Imperador da Glória Eterna - Capítulo 4
O sol se escondia tímido entre as montanhas que pairavam no horizonte naquela bela tarde de primavera. Testfeld é um planeta semelhante ao nosso em muitos aspectos, tais como clima, composição atmosférica e estações, mas a principal diferença está nos seus cinco satélites naturais.
Enquanto Herman e Vítor se aproximavam da cidade de Etterbachen, as luas de Ignis e Terra eram as primeiras a aparecer, antes mesmo do pôr-do-sol. Deixando o céu com uma bela atmosfera avermelhada como se o céu estivesse banhado de sangue.
Eles pararam em uma colina próxima, onde se podia observar toda a metrópole e o grande rio Rhein que a dividia em duas. Enquanto Herman contemplava a bela vista, Vítor desfez a sua montaria de névoa e encarou a cidade, com as lamparinas de óleo de baleia sendo gradualmente acesas com o avançar do entardecer. Etterbachen era capital do ducado homônimo, província governante de toda a região no qual o rio Rhein atravessa.
— Tem ideia de onde ela pode estar? — indagou Herman para Vítor.
— Negativo, ela parecia ser uma garota esperta, deve ter dado o seu jeito. A minha maldição de rastreamento tem uma margem de erro de um quilômetro.
— Parecia? Você não a conhece? — Herman sentou-se confuso no chão da colina.
— Eu a vi duas vezes, a única coisa que eu preciso saber são sobre as habilidades de uma curandeira de fogo, perfeitas para combater as fraquezas da minha classe. — A névoa negra cobriu o seu corpo como uma segunda pele.
— Você é a mistura de um idiota com um gênio, como alguém consegue ser esperto o suficiente para colocar uma maldição e saber quase nada da pessoa.
— Prazer, Vítor.
Ele estendeu a mão para Herman, que o olhou com uma expressão de desprezo e o ignorou para observar as luzes de Etterbachen se iluminar aos poucos.
— Se essa não fosse uma ordem direta de Erobern, eu já teria te largado na floresta.
Vítor sorriu para ele de forma sarcástica.
— Ele não pode quebrar uma promessa.
Herman suspirou irritado, recuperou o fôlego e a calma e ordenou ao seu mascote para sobrevoar a cidade em busca de Alice.
— Mávros, procure por essa agulha no palheiro, uma garota ruiva com aura de herói.
— Eu ainda quero o meu salmão.
— Foque primeiro na missão, depois nas recompensas.
Mávros em sua forma de águia, bateu asas e voou, procurando qualquer resquício da garota.
— Sinto a presença de muitos heróis, muitos heróis… — refletiu Herman ao ver seu companheiro tomar altitude.
— Quantos? — perguntou Vítor, preocupado na possibilidade de uma nova batalha.
— Sem contar nós dois, que exalamos auras muito fortes, existem mais cinco indivíduos na cidade com essa aura e algumas centenas de auras intermediárias.
— Você consegue senti-los? — Vítor ficou genuinamente interessado em aprender mais sobre aquilo.
— Quando chegarmos a Bluntisel, alguém deve te ensinar mais sobre isso e então poderemos abrir seus sentidos espirituais.
— Explique.
— Explicar o quê?
— Esses sentidos espirituais.
— Habilidades adormecidas em todos os seres vivos, ao todo existem dez, mas é muito raro que alguém consiga despertar mais de duas ao longo da vida.
— Nunca ouvi falar — comentou um Vítor cético.
— O povo comum não possui conhecimento sobre isso, e vocês, heróis, só começam a aprender depois do torneio dos deuses patronos.
— Parece interessante, estou ansioso para o torneio e obter o poder de algum deus verdadeiramente poderoso. Mas me diga, quais são seus sentidos espirituais?
— Os meus? Nível avançado de sensibilidade psíquica, e estou aperfeiçoando minha…
O rosto de Herman se transformou de monotonia para preocupação pura. Ele sentia que algo estava ocorrendo na cidade, mas não conseguia descrever o que era, nem o que acontecia.
