Eu, (e) Eu Mesmo e um Mundo Diferente - Capítulo 3
Se pudéssemos descrever, você estaria em um campo florido.
Grandes planícies que se estendem para todos os lados, quilômetros de distância. As subidas e descidas lembram as ondas em um mar aberto, no entanto, és verde e colorido. As flores todas balançam conforme o vento percorre pela planície e o aroma doce inunda seus sentidos.
Você não se vê, pois não está ali.
O que vê, tal como é, te lembra um drone, pois agora estás voando por cima do gramado e por toda aquela planície. Se o foco era no solo e terreno, agora não mais.
Sua visão é mergulhada com tons de azul, roxo e lilás – pois, agora estás vendo o céu, magnífico e infinito.
Voa pelo céu com o horizonte mais à frente.
Quanto tempo estás voando e não vê nada além de morros cobertos de flores e o céu azulado? Já não és mais dia. A noite estrelada cobre todo o céu e o movimento para. Você não está mais voando, porém, ainda está acima do chão.
Encara a paisagem como a de um quadro, repleto de cores e fantasia. Então… Tudo se quebra, como se encarasse um espelho e seu reflexo. As rachaduras mostram-te o fundo desta “pintura”, um breu absoluto, o nada.
Pouco a pouco, pedaços da sua realidade se destroem.
Você perde seus sentidos.
Ariel recobra os sentidos.
— O que foi isso? — disse ainda sonolento enquanto abria lentamente os olhos.
Tentou se espreguiçar, porém, algo estava sobre seu corpo. O garoto tinha dormido de lado quando despertou e por isso teve que se ajustar para voltar a se sentar. À medida que voltava a si, começava a se lembrar do que tinha passado na noite anterior.
Colocava as mãos no rosto e fechava os olhos. Inspirava profundamente.
— Então foi tudo um pesadelo? — Tentou se levantar. Porém, algo o impediu. — O que é isso?
Removeu sua coberta e viu a mesma garota do seu “pesadelo”. Ela ainda estava nua, assim como ele, e agora estava deitada, agarrada em sua cintura. Ariel sentiu-se um certo arrepio, pois começou a ter aquelas mesmas sensações loucas de antes.
— Isso não foi um pesadelo? Mas… — Ele ficou em silêncio, olhou para todos os lados, era seu quarto, sem dúvidas. — Ei, você, acorde!
— Hmmm, me deixe dormir mais um pouco, hoje não tem aula — disse a garota enquanto apertava-o e esfregava seu rosto em seu abdômen igual a um gato.
— É isso que você está se preocupando agora? — perguntou Ariel tentando manter a calma.
Ela abriu os olhos e virou de um lado para outro, fazendo com que a ponta do nariz encostasse em suas costelas. Ariel soltou um grito surpreso.
— Haha, Bom dia Ariel — afirmou enquanto olhava para cima, desgrudando o rosto do seu corpo.
Ele estava respirando com certas dificuldades, pois ao mesmo tempo que não queria gritar, estava começando a perder controle do seu “garoto”. A garota por outro lado, ainda estava o segurando pela cintura e tinha seus seios pressionados contra seu corpo.
— Bom… bom dia? — disse olhando para o lado.
— Por que esse nervosismo todo?
— Por quê? Você está nua! — comentou nervoso.
— Ué, você também, então estamos quites. — A garota afirmou e voltou a deitar sobre ele.
— Esse não é o problema aqui.
— Se esse não é o problema, então não tem por que ficar tão nervoso.
— Ok, ok. — disse enquanto empurrava levemente a garota de si. — Só pare de me agarrar.
— Hmph, você não reclamou a noite toda, e só foi acordar que está desse jeito — disse ela, enquanto se afastava. Como estavam na cama, ela pegou a coberta para si e se cobriu. — Melhor agora?
— Ei, você tirou toda a coberta — falou Ariel enquanto escondia seu companheiro lá de baixo.
— Bem, diferente de você, eu não tenho problemas algum nisso — ela o encarou ainda mais de perto, e depois se abaixou como se quisesse ver além das mãos de Ariel, seu “pacote”.
— Pare com isso! — ele se levantou e foi até a porta do quarto, andando com dificuldade pois ainda tentava esconder seu amigo.
Deu alguns passos andando de costas até que encostou na parede. Nesse momento Ariel aproveitou para analisar sua situação. Estava em seu quarto, certo? Aquela era sua cama, ali sua escrivaninha. Então do outro lado deve estar o aparelho para se conectar a WFW. Espere, onde está? Se perguntava.
— O que está procurando? Isso? — ela removeu o cobertor, mostrando seu corpo.
— Quê! Não! — ele cobriu seu rosto, mas, vendo que lá embaixo foi descoberto, dividiu a atenção entre as duas partes. — Por que está agindo assim? Quem é você?
— Já esqueceu de mim? — Fez uma cara feia. — Eu sou a Arielle… você mesmo deu meu nome.
— Sério? Do pesadelo?
— Pesadelo? Que cruel… — deitou-se de bruços, encarando-o. — Não, da realidade.
— Por que você está no meu quarto? Como você veio parar aqui? — Ariel procurava algo para proteger seu amigo e puxou a capa de um jogo, do próprio WFW.
— Seu quarto? — ela olhou ao redor, verificando com atenção cada detalhe. — Então esse é seu quarto? — Arielle se levantou e começou a olhar para as estantes e depois para a escrivaninha.
