Isekai Corrupt - Capítulo 40
— Isso só pode ser algum tipo de piada… — murmurou Leny, incrédulo, apertando o papel em suas mãos.
Ele relia cada linha da carta, tentando forçar a si mesmo a enxergar uma brincadeira, uma falha, qualquer coisa que invalidasse a ameaça iminente. A verdade, porém, cravava-se em sua mente como uma lâmina lenta e impiedosa. Ele olhou para o capitão, ainda tentando abafar o pânico que já começava a brotar em seu peito.
— Qual é a veracidade desta mensagem, capitão? — perguntou, lutando contra a urgência que surgia em sua voz.
O capitão Bell o encarou com olhos duros e cansados, o peso das palavras parecia afundar suas feições ainda mais.
— Não posso dar certeza absoluta, Leny, mas as pessoas que entregaram isso certamente acreditam no que estão dizendo. Invadiram a minha casa, deixaram esta carta na minha mesa. Foram capazes de driblar a segurança de um capitão da guarda central. Não creio que sejam meros brincalhões.
— O quê?! — Leny recuou um passo, atordoado.
Só de pensar que alguém havia entrado na casa do capitão, seu capitão, sem ser visto… isso significava um nível de habilidade assustador, ou um descuido terrível. Ele balançou a cabeça, tentando limpar a mente da sensação de perigo iminente.
— Isso é suspeito demais… ainda assim, é absurdo! Capitão, isso deve ser alguma armação. Como podemos levar isso a sério?
— A esse ponto, Leny? — Bell o fitou com um olhar firme, como se quisesse transmitir a realidade que Leny se recusava a enxergar.
Leny vacilou. Uma parte dele se agarrava à descrença como a última faísca de esperança, mas a urgência no olhar do capitão fez essa faísca se apagar.
— Tá, vamos supor que isso seja verdade. Algo vai atacar a cidade central? Que medidas de segurança o senhor já tomou?
O capitão respirou fundo e cruzou os dedos sobre a mesa, o rosto frio e imóvel como uma pedra.
— Nenhuma.
— Como?! — Leny explodiu, descrente. — Me desculpe, senhor, mas isso é uma loucura. Se o senhor realmente acha que isso pode acontecer… por que não fez nada?
— Porque não tenho certeza, Leny! — o capitão respondeu, a voz tensa. — Pense. Se espalharmos essa notícia sem confirmação, causaremos um pânico que será muito pior para a cidade. Conversei com o lorde da cidade, e ele disse que a economia seria gravemente afetada se nossos cidadãos e comerciantes nos vissem como vulneráveis a uma ameaça incerta.
— Então é uma questão de dinheiro? E a segurança das pessoas? — A voz de Leny, antes controlada, agora era um rugido frustrado. Ele pensou na sua própria família, sua esposa e sua filha. A imagem de ambas correndo em desespero, indefesas, o fez estremecer.
O capitão apertou o queixo, relutante.
— Acredite, Leny, eu fui contra. Mas o lorde foi inflexível. Ordenou que mantivéssemos a situação em segredo… nem deveria estar te contando isso.
— Que absurdo! — Leny gritou, incapaz de conter a raiva. Ele havia tentado se convencer de que aquilo era um engano, mas agora o desespero e o medo estavam prestes a dominá-lo. Cada instinto de soldado e pai em seu corpo clamava por uma ação imediata.
O capitão se aproximou, colocando uma mão firme no ombro de Leny. — Leny, escute. Mesmo que eu não tenha autorização para divulgar nada, aumentei o número de guardas nas muralhas. Não contei a eles o motivo, mas estarão prontos para qualquer eventualidade. É o máximo que pude fazer… discretamente.
Leny ainda tremia. Sua mente trabalhava febrilmente, imaginando cenários, calculando riscos. E se a defesa fosse insuficiente? E se esse ser realmente fosse poderoso o suficiente para passar pelas muralhas e destruir tudo em seu caminho? Quantas vidas seriam perdidas, vidas que poderiam ser salvas se tivessem um plano de emergência, se tivessem avisado as pessoas?
