Imperador da Glória Eterna - Capítulo 6
A taberna agora encontrava-se em ruínas após o incêndio causado por Alice. Uma grande multidão de curiosos se aglomerou para ver aquilo. Entre eles, uma mulher de trinta e poucos anos, com volumosos cabelos brancos até a cintura e olhos vermelhos, destacava-se. Ela estava vestida como uma soldada, embora desprovida de qualquer arma, seja branca ou de fogo.
Com a frequente presença de heróis na cidade, tal cena não era incomum, especialmente diante do anúncio de que Vitor, o marionetista, havia se aliado a Erobern e estava à solta no local. Um clima de apreensão pairava sobre a cidade.
Dois heróis perceberam o seu comportamento estranho e decidiram segui-la de longe. A mulher se afastou do tumulto e começou a caminhar pela cidade, atravessou uma das pontes sobre o rio Rhein e continuou o seu caminho.
Eles a seguiram até uma grande mansão abandonada, esquecida pelo tempo e com vegetação por todos os cantos.
— Rodrigo, nós devemos pedir reforços? — perguntou um deles.
— Não se preocupe, Charles, é um NPC de nível baixo — respondeu o outro enquanto pulava o portão enferrujado.
Mesmo temeroso, decidiu seguir o seu colega que já estava quase na porta da propriedade. Os jardins sem cuidado e árvores retorcidas apenas aumentavam a atmosfera de tensão que ele sentia.
Entraram pela porta da frente, Rodrigo, o mais corajoso, ia na frente com a espada em punhos. Se depararam com um imenso salão de entrada com grandes espelhos nas paredes, o chão de cerâmica estava cheio de rachaduras e quebrado em várias partes. Uma pequena mancha vermelha chamou a atenção de Rodrigo, que se agachou para avaliar.
— Sangue? — Charles agachou-se para também investigar aquilo.
Rodrigo confirmou com a cabeça. Nesse momento, escutaram um grande barulho de panelas que os assustou ainda mais. Proveniente da cozinha, os dois decidiram investigar.
Espiaram pela porta entreaberta, revelando uma silhueta transparente de um homem com chapéu de cozinheiro.
— Um fantasma? — questionou Charles.
— É… Um fantasma… Quais são os itens que ele solta ao morrer? — falou ao avaliar o inimigo, com um chute, abriu totalmente a porta. — Ei, seu bunda-mole!
O fantasma, ao vê-los, atravessou a bancada da cozinha e avançou direto sobre ele. Com um corte limpo e preciso, a espada atravessou o seu corpo de éter e o fantasma desapareceu.
— Nenhum item? — decepcionou-se e abriu a sua guia de usuário.
— Como assim, 200 de experiência? — comentou Charles ao ver a barra de experiência subir em uma velocidade avassaladora.
— Encontramos nosso local para ganhar experiência.
Os olhos dos dois brilharam com aquela descoberta. Agora animados pela perspectiva de ganhar experiência, decidiram explorar mais a mansão abandonada em busca de outros “inimigos” para derrotar. Enquanto percorriam os corredores silenciosos, um som intrigante escapou de uma porta fechada, semelhante ao delicado gemido de um animal com sua refeição.
Ansiosos para encontrar outro “inimigo” para ganharem experiência, abriram a porta sem pensar duas vezes, apenas para encontrar uma cena que traumatizaria qualquer um de mente fraca. Na sala iluminada por uma luz tênue que penetrava pela única janela no alto, ossos humanos decoravam o ambiente, lançando uma aura sinistra sobre o local. Agachada no fundo da sala, uma silhueta sombria mordia algo desconhecido, criando uma atmosfera de horror.
— Visitantes? — disse suavemente uma voz feminina, quebrando o silêncio e a tensão no ar.
Era a mulher que haviam seguido antes, agora agachada com um grande pedaço de carne crua na mão e ao seu redor uma enorme poça de sangue.
— Estamos de saída… — afirmou Charles, recuando lentamente de costas.
— É uma pena — rebateu ela. — Adoro ter visitantes!
A poça começou a se mover ao redor dela, e ao estender a mão, uma enorme estaca feita de sangue petrificado foi lançada sobre os dois heróis, A fina armadura de Charles foi perfurada pelo afiado projétil. Ele foi atingido no ombro esquerdo com uma intensidade tremenda, derrubando-o no chão.
— Rodrigo! Tira a gente daqui!
— Merda! — exclamou ao auxiliar o amigo ferido.
Com passos lentos, a mulher se aproximou deles, deixando a pequena luz proveniente da janela iluminar o seu corpo. Estava nua, apenas com uma fina camada de sangue coagulado ocultando a pele pálida com exceção do rosto e das mãos. Seus dois olhos vermelhos brilhavam na escuridão.
Os heróis começaram a correr, tentando escapar do que era aquilo. Enquanto corriam, o sangue do ombro de Charles pingava, deixando uma pequena trilha atrás deles. Os dois pararam de volta no salão de entrada e tentaram abrir a porta para fugir para o exterior da mansão, sem sucesso; estava trancada.
