Isekai Corrupt - Capítulo 30
Era uma noite de lua cheia, e Solus e seus companheiros uivavam no topo de um morro, como era seu costume. As últimas noites haviam sido frenéticas, a caça estava cada vez mais escassa, e a recente movimentação da Serpente Maligna havia deixado todos os animais da floresta em alerta extremo. A tensão pairava no ar, até mesmo para aqueles como Solus e seus amigos, que estavam acostumados a viver perigosamente.
— Hoje foi uma loucura! — exclamou Ryo, exausto.
— Nem me fale. — Ryue suspirou. — Quase bati a cabeça numa árvore de tanto cansaço.
— Vocês são sortudos! — Tieves respondeu. — Eu estava caçando perto do território da Serpente. Senti seu poder sombrio em cada pelo do meu corpo…
Era comum que, após uma noite de uivos e caçadas, os lobos compartilhassem seus desafios. Ryo, Ryue e Tieves, os amigos mais próximos de Solus, discutiam agora sobre os acontecimentos recentes. Desde que a Serpente Maligna se movera, a floresta parecia estar em constante alerta, e muitos estavam preparados para defender suas vidas, caso o ataque acontecesse. Contudo, até agora, a ameaça permanecia apenas no ar.
— Ei, Solus! — chamou Ryo. — O que você estava fazendo na hora do ataque?
Solus hesitou, e a pausa despertou a curiosidade dos outros.
— Que demora pra responder! — Ryue zombou, os olhos brilhando com malícia. — Aposto que estava “ocupado” com a filha do Ômega! Kukuku…
— Ei! Você prometeu não contar isso! — Solus corou, tentando se justificar.
— O que?! Você e a filha do Ômega? Que herói, Solus! — Tieves riu, os olhos brilhando de admiração.
— Não é nada disso! Só… só estávamos… fazendo companhia um ao outro!
— Ah, conta outra! — Ryue riu. — Macho e fêmea, sozinhos na floresta… eu duvido que era só companhia.
— Solus, se acha que engana alguém… — comentou Ryo, tentando segurar o riso enquanto batia no ombro do amigo.
Solus revirou os olhos, exasperado com a provocação dos amigos.
— Acho que vou me jogar daqui de cima… — murmurou ele.
— Vai nada — Ryue riu ainda mais. — Se morrer, não vai mais poder “acompanhar” Lady Aria.
Solus abriu a boca para protestar, mas foi interrompido pela voz grave de seu tio, Xivago, um dos comandantes da matilha, que subia a montanha com passos firmes.
— Ei, seus vagabundos!
Solus correu até ele, notando a postura de sempre de seu tio, altivo e orgulhoso.
— Ah, tio! Alguma coisa aconteceu?
— Hm? Não, não… — Xivago respondeu, soltando uma risada que retumbou pela noite. — Está tudo em ordem. Depois de darmos o alarme de falso ataque, até você parece mais tranquilo, Solus. Kukuku… espero que não tenha molhado o pelo de novo, como da primeira vez que saiu pra caçar!
Solus tentou esconder a irritação. Desde aquele incidente juvenil, seu tio nunca deixara de zombar dele.
— Boa noite, tio Xivago! — cumprimentou Ryue, inclinando a cabeça em respeito. — Minha mãe estava me procurando?
— Sim. Ela me pediu que viesse atrás de você e de seu irmão. Deve ser por causa do nascimento.
Os olhos de Ryue brilharam.
— Verdade! A família vai crescer mais uma vez. Esse será o sétimo irmão, contando com o que vai nascer hoje!
Tieves assobiou.
— Caramba! Se não fosse pela família do Ômega, a sua seria a mais numerosa de toda a matilha!
Ryue despediu-se rapidamente, e, junto a Ryo, desceu a montanha para acompanhar o nascimento de seu irmão ou irmã.
Xivago se virou para Solus, de peito estufado e olhar orgulhoso.
— Tio, o que você acha que causou o movimento da Serpente Maligna, depois de tanto tempo? — perguntou Solus.
O tio permaneceu em silêncio por um instante, fitando a floresta abaixo.
— Não temos certeza — respondeu ele, sério. — Alguns dos comandantes acham que pode ser o urso. Aquele que, anos atrás, ousou desafiá-la. Talvez, sentindo-se mais forte, tenha tentado a sorte uma vez mais.