— Preciso da sua ajuda, Leny.
Leny piscou, surpreso.
— Minha ajuda?
— Sim. Preciso que você organize um plano de fuga com alguns guardas de confiança. Não sei quanto tempo temos, mas podemos, pelo menos, tentar reduzir as perdas se um ataque acontecer. Faremos isso em segredo, longe dos olhos do lorde.
Leny cerrou os punhos, a indignação e o medo agora tingindo sua voz de um tom quase irreconhecível.
— E como diabos você espera que eu faça isso?
A postura de Leny já não refletia mais subordinação. A figura do capitão à sua frente havia perdido o ar de autoridade que costumava ter. Agora, não era o “Capitão Bell” que estava ali, mas um homem que também temia pelo que poderia acontecer. Ele também estava preocupado, mas para Leny, isso não era o bastante.
— Tenho uma ideia… — disse Bell, após um momento de silêncio. — Em última instância, se as coisas saírem do controle, usaremos o portal de viagens real.
Leny o encarou, atônito.
— O quê? O senhor sabe que só pessoas da família real podem usar esses portais, não é? Isso é crime nacional.
— Tenho plena consciência, Leny — o capitão respondeu, sombrio. — Sei que isso me colocará como criminoso, mas prefiro enfrentar esse destino do que assistir pessoas inocentes morrerem sem fazer nada.
Em cada cidade central, existe um edifício imponente e fortemente vigiado: o Centro de Viagens Real. Erguido em pedras robustas e adornado com o brasão da realeza, esse prédio é mais do que um marco arquitetônico; é um símbolo de poder e controle absoluto.
Ali repousam os portais de teletransporte, passagens rápidas e seguras que conectam as principais cidades do reino — mas cujo uso é reservado a um seleto grupo de pessoas da nobreza e da família real. Para todos os outros, o acesso é simplesmente proibido e, em alguns casos, punido severamente.
O teletransporte é uma habilidade estratégica e poderosa, capaz de mudar o rumo de guerras e até mesmo de governos. Em mãos erradas, porém, ela é um risco inaceitável: um assassino com acesso aos portais poderia atingir membros da realeza ou grandes nobres em um piscar de olhos, rompendo qualquer esquema de segurança antes que os guardas sequer percebessem.
Mesmo com uma série de contramedidas para limitar esses riscos, o perigo é real. Qualquer falha de segurança poderia resultar em um desastre diplomático ou, pior, na perda de figuras de liderança.
Para impedir esses cenários sombrios, as leis proíbem o uso dos portais e outras habilidades de teletransporte, exceto em condições rigorosamente controladas e, normalmente, com o aval direto de altos oficiais.
Os Centros de Viagens Real são vigiados noite e dia por soldados altamente treinados, e qualquer pessoa não autorizada que se aproxime demais é imediatamente confrontada e, em casos extremos, eliminada.
Essas restrições são mais do que meras regras: são barreiras erguidas para manter o status quo e o domínio da nobreza sobre o território. Um plebeu que ousasse usar um portal — mesmo que para escapar de um perigo mortal — seria condenado rapidamente, visto como alguém que desafiou a própria autoridade real.
— Tudo bem… — Leny murmurou, com a voz mal sustentando a tensão que o dominava. — Não temos outra alternativa.
— Isso mesmo, Leny. — O capitão Bell assentiu, tentando transmitir firmeza, mas a inquietação era clara em seu olhar. — Vamos aproveitar o tempo que temos. Não podemos…
Antes que completasse, o chão sob seus pés estremeceu, de início sutil, mas o tremor logo aumentou, sacudindo as paredes da sala, derrubando livros das estantes e fazendo um armário inteiro desabar com estrondo. Parecia um terremoto, mas havia algo de anômalo naquele ritmo — não era um abalo natural.