A mulher os perseguiu a passos lentos, com um ligeiro sorriso no rosto. Viraram-se para encará-la, mas nos enormes espelhos do salão de entrada, não viam a mulher. Apenas uma grande silhueta de sangue girava ao redor do corpo dela no reflexo.
Outra estaca foi jogada neles, dessa vez refletida pela espada de Rodrigo. Charles, com um dos ombros feridos, chutou a porta e a fez tombar no chão, permitindo que eles fugissem para os jardins.
Porém, Rodrigo não saiu. Ficou com a espada em mãos, encarando a mulher, cujos cabelos brancos não ficavam sujos de sangue de maneira alguma. Os olhos vermelhos cativavam o jovem, que estava quase que hipnotizado pela beleza.
— Um espadachim, você é da mesma classe que eu… — comentou ela em um tom amigável e calmo.
Rodrigo tremia um pouco, os braços trêmulos de medo. No entanto, então se lembrou do fantasma que derrotara antes; aquela mulher também deveria ser um fantasma, e o saque proveniente dela deveria ser generoso.
— Lute contra mim, monstro! — provocou ele um pouco gago.
Charles, que estava quase na saída, virou-se para o seu amigo, parado na porta apontando a espada para a mulher.
— Você está louco? — preocupou-se, havia um mau pressentimento sobre o que iria acontecer.
Rodrigo não se abalou e avançou sobre a mulher, sua espada foi parada por outra, formada de sangue. O líquido havia petrificado e se transformado em uma grande espada de duas mãos.
— Técnica dos quatro ventos! — gritou Rodrigo ao girar sua espada.
Uma lufada de ar arremessou a mulher contra a parede. Ela se levantou um pouco atordoada e o elogiou:
— Talentoso, é uma pena.
Os dois colidiram suas espadas no meio do salão, e suas faces ficaram tão próximas que a respiração pesada de Rodrigo balançava o cabelo da mulher.
— Qual o seu nome? — indagou ele um pouco estonteado pela beleza deslumbrante.
— Todos me chamam de Sedenta — respondeu em um tom sedutor.
— Sedenta do quê? — provocou em um tom sugestivo.
— Por sangue!
Rodrigo recebeu um chute no estômago que o fez derrubar a espada e se ajoelhar.
— Mas já? Pensei que tinha encontrado uma presa atraente — zombou e olhou para Charles.
Charles estava parado no meio do jardim, a cerca de dez metros da porta da mansão. Seus olhos se arregalaram ao encarar a figura de Sedenta, que agora tinha sua atenção nele.
Sedenta pulou de onde estava, deixando uma cratera no chão da mansão, atravessando a parede com o impacto do salto, e aterrissou na frente do herói. Seu sorriso sutil se desenhou enquanto ela se aproximava do jovem caído de costas no Jardim. Seus narizes se encostaram com a proximidade de seus rostos.
O sol do entardecer tocou o corpo dela, que começou a crescer mais e mais, cada músculo seu possuía o tamanho dos heróis, criando uma presença ainda mais imponente.
— Detesto sair no sol, tira toda a minha feminilidade — expressou ela com uma voz grave e rouca.
— Mas que… — Charles não conseguiu concluir sua conjectura.
Sedenta o agarrou pelo pescoço com o braço esquerdo dela, e com sua mão direita perfurou a garganta. Um jato de sangue saiu, a grama verde ficou vermelha. Charles debateu-se, numa tentativa de fazer aquilo parar, mas aos poucos sua energia se esvaiu.
O corpo sem vida dele caiu no chão, uma casca vazia cuja vitalidade havia sido drenada. O sangue dele agora orbitava ao redor de Sedenta, misturado com o de vítimas passadas. Rodrigo recuperou-se do chute e olhou para o corpo do amigo sem acreditar no que via.
— Docinho… Esqueci de você… — Sedenta mantinha sua voz grossa, apesar de possuir aquela fala mansa.
Rodrigo correu para o interior da mansão, numa fuga desesperada para salvar sua vida. Só parou quando achou seguro, em um quarto nos andares superiores. Quando a adrenalina baixou um pouco, seu primeiro movimento foi começar a vomitar ao lembrar-se do que ocorreu com o seu amigo.
— Merda! Merda! — começou a repetir sem parar.
Virou-se para a porta com a espada em punhos, pronto para cortar com ira o monstro no momento que este entrasse. Sentia uma enorme tensão e cada segundo era uma eternidade. Até que percebeu algo em seu pescoço, uma pequena saliva que escorria. Sedenta estava atrás dele, com o rosto perto do pescoço, pronto para morder e drenar todo o sangue.
O coração de Rodrigo disparou, e uma onda de pavor o dominou. Em um movimento rápido, ele girou a espada e desferiu um golpe na direção dela. O aço cortou o ar, mas Sedenta era ágil. Ela se esquivou do golpe com destreza, rindo baixinho enquanto mantinha sua pose ameaçadora.
— Você é rápido, mas não o suficiente para escapar de mim — sussurrou ela ao revelar seus dentes afiados como os de um predador.
Ele tentou correr, entretanto, uma corrente feita de sangue o puxou para perto de Sedenta. Seu último olhar foram os dentes cravados em seu pescoço, drenando o seu sangue até cair morto no chão.