— Vamos, temos que agir rápido, tem alguma coisa vindo — falou, enquanto descia a colina correndo.
— Espere! — Vítor estava sem fôlego e cansado pela viagem, diferente de Herman que estava tranquilo em um cavalo, ele tinha esgotado suas forças para materializar uma montaria feita de névoa para a viagem.
— Vem logo, seu maricas.
— Você não disse qual o seu segundo sentido espiritual — cutucou para tentar ganhar tempo e um pouco de descanso.
— Ninguém se importa com isso além de você, agora eu me importo em sentir o choque de sete indivíduos habilidosos nas artes ocultas.
— Sete? Você disse que contou cinco!
— Coloque nós dois na batalha.
“Onde eu fui me meter…”, pensou Vítor, “Era só resgatar Alice e cair fora, eu não tenho condições de lutar agora, esse cara é viciado em adrenalina.” Vítor olhou para Herman correndo com a vitalidade de um jovem e sorriu, “gostei dele! Ele faz exatamente o meu tipo de parceiro.”
Herman correu por dez minutos pela cidade, com Vítor logo atrás dele, quase caindo de cansaço. Quando Herman parou na frente de uma taberna nas margens do rio Rhein, era um local movimentado, com muitos cavalos amarrados do lado de fora do estabelecimento.
Ao ver seu companheiro parar, Vítor suspirou de alívio, sentando no meio fio para recuperar o fôlego.
— Decidiu parar para beber? — disse gaguejando um pouco.
— É aqui — Herman afirmou e fez um sinal de círculo para Mávros no céu.
Os dois entraram no local, onde os olhares de todos se fixaram em Vítor vestido com o uniforme ainda branco da guilda dos Dragões do Sol, apesar de toda a batalha que enfrentara mais cedo no dia, sua roupa continuava impecável.
— Um copo… Um copo não, uma jarra inteira — pediu a um dos garçons no balcão.
— Do que o senhor deseja? Uísque, cerveja?
— Eu quero água, por favor…
Vítor sentou-se no balcão, pronto para ter o seu merecido descanso. Seu companheiro sentou-se em uma mesa de pôquer bem ao lado da porta. Tirou uma moeda de ouro e a colocou na mesa.
— Prontos para perder tudo? — desafiou os jogadores da mesa, que responderam com um sorrisinho.
— Vai precisar mais do que isso para entrar na mesa, nós jogamos alto aqui — replicou um deles.
— Risco alto, recompensa alta — colocou uma bolsa repleta de moedas douradas em cima da mesa.
Ao mesmo tempo, Vítor recebia a sua jarra de água e um copo, mas o copo foi inútil, ele bebeu direto do recipiente e em um único gole. Satisfeito, levantou-se e foi até Herman, mas este fez um sinal claro para que continuasse sentado.
Sem entender, ele obedeceu, sabia que o seu parceiro tinha algo em mente, ele não sabia o que era, mas confiava nele. Resolveu aproveitar o tempo livre para perguntar se alguém havia visto Alice. De forma calma e ordenada, dirigiu-se ao balcão e mostrou a fotografia ao gerente da taberna.
— Boa tarde, você viu esta garota?
O gerente, um homem de meia-idade com um avental sujo de cozinheiro, pegou a foto das mãos de Vítor e a examinou atentamente. Seus olhos percorreram o retrato por um momento antes de ele erguer o olhar e encarar Vitor.
— Nunca a vi… — respondeu com os lábios um pouco trêmulos.
— Vítor, resolveu aparecer? — gritou um homem na porta — Encontraram os corpos dos seus antigos colegas, parece que você fez uma carnificina com os heróis de nível baixo. Mas que tal lutar com alguém do seu nível?