O coração de Leny acelerou, preenchido por um terror irracional, visceral, como se pressentisse a aproximação de algo monstruoso, de uma força inumana. Algo que ele não conseguia explicar, mas que o deixava sem fôlego.
— O que está… acontecendo? — Ele caiu de joelhos, incapaz de manter as pernas firmes. O tremor o abalara por completo, e suas mãos tremiam enquanto tentava se erguer.
Bell foi ao seu auxílio, segurando-o pelo braço e levantando-o. Quando o tremor finalmente se dissipou, o silêncio que pairou entre os dois era apenas o prelúdio de um grito aterrador do lado de fora.
— Soem os alarmes! — ecoou a voz, desesperada, cortando o silêncio. — Algo terrível se aproxima! Um monstro!
Bell e Leny entreolharam-se em pânico antes de um guarda arrombar a porta com um empurrão, seu rosto distorcido pelo medo.
— Capitão! É… é uma cobra gigante, senhor! Está vindo em direção à cidade!
Bell mal precisou ouvir o restante. Ele correu para fora da sala, com Leny logo atrás, ambos subindo as escadas da muralha. Quando chegaram ao topo, o que viram fez o sangue de Leny gelar. No horizonte, uma criatura colossal se aproximava. Era uma cobra gigantesca, seu corpo ondulando pelo terreno como um rio de escamas escuras. De sua pele emanava uma aura tenebrosa, uma presença que pairava densa, sufocante, como o hálito da morte.
— Senhor… — Leny sussurrou, aterrorizado, enquanto a magnitude daquela visão o reduzia ao mais puro desespero. Olhou para Bell, mas o capitão também estava paralisado, seu rosto refletindo um medo tão profundo que nem mesmo ele parecia encontrar palavras para enfrentá-lo.
Ao redor, os guardas estavam em pânico. Muitos tinham caído ao chão, encolhidos, soluçando como crianças apavoradas, o medo corroendo o pouco de coragem que lhes restava. Os que ainda se mantinham de pé, apenas olhavam em silêncio para a criatura, já resignados a um destino amargo e iminente.
— Peguem suas armas! — Bell rugiu, a fúria em sua voz ressoando como um último grito de resistência. — Levantem agora! Parem de chorar, malditos! Sejam homens!
Com um gesto brusco, ele agarrou um dos guardas pelo colarinho, sacudindo-o para trazê-lo de volta à realidade.
— O que você pensa que está fazendo?! Nós estamos aqui para defender esta cidade, não para choramingar como crianças assustadas!
— Quero minha mãe! — soluçou o guarda, sem conseguir encarar o capitão. — Por favor… Não, eu… não posso… não consigo!
A expressão de Bell oscilou entre o desprezo e a compaixão, uma raiva impotente tingindo seu olhar. Aquilo era um pesadelo vivo, uma força que minava qualquer resquício de coragem. Ele sentia isso, e sabia que os outros também o sentiam. Aquela criatura emanava algo insidioso, uma sombra de puro terror que pairava ao redor, uma energia que não apenas impunha medo, mas tirava dos homens a capacidade de lutar, de reagir.
Leny sentiu o pavor penetrando cada fibra de seu ser. Era um medo primitivo, algo que ele jamais experimentara, e que o fazia vacilar. Mas, com esforço, ele ergueu os olhos e fixou-se na figura colossal à distância. Ele sabia que, se fraquejasse agora, o que restaria seria um rastro de corpos — sua família entre eles, e isso ele jamais permitiria.
Bell continuava aos gritos, um rugido de ira e desespero.
— Eu disse para se levantarem! Essa coisa quer nos dominar pelo medo, mas nós temos uma cidade para proteger! Se vamos cair, que seja lutando!
A criatura continuava a avançar, lenta e implacável, uma massa de escuridão ondulante, trazendo consigo a promessa de destruição.