Imperador da Glória Eterna - Capítulo 16
Era noite, a cidade de Aethenil estava agitada, os civis fugiam em grandes comboios de carroças para longe da costa. Apenas os voluntários do sexo masculino e um punhado de sacerdotisas ficou na cidade, todos determinados para defendê-la.
O capitão Celandor gastou o dia sentado em uma mesa, imerso nos melhores planos e estratégias militares. Sua mente cansada e bastante preocupada, agora estava focada em voltar para casa, encontrar sua família. Tudo o que conhecia seria condenado caso a batalha fosse perdida no dia seguinte.
Ele caminhava pelas ruas, iluminadas por lanternas de vaga-lumes penduradas nas árvores retorcidas. A arquitetura élfica da cidade, repleta de curvas sinuosas, se misturava com a natureza. As casas do povo, construídas com madeira das árvores locais, e as raras construções de pedra, feitas com um belo mármore branco, conferiam à cidade uma sensação de naturalidade e harmonia.
Ao chegar em seu belo lar, um sobrado de madeira nobre herdado de seus pais, viu sua esposa sentada na cozinha. Seu semblante exibia sua preocupação com o marido.
— Está tudo pronto para vocês partirem? — Celador removeu a armadura de linho que vestia e se sentou ao lado de sua companheira.
— Sim, querido. A situação é pior do que contaram, não é? — questionou ela com os olhos marejados e a voz trêmula.
— Ayduin enviou uma mensagem para a capital, esperamos reforços, principalmente da guarda real e um esquadrão de dragões. Se conseguirmos isso, impedimos seu desembarque e avanço. — Sua voz era carregada de esperança, mas, ao mesmo tempo, tristeza.
— E quanto a você, pai? — O filho de Celandor apareceu no corredor que conectava a sala aos quartos.
Era um jovem elfo, quase na idade do ritual de maioridade. Ele possuía uma estatura alta e músculos fortes, marcados em sua roupa, com longos cabelos loiros que desciam até os ombros. Ele cruzou os braços e olhou para seu pai com total determinação.
— Ficarei até que todos estejam seguros; é meu dever proteger a cidade. — O pai sorriu com orgulho, embora estivesse emocionado.
— Quero ajudar, pai. — Aproximou-se e postou-se diante de seus pais, que estavam sentados. — O senhor me ensinou a lutar; quero provar que posso fazer algo pelo nosso povo.
— Uma decisão sábia, Tassarion, mas vou lhe pedir algo. — Celandor soltou um pequeno suspiro, lançando primeiro um olhar para sua esposa e depois para o filho. — Leve sua irmã e sua mãe até o comboio de evacuação; preciso resolver algo de extrema importância. Não se preocupem, nos encontraremos em breve, espero, em tempos melhores…
Ele beijou a testa de sua esposa e dirigiu-se ao quarto de sua filha mais nova, onde ela dormia inocente em sua cama, alheia aos eventos ao redor. Um último “boa noite” foi sussurrado para ela antes de Celandor sair novamente.
Enquanto Celandor avançava em direção ao seu destino, observava os elfos transformarem-se em refugiados ao fugirem de sua cidade, diante da iminência da guerra. Em meio ao pânico generalizado, um único local se destacava como refúgio de tranquilidade: o templo dedicado à deusa local.
Durante todo o dia, o templo era o primeiro pensamento de muitos civis em busca de orientação e bênçãos divinas. No entanto, à medida que a noite se aproximava, as preocupações com a própria vida se intensificavam, e o tempo para se dirigir ao templo para rezar tornava-se escasso.
O capitão subiu as escadarias, o aroma do incenso se intensificava à medida que ele se aproximava da entrada do templo. Embora o local estivesse vazio, várias velas acesas por outros adoradores iluminavam o ambiente, e o cheiro do incenso era intenso.
Celandor tossiu, intoxicado pelos fortes odores.
— Celandor? — Uma voz familiar surgiu.
— Sacerdotisa Dessielle… — Celador continuava a tossir.
— Buscas a benção divina? — perguntou a mulher, uma elfa de cabelos e olhos claros, de estatura média, um pouco menor que Celandor. Ela vestia o traje tradicional das altas sacerdotisas da Deusa, um vestido branco até os tornozelos, com um decote transversal, usava luvas de linho fino que iam até o antebraço.
Celandor assentiu, mais familiarizado com os aromas do lugar. Juntos, dirigiram-se ao altar e acomodaram-se no banco da primeira fileira. O altar, meticulosamente esculpido, apresentava uma grande estátua de pedra de uma mulher de longos cabelos, suas mãos estendidas em convite aos adoradores.
Atrás dela, destacavam-se vinte pilares, cada um adornado com estátuas de homens e mulheres. No entanto, um deles permanecia vazio, desprovido de uma figura e com a inscrição do nome apagada.
A sacerdotisa sorriu e questionou amigável:
— Como estão as crianças?
— Tassarion ajudará na defesa da cidade, Iolena e a mãe vão partir mais tarde com o comboio do prefeito — respondeu Celandor aliviado — espero que tudo ocorra bem.
— Todos queremos o melhor para nosso povo.
— Lembra de quando eramos jovens e brincávamos nos campos?
Dessielle concordou:
— Tempos passados, nos divertimos muito…
— Sempre brinquei que Erobern morreria nas minhãs mãos… E amanhã será esse dia…
— Erobern escravizou nosso povo nos tempos antigos, explorou nossa mão de obra na construção de sua sinistra capital. O sangue de nossos antepassados clama por justiça.
— Por que os humanos se aliaram a Erobern? O que a Deusa tem a dizer sobre isso?