Ela não tinha nenhum pudor, apenas se levantou deixando a coberta de lado, e isso deixou Ariel ainda mais desconfortável. Caminhava nua de um lado para o outro, se abaixando para que pudesse ver os objetos acima da mesa, ou ficando nas pontas dos pés para que encarasse as prateleiras acima.
Ariel era um amante de jogos eletrônicos, então nas suas estantes havia inúmeras capas de jogos para colecionador – quando há a mídia física. E na sua época, tê-los fisicamente era algo raro, caro e para muitos considerado como uma perda de tempo e recursos, porém, para Ariel, esse era um hobby que gostava de ter.
Além disso, Ariel também era aficionado pelo corpo feminino, então havia prateleiras exclusivas para os mais variados tipos de action figures entre outros bonecos, esculturas e miniaturas, todas de personagens femininas, com ou sem roupa.
— Oh… — Olhava para Ariel, depois para a personagem na mesa. — O que temos aqui?
— Ei, não encoste nisso.
— Isso? — ela se inclinou para frente e para trás, fazendo balançar seus seios.
Ariel virou-se de lado.
— Ariel, me diz aí… — disse Arielle enquanto segurava uma daquelas figuras. — Você está todo envergonhado, porém, seu quarto está repleto disso, então, não é meio sem noção o que estás fazendo?
— Por que você diz isso?
— Não é a primeira vez que está vendo um corpo feminino nu, então, para que toda essa reação?
— Você não é um boneco… — Ele a encarou por um momento, mas como ela ainda estava daquele jeito, debruçada na estante, ele voltou a olhar para parede. — Além disso, me responda, por que está aqui?
— Por que eu não deveria estar aqui, Ariel? Afinal, estamos juntos nisso — disse enquanto colocava a figura novamente no lugar.
— O que você quer dizer com isso?
— Você, eu, estamos juntos… afinal, somos a mesma pessoa.
— Não! Você é uma garota, — afirmou com vigor e a encarou — e, eu não sei quem é você.
Ela olhou para o próprio corpo, segurando os seios e o pressionando para cima. Ariel virou-se de lado, evitando olhar para ela.
— Realmente, sou uma garota.
— Dá para parar com isso?
— Por que está virando o rosto? Quando me fez fechar os olhos, ficou me encarando… “você é realmente linda”, foi o que você disse, certo?
— Você estava ouvindo?
— Claro! Afinal, somos a mesma pessoa.
— Isso não está certo.
— Ei, ei, Ariel… você não me acha linda? — disse com uma voz sedutora.
— Pare de fazer essa voz…
— “Mesmo que você tenha uma voz tão bonita…” — repetiu Arielle algo que Ariel tinha dito “noutro mundo”.
— Pare com isso… — suspirava — já entendi, ok.
— Você não gosta disso? — continuou mexendo nos seios.
— Se continuar, vou sair. Faça o que quiser sozinha. — Ariel se virou e tentou abrir a porta do quarto, no entanto, em vão. — O que há com a fechadura? Não quer abrir?
— Claro que não vai abrir.
— Por quê?
— Enquanto você não me aceitar, não há como sair.
— Não fale baboseiras. — Tentou novamente abrir a porta.
Ariel estava com o rosto pressionado contra a porta. Suspirou novamente e olhou para Arielle.
— Você consegue abrir a porta?
Ela caminhou até ele, e por isso ele deu alguns passos para trás se espremendo na medida que podia.
— Já te disse, você não precisa ficar todo acuado. — disse e colocou a mão na maçaneta, também tentando abrir.
— Conseguiu?
— Não… Como eu disse, não poderemos sair até resolver nosso problema.
— Como assim?
— Ariel, meu garotinho — se virou e colocou as mãos em seu rosto.
— Ah! — disse enquanto ficou paralisado pela surpresa, inclusive, deixando cair a capa que protegia suas partes secretas.
— Você acha que aqui é o mundo real?
— E, não é? — respondeu confuso.
— Não. Olhe pela janela. Não sei como você sequer notou isso. — Tirou as mãos do seu rosto para que ele pudesse visualizar a janela e se afastou um pouco para o lado. Continuou: — Estava tão preocupado em me evitar que esqueceu o mais importante.
Ariel então encarou a janela.
— Que diabos é isso?
Ariel que estava todo tenso, logo “esqueceu” seu problema ao ver um problema ainda maior. Da janela podia ver algo como um gigantesco vórtice, ou era a visão de um buraco negro? Como? Isso é Real? Inúmeras perguntas começaram a inundar sua cabeça.
Ele andou até a janela e viu que seu quarto era, na verdade, apenas um cômodo cercado por paredes e um teto, voando no meio do nada. Ou melhor, nesse abismo.
— Viu — afirmou a garota, enquanto caminhava para a cama e sentou-se, cruzando as pernas.
— Como posso explicar isso? — Ariel foi até a janela e a levantou. — Que lugar é esse?
Mesmo que nitidamente “algo” estivesse se movimentando lá fora, com explosões e tempestade, não havia som algum, também, não havia cheiro, nada.
— Também não sei. — Arielle “saltou” de costas na cama abrindo os braços. — Será que não é sua mente?
— Duvido muito. — Quando Ariel voltou sua atenção para o quarto, viu Arielle naquela posição que, ao mesmo tempo o lembrava de um antigo símbolo religioso, quanto era extremamente sensual. — Por que você está assim? Por favor, se cubra! — caminhou rapidamente para a cama, evitando olhar para ela e pegou seu cobertor, cobrindo-a.