Era um brutamontes de um pouco mais de dois metros de altura, seus músculos tinham músculos, a roupa que vestia só os aumentava ainda mais. Junto a ele, uma dúzia de outros heróis com trajes mais simples e bem distintos entre si.
Herman estava sentado ao lado da porta, bem atrás do homem, uma posição perfeita para ajudar Vítor, mas era óbvio que ele só iria interferir quando seu companheiro já estivesse morto.
— Otaviano? Pensei que VOCÊ nunca apareceria — retrucou Vítor com seu sarcasmo típico.
— Uriel quer a sua cabeça.
— Mande ele vir pegar — Vítor chamou o adversário para a luta com a mão.
— Acontece que eu também quero a sua cabeça.
Num movimento de fúria, aquela massa de músculos pulou em cima de Vítor. Em um só segundo, Vítor foi agarrado e arremessado pela janela da taberna, caindo de costas na estrada e sujando o uniforme branco.
— Ah, cara… — reclamou ao olhar o estado das suas vestes. — É a segunda vez hoje… Preciso parar com esse hábito.
Levantou-se um pouco confuso pelo impacto, as mãos do seu oponente brilhavam. Nem teve tempo de raciocinar sobre o que devia fazer, Otaviano pulou sobre ele e uma luta corpo a corpo se iniciou. Como o corpo de Vítor era feito de névoa, apenas ataques mágicos eram capazes de acertá-lo e esse era o grande ponto forte de Otaviano.
Dentro da taberna, Herman permanecia concentrado em seu jogo de pôquer. De tempos em tempos, lançava breves olhares para conferir o desenrolar da luta de seu colega.
— Com licença, cavalheiros, mas não poderei concluir nosso jogo.
Herman ergueu-se da mesa, recolheu seu dinheiro e observou os companheiros de Otaviano vibrando a cada golpe desferido por seu amigo contra Vítor.
— De qual guilda são?
— Imortais, recrutas da deusa Zoe.
Herman arqueou as sobrancelhas diante da resposta.
— Uma pena… — murmurou.
Abriu o sobretudo, revelando uma submetralhadora Thompson.
— O quê? — exclamaram, surpresos.
Herman disparou em sua direção, reduzindo a taberna a destroços. Os clientes se abaixaram para escapar dos tiros. Ele só cessou os disparos quando a munição se esgotou, deixando todos os heróis caídos no chão.
— Minha taberna! — pestanejou um senhor proveniente dos fundos do estabelecimento — Espero que tenha como pagar por isso!
O local estava em frangalhos, com um grande buraco em uma das paredes, por onde Vítor foi arremessado na rua, e agora metade do estabelecimento estava perfurado por buracos de bala.
— Prometo que tudo ficará bem, Erobern sempre ajuda aqueles que se envolvem injustamente em sua guerra — respondeu Herman ao guardar a arma de volta em seu sobretudo negro e jogar o saco de moedas que ganhara para o comerciante.
Terminou a frase apenas para ver uma nuvem de fogo proveniente dos fundos. Herman foi ágil o bastante para saltar por uma janela e escapar da explosão. Um incêndio começou no prédio, com labaredas de fogo saindo pelas janelas.
De dentro das chamas, uma garota ruiva emergiu. Suas roupas estavam rasgadas e cheias de fuligem, mas ela estava deslumbrante. Encarou um Herman atônito e caído no chão.
Seus olhos verdes o fitaram por um segundo, até estender as mãos e pequenas labaredas começaram a emanar dela.
— Você deve ser Alice, Vítor me mandou para te buscar — afirmou Herman com calma enquanto se levantava.
— Erobern? Então é você? — respondeu com um suspiro de alívio.
— Eu trabalho para ele, peço que me siga.
— Prove, mostre que falas a verdade — Alice levantou a mão novamente para ameaçá-lo.
— Olhe você mesma — Herman apontou para a surra que ocorria na rua.