— Os seres humanos são impulsionados pelo egoísmo, Celandor. Priorizam sua própria sobrevivência em detrimento da cooperação mútua. Seduzidos pelas sombras, representam agora uma ameaça, trazendo consigo essa mesma escuridão para nossas terras. É nosso dever expulsá-los e demonstrar a força de nosso povo.
— Quero fazer um apelo a você, Dessielle… Caso as defesas falhem, precisamos de um lugar seguro para nos refugiarmos… As criptas subterrâneas foram a melhor opção que considerei para uma última resistência, enquanto aguardamos os reforços da capital.
— Os corredores são estreitos — disse a sacerdotisa, olhando para Celandor, hesitante sobre qual resposta dar.
— O ideal, eles não podem nos sobrepujar com o seu número e as paredes de pedra impedirão que um incêndio se alastre e nos prenda.
— A Deusa não se oporá; ela compreende nossas necessidades e nos concederá forças nestes tempos sombrios. Vá Celandor, filho de Goras, a Deusa estende sua benção para seu servo, para lutar contra Erobern. — Dessiele colocou a mão na testa de Celandor, e uma energia branca foi transferida para o capitão.
Celandor agradeceu a benção e saiu do templo revigorado, seu corpo e espírito estavam prontos para lutar. Ao sair, seu filho Tassarion o esperava trajado com uma armadura.
— Evacuou as duas? — Celandor desceu as escadarias acompanhado do filho.
— Bem, acabaram de partir, o prefeito avisou para o senhor que o reino enviará uma guarda draconiana acompanhada de cinco membros da guarda real. Os orcs voltaram a atacar a fronteira leste esmagadoramente, me contaram histórias horríveis… — contava Tassarion com a voz embargada.
— Ouça, não tenha medo, estarei com você. — Celandor segurou o braço do filho e o encarou no fundo dos olhos. — Te treinei para empunhar uma espada, para ser excepcional, para ser um guerreiro. Conheço sua habilidade, meu filho; você pode lutar. Nós, os elfos do sul, continuaremos a lutar, resistir, enfrentar nossos adversários, até o último de nós, mas nunca cederemos nossa liberdade.
Tassarion soltou uma pequena lagrima, concordou com o pai e caminhou lado a lado com ele até a praça da cidade, onde os demais defensores aguardavam.
Ao todo, cerca de cinco milhares de elfos foram voluntários para a defesa da cidade, dos quais menos de uma centena eram soldados treinados. No entanto, todos, desde a mais tenra infância, eram habilidosos no manejo do arco e flecha, essa a tradição élfica. Enquanto mantivessem os inimigos afastados das muralhas e dentro do alcance de suas flechas, Aethenil permaneceria inviolada.
A certa distância, à medida que a cidade de Aethenil mal se destacava como um ponto distante no horizonte, uma formação naval do Exército de Libertação permanecia ancorada. Sua tripulação permanecia alerta e pronta para desembarcar com os primeiros raios do sol.
Na cabine de comando, além dos três membros que haviam partido para Aethenil mais cedo, havia outros dois integrantes. Todos sentados em torno de uma mesa, enquanto seu líder ocupava a cabeceira, concentrado nos planos militares. Além dos três membros que haviam partido para Aethenil mais cedo, havia outros dois integrantes.
O primeiro era um jovem de óculos redondos, de baixa estatura, porém acima do peso. O único barulho na sala provinha do pacote de salgadinhos, cujas migalhas sujavam sua roupa branca. Seus olhos estavam fixos no videogame que Yoou, à sua esquerda, jogava.
A segunda era uma garota de cabelos cor de rosa e olhos azuis, vestindo um vestido roxo com estampa de flores. Estava levemente distraída, imersa em seus próprios pensamentos, enquanto saboreava um pirulito.
— E então, Marechal Khan? — questionou Xerife com sua voz mecânica.
— Sacrifícios serão feitos… Devemos deixar os inimigos confiantes, para então quebrarmos sua vontade de lutar. — Khan um dos três líderes do Exército de Libertação, um homem de feições orientais de média idade. Seu bigode e barba pretos eram cortados no estilo mongol. Seu traje era composto por armadura de cota de malha com diversos anéis entrelaçados e por cima dela outra camada de couro endurecido, para fornecer proteção adicional. Sua pele escura era marcada pelas lembranças de batalhas passadas.
— Estou animado — comentou Yoou sem tirar os olhos do videogame.
— Amanhã será um grande dia, não luto de verdade há quase três séculos. Mal consigo lembrar o cheiro do sangue derramado na terra, mas a sensação de euforia permanece viva em minha memória. — Khan pensava na batalha e se empolgava mais.
— Soube que aceitaram um heróis em nossas fileiras? — disse o garoto, enquanto um salgadinho escapava de sua boca, sujando ainda mais sua roupa.
— Erobern ser rebaixa ao recrutar um herói, ainda mais pelo que ouvi falar dele — respondeu Khan, ligeiramente irritado.
— Um assassino, traidor e um abusador — acrescentou a jovem com uma voz suave e doce. — Embora tenhamos aceitado membros com os dois primeiros crimes, ser um abusador é inaceitável. A Marechal Joana deveria intervir.
— Enviaram Herman para cuidar da garota — falou Yoou com uma risada. — Bela troca pela lealdade do herói.
— Enviar Kingslayer para cuidar dela… Sinto pena dela, mesmo ela sendo uma heroína. — A garota baixou a cabeça, pensativa.
— Discutiremos a decisão do Imperador em um momento mais oportuno; hoje, nosso foco deve ser nossa missão principal: iniciar a invasão ao Reino Elfo do Sul. — Khan se levantou da cadeira, seguido por seus subordinados.
Todos sorriram, confiantes com o que o dia seguinte traria. A batalha por Aethenil será o primeiro combate do Exército de Libertação desde sua fundação após o exílio do Imperador. Uma nova era se inicia em Testfeld.