— Há! Não precisa pular em mim assim! — disse Arielle.
— Olhe, Arielle, eu sei que há coisas mais importantes para eu ter que me preocupar, mas… como posso dizer isso… — Ele se sentou do lado dela, já que estava totalmente coberta e continuou: — Minha experiência com isso é zero, então, eu realmente não sei como reagir aqui, apenas me dê um tempo.
— Te entendo, mas, Ariel — disse enquanto apontava para a lixeira do lado da escrivaninha — Como sua experiência ainda é zero? Você não está praticando demais?
— Praticando demais? — Olhou para onde ela apontava, e vendo a lixeira cheia de bolinhas de papel, logo se levantou. — Quê? Não! Não é isso que você está pensando, são apenas rascunhos, esboços que não gostei e descartei.
Apontava para a escrivaninha com seu bloco de desenhos.
— Haha, não precisa criar desculpas esfarrapadas. Você ainda é jovem, te entendo. Vamos, sente-se na cama.
— Você… — Por um momento ficou nervoso, mas, vendo que Arielle tinha esse jeito estranho de agir, suspirou e voltou a se sentar. Olhou para a porta do quarto antes de continuar: — Então, o que podemos fazer para sair daqui? Se isso não é o mundo real, é um pesadelo?
— Eu não sei. — Ela engatinhou para que ficasse ao lado dele. — Só sei que aqui é bem melhor que lá fora — disse enquanto os dois olharam pela janela.
— Se sairmos daqui eu irei acordar naquela cabana abandonada, ou no meu quarto verdadeiro?
— Você realmente quer voltar?
— Claro! Eu sequer sei como vim parar aqui, como acordei naquele lugar… e, além disso, e minha família e amigos? O que está acontecendo! Eles sabem que eu desapareci? Morri? — Ariel começou a chorar.
— Acalme-se Ariel, vem cá. — Ela o forçou a deitar no seu colo. — Sei que pode ser difícil agora, mas você tem a mim aqui, não estás sozinho.
Arielle passou as mãos no rosto de Ariel, limpando suas lágrimas.
— Se você é eu, então isso significa que ainda estou sozinho — se lamentou.
— Não é bem assim. — Ela deu um sorriso inclinando o rosto para que ficasse próximo ao dele. Também apertou suas bochechas antes de continuar: — Você está falando ou agindo por mim?
— Não, mas…
— Xiu! Sem “mas”, ou você quer que a mamãe aqui pare esse choro de outra forma? — disse ela removendo parte do cobertor como se fosse dar de mamar para um bebê.
— Não… tudo bem. — Ariel suspirou.
Ariel ficou ali durante um tempo enquanto Arielle acariciava o topo da sua cabeça e mexia nos seus cabelos.
— Está mais calmo?
— Sim, obrigado — respondeu Ariel. — Então… o que você é, realmente?
— Não sei te dizer — ela levantou o indicador como se tivesse uma grande ideia e afirmou: — Ei, eu sou você.
— Isso você já disse, mas como?
— Bem… Algo que você criou?
— Não me lembro de ter criado nada disso.
Ariel se levantou e olhou para Arielle encarando-a por um tempo. Ela se parece com ele, em todos os sentidos, como se fosse um irmão gêmeo, porém, Ariel nunca teve irmãos ou primos que se parecessem tanto com ele, então, como? Pensava.
— Se continuar assim, vou ficar com vergonha — disse ela brincando.
— Me desculpe. — Voltou a se ajustar na cama.
— Bem, por que não recomeçamos?
— Como assim?
— Eu me chamo Arielle e gosto muito de jogos de fantasia! — gritou, e antes que Ariel dissesse qualquer coisa, continuou: — E, como podes ver, sou linda!
— Só isso? Haha, ok, vou brincar contigo. Me chamo Ariel. Também gosto de jogos de fantasia e… — Olhou para Arielle e engoliu a seco, virando-se para o outro lado — E é isso.
— Isso não é justo!
— O que não é justo?
— Não vai dizer que gosta de mim?
— Por que eu diria isso?
— Eu entendi errado então? — ela fez uma cara aborrecida e colocou as mãos para apoiar o rosto.
— Eu acho você bonita, sim, mas não significa que gosto de você.
— Ah, estou sendo rejeitada? — pulou na cama como se levasse um tiro, ficando de barriga para baixo.
— O que é isso do nada?
— Brincadeira! — Olhou para trás, vendo Ariel rir um pouco.
— Ah, sua… haha — Ariel riu.
— Hehe — Arielle riu.
Os dois pareciam estar se entendendo bem melhor que antes. Mesmo que para Ariel aquela garota não tivesse nenhum senso comum, ela não parecia estar mentindo sobre seus sentimentos, pois ela era, daquela forma, ela mesma.
Porém, o que isso significaria? Ela era ela mesma, mas ela também era ele, então, ele era ela? Que confusão. Ariel deitou-se e olhou o teto do seu quarto.
É incrível que, mesmo sendo apenas uma cópia do quarto, foi copiado em todos os detalhes, até mesmo a placa que saltou no inverno passado se manteve.
Arielle rastejou para o seu lado e segurou suas mãos, também olhando para o teto.
— Arielle?
— Obrigada, Ariel.
