeira e palha, as paredes, de blocos de pedra?
Se aproximou bastante da parede e passou os dedos para sentir sua textura.
— Não se parece com cimento. O que seria isso?
Kaa-buuum. Um som terrível de trovão ecoou pelas suas cabeças e foram forçados a pôr as mãos nos ouvidos tentando amenizar aquela dor repentina. Mesmo que o foco estivesse na garota, teve a mesma sensação ruim no corpo masculino. Os dois quase caíram devido a isso.
— Ah! — gritou, cambaleou um pouco e se apoiou na porta, olhando para o lado de fora. — Isso foi aqui do lado?
O efeito do susto, junto com a dor de cabeça forçou o garoto a abrir os olhos. Quando o fez, a intensa dor de antes voltou ao estalar de dedos.
Mesmo que o ambiente estivesse escuro, e muitos dos detalhes tivessem se perdido pela ausência de luz, suas visões se encaravam e se mesclaram de tal maneira que era impossível distinguir com clareza o que realmente estavam vendo.
O que diabos é essa sensação? É como se várias imagens interpolassem sem fazer muito sentido e suas mentes, buscando sentido naquela loucura, começavam a pedir clemência em um estado de profunda agonia e dor, restava apenas desmaiar para impedir que aquilo continuasse.
Ariel tentou refazer o comando para ter controle apenas de um corpo, porém, nem isso estava funcionando.
— Isso é muito doloroso! Pare com isso! — gritavam os dois.
Isso certamente vai me matar! Pensou. Ariel então procurou rapidamente por uma solução: forçou o caminho até um dos cantos da parede e ficou lá, encarando o completo breu. Era como se estivesse de castigo.
O corpo feminino que era obrigado a seguir as mesmas ordens, caminhou até o que parecia ser uma janela. Como tal janela estava fechada com tábuas de madeira, não dava para ver nada além disso.
Os dois suspiraram com um alívio indescritível e ficaram por um momento agradecendo por não entrarem em colapso. Os dois inclusive estavam lacrimejando de dor ou se pudéssemos pôr em outras palavras: chorando.
Por terem conseguido arranjar um lugar no qual seus olhos, mesmo abertos continuamente, não poderiam infligir aquela dor dilacerante, foi apenas questão de tempo até que Ariel pudesse voltar a ter o controle de antes.
Ele fez com que a garota fechasse os olhos e se agachou daquele lado do quarto. E voltou para o corpo masculino.
Os dois começaram a tremer de frio, muito mais do que antes.
Agora que toda euforia da corrida e esse desespero para conter a dor tinha terminado, seus corpos “quentes” pela emoção começaram a entrar em conflito com a baixa temperatura do ambiente.
Ariel sabia que as casas dessa época eram totalmente ineficientes contra o frio e nessa mesma tinha um lugar para ter uma fogueira interna, só que sem lenha ou fogo, nada adiantaria. Ele precisava arranjar um jeito de se manter aquecido, se não, seria o fim.
— Que frio… — disse tremendo. Segurou sua blusa que estava presa no corpo e continuou: — Com essas roupas encharcadas, se passarmos dessa noite vivos, será um milagre.
Como tinha retomado o controle das ações de maneira individual, poderia procurar algo que lhe fosse útil.
— Será que tem algo que possa nos ajudar aqui? — Começou a procurar por todo o lugar qualquer coisa que pudesse usar.
Procurava cobertores, roupas ou lençóis. E nada.
Quando já estava para desistir, viu um pequeno espaço na parede e notou um baú de madeira.
O baú estava dentro daquele espaço como se a parede fosse feita especificamente para encaixá-lo com um pedaço de lego. Além disso, mesmo que ele aparenta ser tão velho quanto a vila abandonada, estava estranhamente intacto.
Ariel se aproximou e começou a duvidar daquele objeto. Como jogador de aventuras e jogos de fantasia, sabia que era comum ter armadilhas em baús, ainda mais se eles estivessem nessas condições em um lugar igualmente abandonado.
— Será que tem algo útil?
Ele suspirou. Não podia continuar hesitante. Até então não tinha encontrado nada.
Foi até o baú e o puxou do espaço da parede.
Era como se fosse um lugar secreto, além disso, de acordo com as marcas do chão, ele estaria escondido detrás de uma estante. Como o baú estava pesado, tinha algo dentro, e por isso também foi mais difícil movê-lo.
Arrastou o objeto para o centro do quarto.
O frio já começava a limitar seus movimentos, e começou a ter dificuldades de raciocinar.
O baú não possui fechaduras nem cadeados, por isso, Ariel apenas se aproximou, procurando uma forma de abri-lo.
