Guerra de Deuses - Capítulo 19
Arskan voltou para a Clareira Branca ao entardecer. A noite caia rapidamente e permanecer na floresta durante ela, não era uma das melhores opções.
Quando retornou, atraiu os invejosos e amedrontados olhares na sua direção. Ignorou-os e seguiu em frente.
Enquanto andava até a pedra no centro da Clareira, escutou passos que tentavam, falhando miseravelmente, ser sorrateiros.
Percebeu o nervosismo da pessoa pelos passos e se virou rapidamente. A mulher atrás dele recuou no avanço.
— Ah, é você? — disse despretensiosamente.
Elise puxou uma lâmina afiada e apontou na direção de Arskan. Ele reagiu entrando em guarda de Imediato.
Os olhos dele foram se avermelhado conforme segurava ainda mais firme a pequena lâmina curta e encarava com fúria o assassino do seu irmão.
Ela correu em disparada para um único ataque, porém tomou um tapa no rosto e foi jogada no chão.
A faca caiu a poucos metros dela e ela tentou pegá-la outra vez. A raiva cada vez mais lhe consumindo.
Arskan soltou um alongado suspiro proposital. Quando a mulher estava para pegar a faca, ele chutou o objeto para longe e segurou ambos os braços da mulher.
Paralisada pela força dele, que já chegava em níveis sobre-humanos, ela gritava e se debatia, como o animal mais indomável do mundo.
— Você o matou!
— Matei.
— Eu… eu quero te matar!
— Eu entendo.
Ela continuou a gritar, espernear e jogar insultos e injúrias na direção de Arskan que lhe respondia diretamente todas as vezes.
Chamava-o de monstro e ele acenava concordando. Contava-lhe sobre sua irá e ele aceitava e entendia.
Os olhos negros e profundos olhavam-na e ela os olhava de volta. O ódio não se dissipou; ela apenas sentiu o cansaço bater com o tempo e se perdeu em lágrimas.
— Quando estiver pronta, você pode tentar outra vez.
Arskan soltou a mulher que tampou o rosto com as mãos e começou a deixar cair o choro desesperado. Lágrima por lágrima acertava o chão e penetrava pelas frestas do mármore branco.
Elise viu ele indo embora com passos lentos e não tentou atacá-lo outra vez. Acidentalmente havia se aberto e falado tudo que estava preso na garganta.
Entendeu que Arskan não estava errado. Ela não tinha forças para matá-lo. Ainda queria vingar o seu irmão, mas precisava ter paciência.
Arskan chegou ao centro da Clareira e sentou, pensando sobre a mulher. Era a pessoa que melhor poderia entender a sua situação. Ele mesmo estavam em busca de vingança.
No entanto ele buscava uma vingança em que os culpados eram verdadeiros. Na sua opinião, ele salvou o irmão dela de mais sofrimento. Na opinião dela, ele era um assassino cruel que o matou sem piedade.
A noite logo chegou com esses sentimentos mistos conflitantes. A notícia sobre o ataque de Elise espalhou-se como tinta no papel.
Kyler era o único que não sabia das coisas, pois estava caçando na floresta o dia inteiro.
— Arskan, tudo bom? Trouxe carne. Vamos comer.
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Neste dia em específico, Arskan acordou um pouco mais tarde.
Kyler despertou mais cedo, levantando-se e se espreguiçando. Quatro dias se passaram, mas pareceu uma eternidade.
Ainda por cima, havia mais duas dúzias de dias.
— São ovos demais… — comentou em tom cômico.
O arqueiro recolheu o seu arco e flecha e foi até a borda da floresta para se aliviar um pouco.
Uma moita soou um pouco à frente. Kyler se aproximou devagar e com o arco na mão. Quando passou a mão e abaixou as folhas, viu uma imagem aterrorizante.
Havia um garoto caído e recostado em uma árvore. Possuía apenas uns quatorze anos e parecia dormir tranquilo sob o pé da árvore.
Kyler respirou fundo e agarrou o garoto, colocando-o sobre o seu colo e caminhou mais profundamente na direção da mata.
Com uma espada que encontrou jogada por aí, provavelmente de algum dos homens mortos ou do próprio garoto, cavou uma cova rasa, colocou o corpo dele.
Antes de cobrir de terra, passou a mão levemente sobre o seu rosto, deixando o rosto jovem limpo e singelo.
Fechou os olhos, mordeu os lábios e segurou-se muito firme ao arco. Após alguns momentos de silêncio, cobriu a cova.
— Desculpa não poder fazer mais por você, garoto…
Ele se virou e voltou para Clareira, encontrando-se com o recém acordado Arskan que lhe esperava na entrada para o lugar.
— Você viu?
— Vi.
— O que você acha?
— Que você é um tolo — Arskan colocou a mão no seu ombro —, mas é um tolo gentil. Agora vamos. A próxima onda vai começar em breve.
Todas as ações no mundo de Atenas tinham valor. Arskan sabia disso. Aquele ato de gentileza poderia não dar ao arqueiro um efeito imediato, mas moldaria o caminho dele.
“É uma pena que esse caminho sempre acabe mal.”
Arskan começava a gostar de Kyler.
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— Goblins outra vez?! — reclamou Kyler, inconformado.
Arskan sabia que continuaria acontecendo dessa forma durante os primeiros dias, mas hoje o clima era diferente.
O número de pessoas de pé lutando era maior que o número de desistentes e covardes.
“Eles finalmente vão tomar coragem?”
Arskan sacou a sua espada e começou o massacre.
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4° Onda: A Última Defesa dos Goblins
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Ver aquele nome, trouxe a ele um sentimento engraçado, porém era a realidade.