— Hmmm?
— Mesmo sobre tudo o que aconteceu, você me protegeu e me priorizou em suas decisões.
— O que isso, do nada?
— Sua preocupação na floresta… quando você verificou se compartilhamos as mesmas dores… quando caímos naquele barranco… o manto que me deu para me aquecer… Tudo isso. Obrigada.
— Bem, não sei se mereço agradecimentos por isso, afinal, estava sentindo as mesmas dores, então, seria mais para me proteger, certo? — disse Ariel enquanto voltava a se sentar, e deixava de segurar as mãos da Arielle. — Se eu salvo alguém de um incêndio, apagando o fogo, porque não queria morrer queimado, não dá para me parabenizar por salvar aquela pessoa.
— Não! — Ela se levantou e foi até ele, abraçando-o pelas costas. — Você sabe que não é isso. No momento que você poderia se salvar apenas fugindo do fogo, mas decidiu apagar o fogo, você ajudou a outra pessoa e tem que ser parabenizado por isso sim!
— Se pensar dessa forma, creio que sim.
— Por isso gosto de você!
Mesmo que seus seios o pressionaram dessa vez, Ariel não sentiu-se tão desconfortável quanto antes, aliás, diferente de todas outras vezes, ele sentiu-se não só calmo, mas agradecido por alguém o abraçar ali. Lágrimas voltaram a aparecer.
— Arielle, você vai continuar desse jeito quando voltarmos?
— Não.
— Não? Então… por quê? — “por que estou passando por isso?”.
— Ainda não, pelo jeito eu só posso ser assim aqui dentro desse quarto.
— Entendi.
— Espero que você continue me protegendo e não me abandone, Ariel. Eu agradeceria muito.
— Nunca pensei nisso, e agora, jamais pensarei. — Ele segurou as mãos de Arielle que o abraçavam e fechou os olhos.
— Haha, isso, Ariel, mostre que você é um homem de verdade — se afastou e deu um leve empurrou nas suas costas.
— Ai, isso dói!
— Obrigada outra vez. — Ela se aproximou, apertando-se ainda mais sobre ele. — É hora de voltar Ariel.
— Voltar? Ah, certo. Iremos nos ver novamente?
— Viu, você gosta de mim — ela sorriu.
— Quê? — ele suspirou e olhou para ela. — Não é como te odiasse.
— Sim, assim espero. Até a próxima Ariel.
Esse “mundo” começou a entrar em colapso e Ariel parecia estar sendo levado para outro lugar.
— Então é assim que é acordar de um sonho “vívido”? — questionou ao olhar ao redor.
Tanto o seu quarto quanto a própria realidade começaram a rachar e quebrar em diferentes fragmentos daquele vidro espelhado. As rachaduras ganharam forma de grandes buracos e quando apenas alguns pedaços daquela realidade se mantiveram, o que era “Ariel” naquele espaço infinito, desapareceu.
Ariel acordou, outra vez, só que agora na tal cabana abandonada.
Ele suspirava enquanto olhava ao redor. Tinha amanhecido. Então eles dormiram durante toda a noite. Ele olhou para baixo e a garota estava dormindo agarrada nele, semelhante àquele outro “sonho”.
— Ei, acorde! — Balançou a garota, mas, ela não o respondeu. — Então tudo aquilo foi um sonho? Um sonho dentro doutro sonho? — perguntou enquanto olhava para o lado oposto da garota, ainda estava com aquele estranho tablet.
O objeto possuía um designer diferenciado, mesmo que o lembrasse um pouco aquele que usava na escola, não tinha conseguido fazê-lo funcionar.
Seu estômago roncou tão alto quanto o motor de uma moto.
— Que fome… — disse Ariel.
Arielle está acordando. Ela abriu os olhos.
— AH! — gritou os dois.
— Fecha o olho, fecha o olho — disse Ariel. — Ainda não consigo ter os dois corpos olhando ao mesmo tempo!
Os corpos ainda fazem certas ações automaticamente, e seria muito arriscado tentar mexer nessas ações e acabar interferindo em coisas que não deveria. Mesmo assim, apenas o corpo masculino abriu os olhos e fez com que a garota se sentasse apropriadamente.
— Bom dia Arielle — comentou Ariel.
Sem respostas.
— Como pensei, acho que não será como naquele sonho — comentou, levantando-se. — Lá fora havia cercas e parecia algo como uma horta. Será que tem algo que possamos comer?
Ariel parou por um momento e olhou a garota com aquele manto.
Agora que está de dia, mesmo que as janelas estejam com tábuas, o sol ilumina boa parte do quarto. Além disso, do outro cômodo sem porta, a claridade revela com mais clareza não só o quarto como todos outros detalhes.
— Deixe-me ver isso aqui.
Ele foi até ela e pegou o manto. Como ela estava encolhida, não precisava se preocupar em ver o que não precisasse.
— Isso não era um cobertor né, e tão pouco uma toalha, então, o que é isso?
Ariel estendeu o manto no chão e viu que os símbolos de antes não eram apenas desenhos aleatórios. Por causa da escuridão, quase não conseguia distinguir, porém, não tinha dúvidas. Esse manto era um mapa.
— Isso é um mapa, certo, e bem detalhado. — Seu senso de jogador voltava a apitar. — Parece ser a ilustração de um reino? Continente?
Ele se sentou próximo do mapa e começou a analisar. E, antes de continuar, novamente seus estômagos começaram a chorar de fome.