Seria algum tipo de quebra-cabeça, ou seria aberto por voz? Como ele deveria abrir esse baú? Apenas puxar para cima?
Ariel colocou as mãos na tampa do baú e o ergueu. Até foi surpreendido pela facilidade que conseguiu, e isso lhe deixou ainda mais desconfortável.
A garota não parava de tremer.
— Espere aí, deve ter algo que possa nos ajudar aqui — olhou para ela e voltou a atenção para o baú.
Quando o baú se abriu, um ar foi solto, tal como a pressão de uma latinha de refrigerante ao ser aberta. Além disso, uma luz foi emitida pelo baú tanto quanto um clarão. O que foi isso? Se perguntava.
— Qual é desse baú? E que luz foi essa? — perguntou enquanto cobria os olhos.
Quando a luz se tornou menos intensa, pôde ver que o baú tinha uma estranha estrutura interna. Suas paredes eram de um branco intenso e lembravam muito azulejos. Era como se ele estivesse vendo algum tipo de compartimento de ficção científica. E, considerando toda essa loucura, havia algo dentro de um tecido de plástico escuro.
— Uma sacola de lixo? Não… — segurou o saco e o levantou — parece algum tipo de tecido, mas está embrulhado. E o que é isso? — encarava um dispositivo eletrônico ao seu lado.
Aquele dispositivo era um tipo de display semelhante a um tablet. Apesar do design ultramoderno e fantasioso, era como se ele olhasse sua própria versão de tablet que levava para a escola.
— Isso é… Tão estranho quanto minha condição — comentou após olhar para a garota do outro lado do quarto.
Como ainda estava tremendo de frio, não era hora para ficar se indagando.
Ariel ignorou o estranho baú tecnológico e tentou abrir o saco plástico. Aquele “saco” era como um pacote fechado à vácuo e quando o abriu, emitiu aquele som clap, comum dessa situação. Para sua surpresa, tirou algo que lembrava um cobertor ou manto. Esse manto era azulado e possuía alguns emblemas dourados.
Não é tão longo quanto um cobertor e o tecido não parece ser como uma toalha, então, para que isso? Por ser tão curto, não dá para cobrir os dois corpos.
Ariel foi até a garota e como estava com a consciência no corpo masculino, começou a remover seus trajes encharcados. Até então apenas ignorou a situação e quando percebeu o que estava fazendo, paralisou.
É errado isso? Se perguntava.
— Olhe, ainda não sei se você é uma pessoa diferente, então me desculpe qualquer coisa — afirma para a garota e, como esperado, ela não responde.
Como os dois estavam usando trapos velhos, sujos de terra e lama, era ainda mais difícil removê-los, além disso, a garota apenas estava “permitindo” que ele o fizesse, mas não ajudando-o diretamente.
Ariel removeu a parte de cima do traje da garota.
Ela não estava usando sutiã, então, pôde ver seu busto totalmente nu. Ele engoliu a seco a saliva, mas continuou.
Mesmo que hoje em dia – considerando seu antigo mundo – fosse aparentemente normal ter acesso a esses tipos de conteúdo, Ariel não tinha experiências com romances ou contato físico com outras pessoas. E por ser ainda jovem, ele começou a ter pensamentos inadequados para a situação.
Ele parou e fez com que a garota cobrisse os seios.
— Até que eu me acostume com isso, é assim que tem que ser — suspirou.
Ele também fez com que a garota virasse para o outro lado.
— É tão estranho… — olhava para as costas da garota. — É como se eu estivesse sendo observado por um estranho.
Como a garota estava cobrindo seus próprios seios com as mãos, Ariel também começou a sentir aquela sensação.
— Essa sensação macia… — Observou as próprias mãos, sem “nada” para tocar. — Ah, o frio, preciso resolver isso primeiro.
A garota se levantou e Ariel começou a remover a parte de baixo do traje.
Agora ela está totalmente nua.
Ela se agachou e ficou encarando o canto do quarto. Ariel suspirou e a cobriu com aquele tecido. Apesar de não servir como um cobertor, se ela estivesse encolhida daquela maneira, poderia ao menos esconder o corpo.
O corpo masculino começou a remover suas próprias roupas e deixou elas de lado. Ariel tenta ajustá-las de maneira que pudessem se secar, mesmo que fosse improvável.
Ele caminhou em direção ao baú novamente e pegou o tablet, depois disso, voltou para onde estava a garota.
— Se ela continuar assim, vai ficar ainda mais difícil para mim.
Ela se virou – deixando de encarar a parede – e Ariel sentou-se do lado dela.