Vítor exibia um rosto inchado, enquanto sangue fluía a cada golpe desferido por Otaviano. Os punhos do seu adversário resplandeciam com a magia aplicada neles.
— E você não vai ajudar? — replicou ela ao ver Vítor perdendo a luta de forma feia.
— Devo interferir? Ele é forte o bastante para derrotar aquele homem, é só ter um mísero pingo de vontade.
Com um olhar de desaprovação, ela avançou contra Otaviano, lançando nele uma bola de fogo das suas mãos.
— Bastardo, por que não luta com alguém do seu tamanho?
— Alice… Uriel quer saber como você está, ele tem saudades da futura preferida dele — comentou Otaviano enquanto segurava Vítor pelo pescoço, que lutava para tentar respirar.
Ela cuspiu no chão ao ouvir o nome de Uriel.
— Estou melhor sem ele.
Uma labareda incandescente emanou dela em direção a ambos. Vítor aproveitou-se da distração para se soltar e socar Otaviano no queixo, que ficou no alcance das chamas. O brutamontes, desnorteado pelo golpe no queixo e depois pela subsequente habilidade de fogo utilizada por Alice, foi andando de costas, até cair no rio Rhein, logo atrás dele.
O rosto de Vitor sangrava, seu olho esquerdo havia se fechado com o inchaço em seu rosto, ele havia perdido a luta de forma feia para Otaviano. Porém, a névoa negra ainda estava ao seu lado.
Em dois segundos, a névoa cobriu o seu corpo e então saiu, com todos os ferimentos curados e o belo uniforme da Dragões do Sol mais limpo e branco do que antes.
— Luta física realmente não é o meu forte — reclamou ao estralar o pescoço.
— Vítor! Achei que estava morto! — Alice correu para abraçá-lo de alívio.
Mávros pousou no ombro de Herman, que tossiu para chamar a atenção.
— É muito emocionante, mas ainda não terminamos aqui — exclamou para os dois.
— Eles estão trazendo reforços, muitos reforços — afirmou Mávros, que do céu tinha uma vista privilegiada de tudo o que acontecia.
Uma mulher loira saiu dos escombros da taberna, ela planava e nove esferas brancas voavam ao redor dela. Ela possuía duas longas tranças que iam até a cintura. Ela sorriu ao ver Alice e Vítor abraçados.
— Otaviano! Onde está você? — gritou ao procurar pelo seu companheiro.
O homem saiu do rio encharcado e os seus músculos haviam diminuído pela metade, mas ainda era o mesmo brutamonte de um minuto atrás.
— Vítor continua intacto, seu objetivo não era deixá-lo tão feio como você? O que tem a dizer sobre isso?
— Eu arrebentei o rosto dele, não sei o que dizer…
— É uma pena que não possamos continuar nossa luta, tenho compromissos mais importantes para fazer agora — falou Vítor criando um portal de invocação no chão com a sua névoa.
— Você não pode sair assim, temos assuntos pendentes, querido — retrucou a mulher em um tom brincalhão.
— Até outro dia!
A névoa envolveu Herman, Mávros, Vítor e Alice em uma densa esfera. A mulher e Otaviano cobriram os olhos quando uma forte luz irrompeu da esfera, desaparecendo com ela. O homem demonstrou irritação ao ver a fuga deles, mas a mulher permanecia tranquila e serena.
— E agora, Zoe? O que você pretende fazer?
— O de sempre, relatar que os dois estão juntos e enviar batedores para procurá-los; uma hora irão aparecer. E também tinha aquele homem engraçado, quem era?
— Ele disse que servia Erobern.
— EROBERN? E você não avisou? — gritou Zoe ao ouvir aquele nome.
— É algo importante?
— Você pelo menos leu o livro antes de entrar no jogo?
— Não, o livro era muito grosso, e eu não gosto de ler. Gosto de lutar. Quem é Erobern?
— A entidade que se denomina legítimo líder de toda a Testfeld, o chefe final…