— Merda, não dá para pensar direito com essa fome. E há a Arielle, não posso deixá-la… Ah, vontade de ir ao banheiro… de novo.
Como Ariel ainda não conseguia controlar os corpos ao mesmo tempo, teve que fazer uma pausa e ir, tanto com o corpo masculino quanto o feminino, no “banheiro” improvisado do lado de fora.
Agora era a vez da Arielle.
Ariel vai levar um bom tempo para se acostumar, não só com a sensação, mas com todas as “regras” para que isso funcione bem.
— Merda, isso… Será que é melhor se eu fizer assim? — Fruaa — Hmmm, o que foi isso?
Teve que fechar o túnel antes da partida do trem.
Arielle olhou ao redor, procurando saber de onde tinha visto aquele som. Uma criatura? Um animal? Pensou. Seu corpo ficou paralisado de medo já que um tufo de gramaalta começou a se movimentar ferozmente de um lado para o outro. Eu vou ser atacado?
— O que eu faço…
Arielle prendeu a respiração e tentou fazer o mínimo de som que podia.
O mato não parava de balançar. O que poderia sair daquela situação?
“Se for uma criatura, preciso usar meu corpo para chamar a atenção e assim fugir com a garota”, tentava pensar em uma solução quando todo aquele mistério foi solucionado de repente: um esquilo saltou do tufo de grama.
— Ah, é só um esquilo… Não, que porra é essa. Isso não é um simples esquilo — disse enquanto dava alguns passos para trás.
Além de ser realmente grande para um esquilo normal, ele mostrou presas afiadas como uma criatura carnívora, e devido seu porte atlético, era como se o animal estivesse fazendo flexões e abdominais o dia todo, inclusive malhando as pernas durante a noite.
Não é momento para fazer piadas, Ariel.
O esquilo colocou as duas patas no chão e se preparou para dar o bote, antes, estava em pé com as duas patas traseiras. Quando ele se abaixou e começou a correr, Arielle fechou os olhos esperando o pior.
Slash, um som cortante.
Squiiiish, um grito intrigante.
Era a criatura, ela tinha sido acertada.
Respingos de sangue soltaram e caíram na cara de Arielle, e ela abriu um dos olhos e pode ver o tal esquilo cortado ao meio, com suas entranhas se espalhando pelo chão.
Ela estava tremendo – Ariel estava tremendo – e lentamente olhou para o lado de onde tinha vindo o golpe.
Era alguém vestindo roupas que lembravam um uniforme militar e em poucas partes do corpo havia algumas placas de armadura, ou seja, alguém como um soldado de jogo de fantasia medieval.
— O que foi Henrix? — gritou outro homem, saindo de trás da quina da casa. — O que aconteceu para você vir correndo para cá… — Ele continuava até que olhou para Arielle.
— Apenas segui o nosso fugitivo, e encontrei ela. — Movimentava a espada com velocidade para se limpar do sangue antes de guardá-la em sua bainha.
— Quem é ela? — perguntou o outro.
— Não sei… — disse Henrix.
Arielle que estava querendo urinar, acabou urinando-se toda pelo medo, inclusive estava agora cheia de terra por cair no chão.
Ariel era conhecido pelo WFW como um dos melhores jogadores e até lá ele tinha enfrentado criaturas horríveis com suas armas e magias, no entanto, a realidade daquele mundo estava limitada não só pelas limitações que a tecnologia atual possuía, como também a censura para as idades, então, não havia sangue ou tripas.
E, não havia dor nem “perigo”. Ela continuava tremendo e olhando para o chão, vendo aquele “esquilo” destroçado com um inconfundível cheiro de ferro: sangue.
Ariel apesar de conseguir evitar vomitar na hora, não conseguiu evitar se mijar de medo.
— Ela se mijou toda.
— Eu sei Pivot, não precisa dizer o óbvio. Por que ela está aqui? — Se aproximou de Arielle que ainda estava paralisada — Ei… Ei, você consegue me entender?
— Será que é uma bruxa? — perguntou Pivot.
— Você não acredita nesses contos de fada, né?
— Não, mas, como ela está… bem… Nua e neste lugar, pode ser que é uma bruxa, não?
Barulhos de placas de aço e botas ecoaram ao fundo.
— Henrix! — gritou outro soldado.
— O que foi? — respondeu aos gritos Henrix.
— Você tem que ver isso, encontramos um garoto dentro da casa, e, bem… — dizia enquanto caminhava para próximo dos outros dois, e ao ver a garota, parou. — Vejo que você também está com algo digno de nota aqui.
— E então, o garoto… O que há com esse garoto? Ele está vivo? — comentou Henrix.
— Sim, porém, como posso dizer, está paralisado. — Ele se inclinou para ver a garota e continuou: — Igual a ela, peladão também.
— Igual a ela? Entendi. — Henrix se levantou e olhou para Arielle. E depois encarou o terceiro soldado. — James, pegue algo para cobrir a garota.
— Vai você, ué — respondeu James.
“O que está acontecendo… o que está acontecendo? Quem são esses homens, e… o que é essa criatura… Espere, Ariel, acalme-se, respire, inspire, agora não é a hora de paralisar de medo”.
Arielle olhou de canto dos olhos.