Nessa situação, estava Ariel e a garota, sentados lado a lado. Apenas ela estava com o pano, porém, era melhor que nada. Se ela conseguir se esquentar um pouco, ao menos eu poderia usar isso ao meu favor, pensava.
Ariel a observou por mais um momento, seu rosto com olhos fechados, depois encarou o tablet.
— Isso é realmente um mundo de fantasia medieval? — Analisava as paredes e o teto “clássico” — Ter isso aqui é meio broxante. — Olhou o tablet e continuou: — Ao menos, isso deve me explicar alguma coisa.
— Não é? Gostaria que fosse um pergaminho mágico — disse a garota.
— Oh, então você também gosta de jogos de fantasia medieval?
— Sim, também gosto.
— E não podemos chamar de fantasia medieval se tem aparelhos como esse, certo?
— Sim — afirmou a garota.
Ariel, que estava olhando para o teto e depois para a janela, soltou um leve sorriso de canto de boca.
— Mesmo que você tenha uma voz tão bonita… conversar comigo mesmo é coisa de louco.
Ariel apesar de jogar muitos jogos com elementos de RPG, nunca experimentou um verdadeiro RPG de Mesa, por isso, não era comum para ele interpretar os personagens como estivesse em mundo diferente, e isso estaria em um nível muito acima do comum.
Ao menos não é como se ele estivesse conversando com vozes do além.
— Como eu deveria te chamar? — perguntou o garoto.
Como era de se esperar, ela não respondeu.
— Meu nome é Ariel, e já é um nome bem feminino, se levarmos em conta. Que tal Arielle?
Sem respostas.
— É, acho que vou te chamar de Arielle.
— Certo, Ariel, eu gostei desse nome — respondeu a garota.
“O que que estou fazendo?”
Ariel suspirou outra vez. E com o tablet na mão, tentou ligá-lo de alguma forma.
— Como estamos praticamente vendo o mesmo objeto, talvez não seja tão dolorido se você abrir seus olhos agora, certo?
Ariel estava preocupado com aquela dor voltar a afetá-lo, mas ele não poderia fazê-la ficar com os olhos fechados para sempre. Correr juntos ou até mesmo de forma individual era uma questão de vida ou morte aqui. Se isso não é um pesadelo maluco e se ele não conseguir remover essa conexão, ele precisaria controlá-la com perfeição.
Ele lentamente fez com que a garota abrisse os olhos. Também fez com que ela segurasse o tablet junto com ele. Então os dois estavam tanto segurando o objeto quanto o encarando.
— Apesar de ser um pouco desconfortante, dessa forma não é impossível como antes — afirmou o garoto.
A visão ainda tinha algumas situações estranhas tal como se forçar a visão para não focar em algo – literalmente vendo duas variantes de um mesmo objeto – porém, foi questão de tempo até que essas variações começassem a sumir. O pouco que sobrou não era suficiente para causar a estranheza.
De qualquer forma, o processo não foi rápido, ainda que tivesse funcionado.
— Não sei se já posso começar a querer ver duas coisas ao mesmo tempo… — lentamente tentou distanciar o foco para lados opostos, só que isso ainda não seria possível. — Aí já é demais para mim.
O frio apesar de continuar, tinha se tornado menos intenso. Por causa do pano, conseguiram se secar um pouco e a garota já estava ligeiramente melhor. Não poderia fazer mais nada agora, e por isso teria que apostar na sorte se conseguiriam passar a noite sem mais problemas.
Ariel não conseguiu ligar o tablet, então apenas ficou pensando no que poderia ter acontecido com ele para que chegasse até esse ponto.
— Mesmo com fome e exausto, está difícil dormir. O frio também atrapalha, e o medo de fechar os olhos e não abrir eles novamente, é uma tortura mental.
Ariel olhou para Arielle. Ela estava dormindo, sentada e apoiada na parede do outro lado.
— Ao menos eu posso fazer com que um corpo durma enquanto o outro está acordado.
O que era estranho para Ariel é que apesar da garota estar claramente dormindo, ela não estava sonhando. Ou seja, os sentidos compartilhados eram limitados apenas à ideia mais básica de sensação, tato, olfato, audição, visão… Coisas do tipo, porém, se levássemos em conta qualquer tipo de consciência ou subconsciente, não chegava a tanto.
— Seria possível tirar alguma lógica disso? Não, acho que não. Além disso, nunca fui fã de ficções científicas. Se apenas houvesse magia, seria muito mais fácil explicar, né?
Ariel bocejou, mesmo que o medo de não acordar estivesse o alertando para não dormir, seu corpo estava cansado por toda aquela “aventura”.
— Eu… não… posso dormir agora… posso?
Ariel então fechou os olhos e dormiu.