Solus ponderou, sentindo um calafrio ao pensar naquele monstro.
— Nesse caso, ele seria um tolo. A Serpente é um pesadelo vivo. Ninguém ousaria enfrentá-la… pelo menos não sozinho.
— Kukuku… sempre há tolos pelo mundo, Solus. Guerreiros que arriscam tanto, que acabam se tornando lendas — murmurou Xivago. — Às vezes, tudo que é preciso é uma motivação que valha o sacrifício. Esses guerreiros ignoram o perigo e saltam de olhos fechados no coração do fogo.
O comentário surpreendeu Solus. A sabedoria que se escondia nas palavras do tio parecia vir de uma experiência profunda, quase dolorosa, como se tivesse sido aprendida à custa de algo precioso. Ele tentava imaginar que tipo de sacrifício faria seu tio agir dessa forma.
— Solus, se um lobo derrotasse a Serpente Maligna, ele tomaria o lugar do Ômega e se tornaria o novo rei da matilha. — Tieves, que ouvira a conversa, comentou com um olhar determinado.
— Pode até ser — murmurou Solus. — Mas, para um lobo enfrentar aquele monstro sozinho, teria que estar completamente louco.
— Sempre há um louco para tudo, garoto. — Xivago sorriu, fitando o horizonte. — Basta encontrar algo que valha a própria vida.
Após um silêncio respeitoso, Xivago se virou para os dois jovens lobos.
— Vamos indo agora, garotos. Solus, você fica de vigia amanhã, não é?
Solus assentiu.
— Sim! Amanhã estarei de vigia.
— Então, trate de ter uma boa noite de sono. Sua mãe já deve estar se perguntando onde você está. Isso vale para você também, Tieves.
Concordando com um balançar de cabeça, os dois jovens lobos seguiram o tio montanha abaixo, acompanhados pelo brilho da lua cheia.
⧫⧫⧫
Naquela manhã, Solus despertou com um vigor renovado, determinado a se destacar entre os lobos de sua matilha. O motivo de sua dedicação? Amor. Simples, mas profundo. Ele sabia que, como um lobo comum, precisaria se esforçar três vezes mais se quisesse se provar digno da filha do ômega. Mesmo assim, a sensação de inadequação o atormentava; sua força era mediana, e as habilidades que faltavam a ele abundavam em outros lobos da matilha, como os membros da influente família Robinson.
Os Robinson sempre foram o braço direito da família real, respeitados por gerações. O filho mais velho, por exemplo, herdou uma força física impressionante. Diziam que ele era capaz de enfrentar vinte lobos comuns sozinho e sair vitorioso. Já sua irmã mais nova possuía uma habilidade rara: uma quantidade descomunal de mana, que lhe permitia curar ferimentos por completo até trinta vezes em um dia. E, se necessário, podia até regenerar membros perdidos, embora essa façanha exigisse mais mana e fosse limitada a cinco usos diários. Entre lobos tão formidáveis, Solus se via apenas como um guerreiro comum, mas sua paixão lhe dava forças.
Enquanto olhava para a floresta ao seu redor durante o turno de vigília, acompanhado por um grupo de lobos designados à mesma tarefa, o silêncio da manhã foi breve. Logo chegou a hora de retornar ao acampamento para se alimentar antes do próximo turno. No caminho, encontrou o grupo que tomaria seu lugar, e entre eles, Jack, um lobo de comportamento peculiar e humor duvidoso.
— Ora, ora, se não é o “chefinho” Solus! — provocou Jack com um sorriso, usando o apelido que Solus ganhara quando ainda eram filhotes.
Solus deu um leve aceno, constrangido.
— Ah, oi, Jack.
— E então, ficou mais forte desde a última vez que nos vimos?
— Talvez. Não sou mais tão fraco quanto antes.
Jack riu de modo intrigante.
— Kukuku, com tanta confiança assim, bem que poderia me dar uma amostra de seu poder, não?
Solus lançou um olhar ao seu grupo, que esperava por ele com expressões impacientes.
— Quem sabe outro dia? Preciso ir agora, desculpa…
— Certo, na próxima então.