Ela não consegue entendê-los. Então, o que estão falando durante todo esse tempo? Eles vão atacá-la? Estuprá-la? Matá-la? E se isso acontecer, seu outro corpo vai sentir o mesmo? Se ela morrer, ele morre? Respira Ariel. Se controle.
— Henrix, ela está se movimentando — disse James, apontando para ela.
Pivot e James sacaram suas espadas, mas Henrix fez com que eles recuarem.
— Você consegue me entender? — perguntou novamente Henrix.
— Eu… não sei o que você está falando — disse Arielle.
— Que idioma é esse? — indagou Henrix.
— Seria o humankind? — perguntou James.
“Humankind? Humanidade, diz ele?” pensou Arielle.
Arielle fez um sinal positivo e repetiu: Humanidade.
— Nós temos alguém que fale humanidade? — perguntou Henrix.
— Se não me engano, Juliet, a nova escrivã, disse que estava estudando os antigos algum tempo atrás, não é? — perguntou James, encarando Pivot.
— Sim, isso mesmo — respondeu Pivot.
— Ah! — Arielle soltou um grito e colocou a mão no rosto.
— O que houve? — perguntou Henrix.
O que foi isso, algo o tocou. Ou melhor, algo tocou seu corpo masculino. Foi um toque metálico e frio. Apesar de não ter tentado fazer movimentos simultâneos, Arielle fechou os olhos por um momento e se agachou. Enquanto isso, Ariel abriu seus olhos e viu o pomo de uma espada, encostando suas bochechas.
— Hey, Mark, ele acordou — disse outro soldado.
— Finalmente voltou para nós, hein? — Se aproximou de Ariel e ficou próximo a ele — Me diz… Quem é você e o que está fazendo aqui?
— Eu… eu não te entendo — disse Ariel.
— Que língua é essa? — perguntou Mark.
— Não sei, nunca ouvi falar — respondeu o soldado.
Lá de fora alguém veio correndo e gritando.
— Mark, onde está Juliet? — perguntou James.
— Ela ficou no acampamento. Por que está perguntando sobre ela? — perguntou Mark.
— Encontramos uma garota que fala humanidade atrás da cabana, Juliet não disse que estava estudando os antigos? Talvez ela saiba se comunicar com… — Ele se aproximou e viu que o garoto tinha acordado. — Ele acordou?
— Sim, e parece que fala em uma língua estranha, talvez seja humanidade também — afirmou Mark.
“Por que eles estão falando humanidade toda hora? Que isso significa?”
Do outro lado, com Arielle.
— Ei, você está me ouvindo, o que aconteceu? — perguntou Henrix.
— Acho que ela não está nos entendendo, senhor — disse Pivot.
— Deu para perceber, obrigado senhor óbvio. — Ele se levantou e apontou para um dos lados da vila abandonada — James foi procurar a Juliet?
— Não sei.
— Então, pegue você algo para ela vestir.
— Certo, Henrix — afirmou Pivot.
“Como ainda não consigo controlar meus sentidos entre os dois corpos, eu preciso ficar alternando entre eles”.
Ariel estava conseguindo ouvir duas conversas ao mesmo tempo, porém, sem saber como organizar seus pensamentos, algumas frases estavam sendo perdidas durante essas trocas.
— Ela também está pelada? — perguntou Mark.
— Sim, senhor — respondeu James.
— Que diabos está acontecendo aqui? — Mark se levantou e foi até o baú que ainda estava aberto. — Vocês já viram algo assim?
— Não. Nunca.
— Seja lá o que ele ou a garota estava fazendo aqui, pode ser perigoso — afirmou Mark.
— O que você quer dizer com isso? — perguntou James.
— Com as bestas aparecendo e os animais sendo contaminados, isso significa que A Praga deve ter retornado — completou Mark.
— Mas que caralhos… isso, você tem razão — afirmou James.
— O que Henrix disse? — perguntou Mark.
— Avisei a ele que traria Juliet para conversar com a garota.
— Não — negou Mark, e apontou para outro soldado que estava esperando na porta. Avise-o para pegar a garota e levá-la para o acampamento.
— Mas, senhor… não deveríamos avisar o Príncipe? — perguntou aquele que estava na porta.
— Soldado Skoud! — gritou Mark.
— Sim, senhor! — Skoud fez uma continência e se prontificou.
— Quem é o líder dessa operação? — perguntou Mark.
— Você, Senhor! O subtenente Mark Bright, senhor!
— Isso. Foda-se o príncipe. Ele sequer deveria estar nessa expedição. Aqui ele não é nada além de um civil.
— Entendi — afirmou Skoud. — Então vou avisar Henrix, senhor!
Skoud saiu do quarto.
— Meriad.
— Sim, senhor! — respondeu Meriad.
— Traga o garoto e as coisas que ele possui.
— Sim, senhor!
— James, pegue esse baú.
James também concordou e foi em direção ao baú.
Apesar de Ariel não entender o que eles estavam falando, era nítido que eram soldados de algum reino, pois, além dos uniformes, falavam e afirmavam como militares.
Um deles se aproximou e fez sinal com as mãos como se ele fosse levá-lo com eles.
Ariel vai ser preso? Não há o que fazer, o garoto está nu e sem nenhum tipo de armas. Se aquele esquilo foi o suficiente para paralisá-lo, imagine lutar contra esses soldados. Ele não fez nenhum tipo de resistência e ainda ergueu as mãos como se rendesse.
— O que ele está fazendo? — perguntou Mark encarando Ariel.