“Hoje vai ser o último dia desses bichos nojentos”, pensou cortando a cabeça de outro goblin irritante.
O sangue vazou cobrindo a lâmina de vermelho carmesim. A investida hoje estava sendo suave.
O número de guerreiros lutando era ótimo. Apesar de ter três a quatro pessoas se juntando para matar apenas um monstro, eles pelo menos tentavam.
Claro, ninguém se comparava a Arskan que lutava contra grupos inteiros sozinho.
Kyler também estava posicionado em um lugar alto, fazendo o seu bom e velho trabalho de auxiliar.
O grupo de Agnus eliminava as criaturas com eficácia.
Cabeças e mais cabeças rolavam pelo chão, mas pouco sangue era derramado do lado dos humanos.
Conforme o tempo passava, Arskan começou a perceber algo incrível.
“Será que…?”
Como de costume, ele arrancou a última cabeça que rolou pelo chão e então uma mensagem tocou, uma diferente.
Primeiro surgiu a lista dos melhores caçadores que não mudou muito do padrão, mas ao final uma mensagem surgiu que trouxe sorrisos e esperança para as pessoas.
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Não ocorreram baixas durante a 4° Onda
Como recompensa, todos receberão Comida para 1 dia
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Um sentimento compartilhado de alegria surgiu naquele inferno. Algumas pessoas até comemoraram com gritos e berros, como se o seu time do coração tivesse ganho a copa do mundo.
— Arskan, você viu? Conseguimos! — exclamou o arqueiro, um daqueles que comemoraram.
— É, estou vendo.
Aquela era a primeira vez que ouviu falar de algo desse tipo. Nem entre os melhores iniciantes, ocorreu algo dessa categoria.
Nenhuma baixa? Era impossível.
— Ei, Arskan? Isso é um sorriso? — Kyler abriu bem os olhos. Não acreditava nós próprios olhos. Por um momento, ele viu um sorriso no rosto inexpressivo de Arskan.
Arskan apenas pegou sua recompensa e seguiu para a mata, ignorando-o.
— Pare de fingir que não aconteceu. Eu vi um sorriso no seu rosto!
Arskan realmente havia sorrido, mas ele logo se desfez. Ele sabia o que viria no dia seguinte…
Era realmente impossível que não houvesse baixas no próximo dia. O chefe estava vindo.
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O jovem de cabelos pretos deslizou pela terra molhada, passando por três goblins desorientados que em uma tentativa de detê-lo, acabaram derrubando uns aos outros.
A lâmina curva cortou o ar com um som afiado, atracando a cabeça de um dos monstros.
O sangue sujou os corpos dos demais goblins. Eles levantaram e rapidamente gritaram na direção do desconhecido.
— Venham, criaturas burras.
— Aarhg! — exclamaram ambos, correndo direto para os braços da morte.
Quando o corpo do último caiu no chão, o sistema de Atenas anunciou o vencedor.
Arskan roubou a tanga suja de um dos monstros para limpar seu Alfange e sentou-se no chão para respirar um pouco.
Marcas começavam a surgir no fio prejudicado da arma.
— Em breve terei de trocar de arma — reclamou, mas não parecia se importar tanto assim com o Alfange do Guerreiro. — Gostaria de um bom machado de guerra…
Recolheu as recompensas que poderia e foi na direção da Clareira. Estava para anoitecer.
Quando estava para chegar, viu um goblin solitário e não perdeu tempo, eliminando-o rapidamente.
Para a sua surpresa, recebeu um aumento no vigor. Totalizaram nove pontos.
“Mais um ponto e poderei liberar as habilidades de alguma classe.”
Satisfeito, retornou para a Clareira Branca.
Arskan chegou e viu o clima mais tranquilo. Poucos o encaravam com inveja e a maioria não implorava ou gemia de fome.
— Espero que essa motivação não acabe rápido.
Amanhã o verdadeiro teste ocorreria. Lidar com um chefão sozinho era complicado, então era melhor que mantivessem aquela motivação.
Ele andou até o centro e deitou no chão, olhando o céu de falsas estrelas. Não conseguia ver a diferença para o verdadeiro, pois não tinha o costume de olhar.
Arskan notou passos se aproximando, mas não sentiu uma sede de sangue ou outro senso de ameaça.
— Aquela ali é a ursa maior — disse a voz feminina que reconheceu como de Natália. — A outra logo do lado é a ursa menor. Bonitas, não?
— Não tenho o costume de olhar para o céu.
— Eu tinha o costume de ver o céu com meu pai e minha mãe. Um céu como esse.
A palavra “mãe” chamou a atenção de Arskan. Conhecia o pai da garota, mas nunca ouvira falar de uma mãe.
— Onde está a sua mãe?
— Morta… — Ela colocou a cabeça entre as pernas e ele notou a melancolia na voz dela — Os dois estão mortos; meu pai e minha mãe.
O rosto jovem e inocente da garota carregava um peso que ninguém poderia ver, mas ela não derramava nem uma lágrima.
— É, eu também não tenho meus pais. Somos mais parecidos do que parece. — Apesar dele saber que não era bem assim, decidiu que não era ele quem deveria contar que o pai dela estava vivo.
— Eles também morreram?
— É, pode se dizer que sim.
Arskan não conhecia os próprios pais. Era órfão desde que se entendia como gente, então passou a considerar os pais como mortos.
“Eu não os aceitaria se estivessem vivos mesmo.”
Natália levantou o rosto e abriu um sorriso, mas ainda agarrava suas pernas e continuava a olhar o céu.
— Você é bem legal, Arskan… — murmurou bem baixinho, tão baixo que o jovem nem escutou.
Os dois silenciosamente continuaram a olhar o céu estrelado.