Isekai Corrupt - Capítulo 41
A última vez que algo parecido aconteceu foi no “Incidente de Sombralume” — um ataque devastador, mas, naquela ocasião, eram apenas homens, terroristas desesperados, querendo instaurar o caos. Houve medo, claro, mas era algo que poderia ser vencido com estratégia, com esforço e coragem.
Agora, contudo, era diferente. Diante deles, não havia humanos, mas uma criatura colossal, uma abominação viva que emanava uma aura de morte tão densa que o terror parecia brotar dos próprios ossos daqueles que a observavam.
Leny olhava fixamente para o capitão, e as palavras de Bell o atingiram como um golpe.
— Leny. Pegue sua família e saia da cidade.
— Q-Quê…?! Capitão, como assim? Ir embora…?
No fundo, Leny queria ir. Parte dele, lá dentro, gritava por essa chance, essa permissão para escapar. Mas ele odiava o alívio que sentia, odiava a sensação de fraqueza que o enchia.
Fugir… era covardia. Como ele poderia deixar seus companheiros, seu capitão? Ele apertou os punhos, tentando expulsar o desespero que ameaçava consumi-lo.
Bell o observava, os olhos endurecidos.
— Aquela coisa… não é um monstro comum. Você percebeu, não percebeu?
Leny respirou fundo, o peso das palavras de Bell caindo sobre ele como uma pedra.
— Sim… percebi, capitão… Não há como… Não existe chance de vitória com o que temos aqui.
Bell assentiu, olhando para a criatura que se aproximava, lenta, implacável, cada movimento uma sentença de morte.
— Isso. Não temos nenhuma chance. Aquela aberração… só a Divisão de Caça de EterNova poderia enfrentá-la.
Ele explicou com a voz tensa, lembrando Leny de que as Raids de Feras Mágicas eram organizadas apenas quando ameaças desse calibre surgiam, e soldados especialmente treinados eram enviados para eliminá-las. Mas agora, aqui, em uma cidade como aquela, eles não tinham essa força.
— Então por que eu? — Leny murmurou, a angústia crescendo. — Por que me mandar fugir? Capitão… o senhor também tem uma família. Não deveria…
Bell, sem mais um segundo de hesitação, agarrou Leny pelo colarinho, sua fúria e desespero transbordando num olhar de aço e fogo.
— Só faz o que eu mandei, Leny! — A voz dele soou amarga, como se estivesse lutando para manter as emoções contidas. Ele respirou fundo, e então, sua voz saiu quase em súplica. — Passe na minha casa, leve minha esposa e meu filho. Pegue sua família também. Vá até o portão principal. Saiam daqui!
Leny ficou em silêncio, seus lábios tremendo.
— Capitão… eu…
Bell, com um olhar de uma tristeza profunda, deu-lhe um último comando, cheio de uma confiança dolorosa:
— Leny… confio isso a você.
— S-sim, senhor…
— Agora, vá, seu moleque. — Bell empurrou Leny com uma força que era mais um desespero do que uma ordem.
Leny recuou, observando seu capitão se virar e, com um gesto decidido, arrancar sua espada da bainha.
Sem olhar para trás, Bell avançou até o parapeito da muralha e, sem hesitação, saltou, aterrissando no chão com firmeza e dando os primeiros passos em direção à monstruosidade que avançava.
Leny mal conseguia acreditar no que via. Bell… estava indo enfrentar aquilo sozinho.
— Capitão! — tentou gritar, mas a voz falhou, enterrada sob o nó de desespero em sua garganta.
O capitão avançava, imponente, mas havia um peso em seus ombros, uma coragem trágica que transbordava no modo como sua espada reluzia sob a luz sombria.
Ele sabia. Bell sabia que não voltaria daquela batalha.
E mesmo assim, com um olhar decidido e uma determinação desesperada, ele continuava, aproximando-se, um homem solitário contra uma aberração que não deveria existir no mundo.
Leny, ainda no alto da muralha, sentiu as lágrimas queimarem em seus olhos.
Leny sabia que o tempo estava contra ele, então girou nos calcanhares e saltou da muralha com uma precisão instintiva. Ele deslizou sobre o telhado de uma casa, o som de seus pés rápidos ecoando nos telhados, até se lançar no chão.
Correu pelas ruas da cidade em um passo febril, e ao seu redor a cena era de um pesadelo: os moradores corriam em todas as direções, o pavor estampado em cada rosto, crianças chorando, mães tentando proteger seus filhos, e idosos tremendo, sem saber para onde ir ou o que fazer.
Pelos protocolos de emergência, os guardas deveriam estar montando carruagens para evacuar os civis da cidade central, mas… a ordem parecia ter se quebrado.