— Acho que está se rendendo, senhor — respondeu Meriad.
— Então ele nos entende? — questionou Mark.
— Parece que não, senhor, talvez instinto? — respondeu Meriad.
— De toda forma, vamos sair daqui. Cada minuto que fico neste lugar, me dá calafrios.
— Senhor?! — questionou James.
— O que foi?
— É impossível carregar esse baú.
— Como assim?
— Ele é muito pesado, sequer consigo empurrá-lo de lado.
Mark se aproximou e tentou movê-lo, só que tanto ele, quanto James, não conseguiram sequer tirá-lo de posição.
Ariel percebeu que eles queriam mover o baú e fez um sinal com as mãos.
Enquanto isso, com Arielle.
— Henrix! — gritou outro soldado.
— O que foi, Skoud? — respondeu Henrix.
— Mark falou que iremos voltar agora, e pediu que você leve a garota.
— Eu? Por quê? — perguntou Henrix.
— Ele só ordenou… eu o avisei que precisamos falar com o Príncipe primeiro — respondeu Skoud com voz trêmula.
— Que filho da puta. — Se lamentava — Então eu vou ter que cuidar dela?!
— São ordens do Mark, Henrix, não fique puto comigo.
— Ok, ok. — Se virou para Arielle e caminhou próximo dela que ainda estava agachada e com os olhos fechados. — Ei… psiu, vamos ter que sair, está me ouvindo? — ela não o respondia — Eu mereço… por que tenho que ficar de babá para essa garota? E merda… ela está cheirando a mijo.
De volta ao Ariel.
— Mark, o garoto, ele está querendo falar algo — apontou James para Ariel.
Mark e James pararam de tentar mover o baú e se viraram para ele.
Ariel não conseguia entendê-los e provavelmente eles não o entendiam, por isso, decidiu fazer sinais com a mão. Era um pouco arriscado fazer aquilo já que eles poderiam entender errado e atacá-lo por isso, mas era necessário.
— Parece que ele quer mover o baú, senhor. — respondeu Meriad.
— Esse magrelo vai conseguir movimentar o baú? Me polpe — disse Mark enquanto virava e tentava outra vez levantá-lo, sem sucesso.
— O que temos a perder? — perguntou James.
Como Mark não estava conseguindo fazer com que aquele objeto saísse do lugar, apenas o deixou, bateu as mãos no uniforme para remover a poeira e encarou Ariel.
— Ok, deixe ele tentar. — Apontava para Meriad. — Fique de olho, se ele fizer qualquer coisa que nos ameace, acabe com ele.
— Sim, senhor! — afirmou Meriad.
Ariel percebendo que eles se afastaram, caminhou até o baú.
Ele ainda está com fome e um pouco de frio, porém, foi ele que retirou o baú de dentro da parede, e sabia que podia movê-lo. Se ele os ajudasse a carregá-lo, poderia mostrar-se como um amigo, ou pelo menos, não como um inimigo.
Ariel fechou o baú e o segurou. Ele está bem mais leve que antes. Talvez enquanto estava fechado com aquela pressão toda, algum tipo de mecanismo estivesse forçando-a para baixo, porém, agora ele simplesmente conseguia levantá-lo.
— Mas que caralhos! Como… — resmungou Mark.
— Isso, como ele fez isso? — perguntou James.
— Um truque de mágica, senhor? — perguntou Meriad.
Ariel que estava vendo-os surpreso fez um sinal positivo com a cabeça.
— Parece que ele quer continuar — comentou James.
— Muito bem, vamos — ordenou Mark.
Ariel tinha visto os soldados pegarem o tablet e o mapa, por isso não havia mais nada ali para ele que fosse útil – olhou para os trapos que usaram na noite anterior e apenas os ignorou.
Como não dava para saber se eles eram aliados ou inimigos, não tinha o porquê para arranjar briga ou iniciar quaisquer tipos de discussão. O fato de não se entenderem também era um motivo extra.
Os dois soldados e aquele que parecia seu comandante saíram da cabana, Ariel foi em seguida. Ariel, apesar de estar focado no corpo masculino, sabia onde estava a garota e bastava virar aquela esquina. No entanto, os soldados não pareciam querer ir até lá.
— Cadê o Henrix? — perguntou Mark.
— Ele ainda está com a garota — respondeu James enquanto apontava para a esquina.
Ariel começou a tremer de nervosismo, afinal estava sentindo a garota ser agarrada pelos braços e sendo forçada a se levantar.
Ele fechou os olhos e tentou, ativamente, manter com que o corpo masculino ficasse segurando o baú, sem cair. Seria a primeira vez fazendo algo assim, mas, tinha que ser feito.
Voltou para a garota.
— Vamos, levante-se, temos que ir! — gritou Henrix.
— Não precisa me puxar, você está me machucando — disse Arielle. No entanto, nenhum dos dois se entendia.
— Finalmente, voltou para o mundo real, princesinha? — comentou Henrix e a soltou.
— Vamos, Henrix! — gritava Mark do outro lado.
Arielle começou a dar alguns passos com certa dificuldade já que parte do “foco” estava em fazer com que Ariel não caísse.
“Isso é muito mais difícil do que imaginei… Que merda, eu iria fazer esse tipo de teste assim que acordasse, e nem deu tempo, já estou nessa situação.” Pensava enquanto andava lentamente.
— O que há com ela? — disse Henrix.