Deixando Jack e seu grupo para trás, Solus e seus companheiros retornaram ao acampamento, onde avistaram Ryue chegando com seu próprio grupo de vigia, que também retornava após horas na floresta. Ryue, com sua habitual energia, aproximou-se de Solus enquanto conversava com uma loba desconhecida.
— Boas novas, Solus? — perguntou, lançando-lhe um sorriso esperançoso.
Solus balançou a cabeça, desapontado.
— Nada fora do comum.
— Ah, que desperdício! Eu estava pronto para acabar com qualquer um — resmungou Ryue.
Solus o encarou com uma sobrancelha arqueada.
— Mesmo? Então queria que algo atacasse o acampamento?
Ryue empalideceu, gaguejando uma explicação.
— N-não é isso! Só… só queria uma chance de brilhar. Desde que comecei a vigília, não enfrentei nada que valesse a pena. E quem se vangloria de matar um coelho? — concluiu, com uma risada forçada.
Solus riu, compreendendo o desejo do amigo de fazer jus ao nome da família. Era uma vontade que ele próprio conhecia bem. Foi então que a loba ao lado de Ryue interveio, sua postura e presença chamando atenção.
— Ah! Esta é a capitã da minha equipe de vigia — começou Ryue, ansioso para apresentar a companheira. — Seu nome é…
Ela interrompeu com uma voz firme.
— Desculpe, Ryue, mas posso me apresentar. — Voltando-se para Solus, ela o encarou com olhos frios e imponentes. — Sou Viely Del Noah.
O nome causou um impacto em Solus. Terceiro nome? Apenas membros da realeza o usavam.
— T-terceiro nome? — gaguejou, quase em incredulidade.
— Algum problema? — indagou ela, séria.
— N-não, nenhum, senhora. Eu… nunca a vi por aqui. O ômega tem tantos filhos que é difícil saber sobre todos…
— Compreensível. Sou a trigésima quinta filha de meu pai, e, como você, capitã na vigília — disse ela, inclinando levemente a cabeça em um gesto de saudação.
Solus arregalou os olhos, rapidamente abaixando a cabeça em sinal de respeito.
— N-não precisa, senhora! Não precisa me saudar!
— Vamos, levante a cabeça. Não preciso dessas formalidades. Sou capitã, como você. E aqui, no campo, somos todos iguais.
Relutante, Solus ergueu o olhar, impressionado com a atitude da loba da realeza.
— Mas… como posso…?
— Pode, e deve. Aqui, eu não devo nada ao meu pai, nem ao meu nome. No campo de batalha, somos todos irmãos.
Ele engoliu em seco. Não esperava encontrar um membro da realeza com aquela visão, exceto talvez pela própria Lady Aria, sua paixão secreta. Em Lady Viely, contudo, havia uma imponência diferente, algo feroz e inabalável, que despertava respeito imediato.
— Está bem. Me perdoe pelo comportamento e… por qualquer erro futuro — disse ele, com uma leve reverência.
Viely riu, um som incomum para alguém com sua expressão severa.
— Kukuku, erros futuros? Lobos jovens normalmente falam de seus feitos, nunca de seus fracassos. Como esse idiota aqui — disse, apontando para Ryue.
— Ei! Eu estou aqui, sabia? — protestou Ryue, indignado.
A conversa continuou, leve e cheia de risadas. Solus, ainda assim, sentiu a urgência de saber o que levava Viely a estar ali.
— Senhora Viely, o que a traz a um lugar como este?
Ela sorriu, com a intensidade de uma chama.
— Proteger nosso povo, é claro. De que adianta ser da realeza e ficar apenas sendo servida? Não é o dever de quem governa proteger os seus?
Aquelas palavras ecoaram no coração de Solus. Ele nunca havia pensado na realeza daquela forma, e a frase de Viely se tornaria uma verdade em seu espírito.
— Tens razão… mas ainda é incomum…
— Nada é comum nessa vida, disso posso lhe garantir. Agora vamos pegar nossa refeição antes que acabe. A única coisa de que realmente tenho medo é de passar fome — disse ela, rindo.
Solus assentiu, e juntos seguiram para se alimentar. E enquanto observava Viely, ele não pôde evitar um pensamento passageiro: se seu coração já não tivesse uma dona, talvez ele próprio se apaixonasse por aquela loba surpreendente.