Aqueles que deviam ser pilares de proteção estavam imobilizados pelo terror, muitos mal conseguiam se mover. Alguns poucos tentavam, mas com gestos incertos, mãos trêmulas e olhos arregalados.
O pavor que emanava daquela criatura gigantesca, aquela cobra colossosa cercada por uma aura negra e sufocante, estava quebrando todos ao seu redor.
Leny sentia o mesmo medo dominador que todos eles. Ele era um ex-aventureiro, já tinha enfrentado monstros, visto coisas que fariam qualquer homem hesitar, mas nada era como isso. Ele sabia que aquilo não era apenas um medo natural.
O que aquela criatura emitia era algo profundo, quase sobrenatural. Esse tipo de medo… é uma habilidade, ele pensou, enquanto seu coração martelava. Criaturas poderosas como essa podem transformar sua sede de sangue em uma aura de puro terror. Ela não está apenas atacando — ela está dominando o coração de todos nós.
Sua mente correu para um antigo companheiro de aventuras, que sabia lidar com esses tipos de habilidades. 「Momentary Stabilization」, era assim que chamavam.
Um escudo mental, algo que conseguia brevemente bloquear esses medos incutidos no coração. Mas Leny nunca aprendera tal habilidade. Não tinha como salvar a cidade, não podia ajudar todos aqueles que via congelados pelo terror.
Mesmo que ele soubesse, sua mana era limitada, ele conseguiria ajudar cinco, sete pessoas… não mais que isso. O peso daquela verdade afundou nele como uma rocha.
Ele cerrou os dentes, forçando os pensamentos sombrios para longe. A única coisa que podia fazer… era salvar sua família.
Então é isso…? murmurou para si mesmo, a respiração entrecortada. A única resposta é… fugir?
Sem mais hesitação, acelerou o passo, desviando dos moradores caídos. Finalmente chegou em frente à sua casa e arrombou a porta, que bateu com violência contra a parede.
Lá dentro, sua esposa e sua filha estavam abraçadas, encolhidas no chão, esperando. Não fugiram, não tentaram escapar, não buscaram uma saída. Ele sabia o motivo — elas estavam esperando por ele. Esperando pelo seu retorno, confiando que ele voltaria para levá-las a salvo.
Leny se ajoelhou diante delas, puxando ambas para seus braços, o rosto sombrio mas decidido. Ele segurou sua esposa com firmeza, o olhar intenso e afetuoso, tentando transmitir a ela a calma que, lá no fundo, ele sabia que não tinha.
— Amor! Filha! — Leny caiu de joelhos, e as abraçou com tanta força quanto a que recebeu delas em lágrimas e braços apertados.
— Emilia… vocês… por que ainda estão aqui? O sinal de evacuação…
— Acha mesmo que iríamos sem você?! — disse Emilia, os olhos brilhando com uma raiva emocionada.
— Nunca, papai! — sua filha apertou-se contra ele, os bracinhos ao redor de seu pescoço como se jamais o soltaria. — Nunca iríamos embora sem você!
Leny fechou os olhos, sentindo o calor daqueles braços pequenos, o toque suave da esposa, e soube que aquelas despedidas seriam as mais dolorosas de sua vida.
— Amor, o que está acontecendo? — perguntou Emilia, a voz abafada pela preocupação. — Por que estão evacuando a cidade?
Ele hesitou, mas sabia que não podia esconder a verdade.
— Uma criatura, uma cobra colossal… está se aproximando. Ela está vindo devagar, mas não vai parar. Vai atacar a cidade. — Ele respirou fundo, tentando manter a voz firme. — Vamos, preciso tirar vocês daqui agora.
Com um movimento determinado, Leny se levantou, pegando a filha no colo. Ela o abraçou com força, o rostinho úmido de lágrimas encostado no ombro dele.
— Devo pegar alguma coisa de casa? — perguntou Emilia, mas ele balançou a cabeça, sério.
— Não, o quanto antes vocês saírem, melhor.
Emilia parou e o olhou, o rosto uma mistura de dor e algo mais. Não era tristeza; era raiva.
— Por que está falando “vocês”? — A voz dela tremeu levemente, mas o olhar era afiado. — Por que não “a gente”?
— Amor…
— Papai! — a voz da filha ecoou, um lamento sentido que perfurou o peito dele. Ela ergueu o rosto para encará-lo, o medo e a súplica claros em seus olhos. — Papai, você vem com a gente, não vem? Vem, né, papai?
Leny sentiu o coração despedaçar-se. Queria tanto poder dizer que sim. Queria se entregar ao instinto de proteger as duas, sair dali e fugir daquela cidade. Mas… não podia.