— Não sei… dores? — perguntou Skoud.
— Bom, é uma garota, não tem muito o que esperar — disse Henrix.
— Você e esse seu jeito, nunca vai mudar, né? — afirmou James que se aproximou da cena.
— Ela não está ferida? — perguntou Skoud.
— Não, pelo menos não aparente — respondeu Henrix.
— Ou será que você não enfiou a espada nela enquanto não estávamos olhando? — comentou James.
— Espere James, não comece, e se… — Skoud tentava falar quando Henrix apenas passou do seu lado como uma flecha.
Um soco de direita veio com tudo e derrubou James. Este, caindo começou a se contorcer de dor.
— Seu filho da puta! Você quebrou meu nariz! — gritava James.
— Achas que tenho medo de você ou sua família? Comece a torrar minha paciência e você vai ter mais que o nariz para consertar, filho da puta — Henrix cuspiu no chão ao lado e começou a andar enfurecido.
— Você está bem, James? — perguntou Skoud tentando examiná-lo.
— Claro que não, você é retardado por acaso?
Henrix foi até onde estava Ariel e os outros: Mark e Meriad. Como a cena aconteceu já além da esquina, todo mundo viu o que aconteceu.
— Você sabe que ele pode te trazer problemas, né, Henrix? — comentou Mark.
— E daí? Acha que eu vou levar desaforo? — resmungou Henrix.
— Você não está abusando da sacerdotisa Lenia, certo? — perguntou Mark.
— O que isso tem a ver? — respondeu Henrix.
— Eu sei que você não gosta dela, mas ficar jogando seus próprios aliados para ela cuidar, acho que isso já é criancice.
— Foda-se… — olhou para Ariel — e esse aí? Outro peladão? — resmungou Henrix.
— James disse que você estava com a garota pelada, cadê ela? — comentou Mark.
— Ela está vindo, parece ter dificuldades em caminhar.
— O que aconteceu com ela? — perguntou Mark.
— Ela quase foi atacada por um corrupto e acabei salvando-a por instinto.
— Por instinto, hein?
— E ela se mijou de medo, então está fedendo muito — tentou contornar o assunto de antes.
— Entendi, entendi. — Mark observava a garota andando lentamente.
Arielle já podia ver os outros três e Ariel o aguardava.
Ela passou pelo James e Skoud.
“Vamos, mais um pouco e eu vou conseguir… só…” olhava para os dois e para os outros, “só espero que eles não tentem fazer nada com a Arielle”.
— Que isso Henrix — disse Mark.
— O que foi?
— O que foi? Mesmo se ela estivesse fedendo a esterco de gadún, com essa beleza toda, você não deveria reclamar. — disse Mark.
— O que há com isso? Pegou a imbecilidade do James também? — fez um sinal negativo — Se apaixonou por ela? Então leve ela contigo.
— Não. Você fica com ela e isso é uma ordem! — ordenou Mark.
— Por quê?
— Mesmo você sendo um babaca, ainda é o melhor de nós aqui. Se ela ou esse garoto souberem de algo, temos que protegê-los até que Juliet diga o contrário.
— Tanto faz.
“Se eu não me apoiar, eu vou acabar deixando o baú cair no chão e isso vai chamar atenção desnecessária para mim”. Arielle estendeu a mão para que tocasse em Ariel. No entanto, era como se um cego estivesse aos poucos andando para frente até encostar em um obstáculo.
— O que ela está fazendo? — perguntou Mark.
— Não sei — afirmou Henrix.
— Você vai pagar por isso, entendeu Henrix? — gritou James se aproximando com as mãos no nariz.
Henrix apenas fez um sinal “estranho” para James, porém, parecia ser algo ofensivo.
Arielle colocou as mãos nas costas de Ariel e se aproximou dele, encolhendo-se nas suas costas, quase como uma criança com medo de estranhos.
— Parando para pensar, os dois não se parecem? Será que são irmãos? — perguntou Mark.
— Bem, pelados e largados nesse fim do mundo? Por que não? — disse Henrix de maneira sarcástica.
Pivot, que tinha ido buscar algo para ela vestir, correu até onde os outros estavam.
— Senhor, ela está segurando o garoto!
— Sim, senhor óbvio, todos estamos vendo isso! — comentou Mark.
— Aqui, há algo para ela vestir.
— É, rapazes, acabou o show. Cubra ela com isso.
— Certo senhor.
Ele cobriu Arielle com aquela “capa” e ela continuou apoiada no Ariel.
— Tem mais uma coisa, senhor!
— O que foi dessa vez?
— O Príncipe questionou a demora para eliminar uns simples corruptos e disse que isso é… “I-na-d-mis-sí-vel”, dessa forma, senhor — disse Pivot.
— É? Eu vou mandá-lo se foder, isso sim — afirmou Mark.
— Você não deveria fazer isso, senhor — disse Meriad.
— Sim, sim. Se já terminamos por aqui, vamos voltar para a caravana — ordenava Mark.
Ariel estava escutando eles conversarem naquele dialeto estranho e não podia fazer nada. Enquanto o corpo masculino segurava o baú, o corpo feminino se apoiava nas suas costas e apenas ficava de cabeça baixa. Para onde eles estão me levando? Quem são eles? Será que eles podem me ajudar de alguma forma?
E, quem é Arielle? Aquela Arielle do outro mundo, não era ele, ou era? Que diabos está acontecendo?