Não posso… não posso ir…
A filha soluçava, a voz rouca de súplica.
— Papai, por favor! Por favor, papai!
Eu… não posso… não posso abandonar quem ficou…!
De repente, Emilia envolveu os dois em um abraço apertado, passando a mão suavemente pela cabeça de Leny e da filha, num gesto de consolo. Sua voz saiu trêmula, e ele podia sentir a dor escondida em cada palavra.
— Eu entendo, querido… eu entendo… — A voz dela falhou, o controle que tentava manter oscilando com o choro preso. — Mas… você vai voltar, não vai? Vai voltar pra gente?
A dúvida e o temor naquelas palavras eram como punhais. Leny a olhou nos olhos, tentando buscar forças que não tinha, uma confiança que estava se dissolvendo dentro dele. E mesmo assim…
— Eu prometo. Prometo que voltarei para vocês duas…! — a voz quase se quebrou, mas ele precisava acreditar.
A filha choramingou mais alto, estendendo as mãos para ele. — Não! Vem com a gente! Por favor!
Emilia, num ato de força, puxou a filha para o colo. Ela segurava a criança que ainda se esticava na direção de Leny, os bracinhos tentando se agarrar a ele mais uma vez.
— Ele vai encontrar conosco depois, querida. — disse Emilia, tentando manter a calma, mas Leny pôde ver o brilho das lágrimas que ela tentava conter.
— Não, não, papai! — A menina chorava, e cada soluço parecia ecoar mais forte na mente dele.
Por um breve momento, Emilia e Leny trocaram olhares intensos. Ela queria tanto impedi-lo, e ele sentia isso no modo como ela o olhava — como se pudesse arrancá-lo dali e levá-lo consigo, custasse o que custasse. Mas em seu olhar também havia algo mais: uma aceitação dolorosa, a aceitação de que, por mais que doesse, aquilo era maior que eles.
A esposa secou uma lágrima que escorria, e sua voz saiu rouca, mas firme:
— Você vai voltar, não vai?
— Vou… — Ele tentou sorrir, embora não tivesse certeza de nada. — Eu vou voltar.
Ela assentiu devagar, o rosto ainda molhado pelas lágrimas, e se afastou. Ele observou, enquanto ela segurava firme a filha, que ainda o chamava entre soluços.
Leny ficou ali por um instante, as palavras de sua promessa ainda ecoando dentro de si. Eu prometo… prometo que irei retornar para vocês duas. A promessa pesava como uma âncora em seu peito.
Ele observou Emilia e sua filha desaparecendo ao longe, e precisou reunir cada fração de coragem que lhe restava para não correr atrás delas, largando tudo.
Mas ele tinha uma última tarefa. Fechou os olhos e respirou fundo, afastando a dor e o medo. Ele ainda tinha uma promessa para cumprir. O capitão. A esposa e o filho do capitão ainda estavam na cidade, aguardando notícias — e precisavam dele.
Cruzou a cidade em meio ao caos, com passos rápidos e firmes, desviando dos moradores aterrorizados que corriam pelas ruas. Via rostos conhecidos, todos com olhos arregalados e cheios de medo, mas Leny não podia parar.
Não podia permitir que mais uma família ficasse sem proteção. As palavras do capitão ecoavam em sua mente: “Eu confio em você para isso, Leny.”
Ao se aproximar da casa do capitão, sentiu um nó na garganta. A cada passo, a imagem da criatura se tornava mais nítida em sua mente — aquela monstruosidade que nenhum homem comum podia enfrentar.
Leny parou diante da porta, e antes de bater, fechou os olhos mais uma vez, buscando a força para o que precisaria dizer.
Bateu na porta com firmeza, e um momento depois, a esposa do capitão abriu. Os olhos dela, marcados pelo cansaço e pelo medo, se fixaram nos dele. Atrás dela, o filho pequeno, que mal chegava à altura do joelho dela, olhava para Leny com curiosidade e preocupação.
— Senhora… — Leny começou, sentindo a voz falhar. — O capitão pediu que eu viesse… Ele quer que vocês saiam da cidade, agora.
Ela franziu o cenho, ainda em choque.
— E ele… onde está o meu marido?
Leny engoliu seco, mas sabia que precisava ser honesto, mesmo que as palavras lhe escapassem com dificuldade.
— Ele… ele ficou para lutar contra a criatura.
Ela fechou os olhos, e o menino ao seu lado segurou sua mão com força. A mulher lutava para manter a compostura, mas Leny podia ver o terror estampado no rosto dela, a compreensão do que aquelas palavras significavam.
— Mas… e você? — ela sussurrou.
Leny hesitou, o coração batendo forte.
— Eu vou voltar!