Isekai Corrupt - Capítulo 42
Assim que Leny retornou para a muralha, uma visão imponente o aguardava. A colossal serpente se arrastava com uma lentidão calculada, cada movimento dela parecia desenhado para prolongar o pavor na cidade central.
O chão tremia sob o peso daquela criatura, e no caminho oposto, lá estava o capitão Bell, caminhando sozinho com sua espada em mãos, como um ponto de luz frágil e obstinado em meio àquela escuridão.
Leny sentiu um aperto no estômago. A cobra tinha poder para atravessar a cidade num instante, mas escolhera se aproximar vagarosamente, espalhando uma aura sombria que se agarrava ao coração de cada pessoa como garras invisíveis.
A criatura sabia o que estava fazendo. Estava brincando com eles, experimentando o medo coletivo como um predador saboreia o cheiro de sua presa antes do ataque.
Na muralha, o caos reinava. Os guardas, que deveriam estar ao lado de Bell, estavam amontoados no chão, alguns com os olhos arregalados, outros murmurando orações desesperadas, incapazes de erguer as armas.
A mesma visão ecoava ao redor: homens endurecidos pelo trabalho, agora quebrados, tão aterrorizados que pareciam crianças.
A raiva de Leny queimou em seu peito. Ele entendia o medo que todos ali sentiam, mas ver aqueles que juraram proteger a cidade caídos como folhas ao vento o enchia de indignação.
Ele murmurou, a voz saindo rouca e amarga.
— Vocês… — ele sussurrou. Alguns guardas olharam para ele, confusos e trêmulos.
Ele ergueu a voz, num rugido que cortou o ar como uma lâmina.
— Levantem!
As palavras dele ecoaram, surpreendendo a todos. Houve um breve silêncio, e a intensidade de seu grito fez com que muitos se erguessem, encarando-o com olhares confusos e, por um instante, despertados.
Um dos guardas mais próximos, com os olhos fundos e um rosto exausto, se aproximou.
— Cara… o que você… — disse o guarda, hesitante. — Não fique gritando. Você está nos deixando ainda mais nervosos…
Leny o fitou, com uma frieza que contrastava com o tumulto ao redor.
— Isso aqui… é uma vergonha. — Ele apontou para Bell, que, sozinho, avançava contra a monstruosa serpente. — Olhem para ele! O capitão está indo sozinho. Vocês vão ficar aqui, encolhidos? Assistindo enquanto ele luta por todos nós? Seremos covardes a esse ponto?
O guarda desviou o olhar, envergonhado, enquanto outro reagiu com nervosismo.
— Ei! Se você quer morrer, vá sozinho! — berrou alguém.
— E o que acham que vai acontecer se ficarem aqui parados? — Leny gritou de volta. — Vocês acham que a morte não vai alcançá-los de qualquer maneira?
Alguns guardas abaixaram a cabeça, incapazes de olhar uns para os outros, as expressões derrotadas refletindo sua própria impotência.
Leny respirou fundo, tentando abafar o tremor em suas mãos, e prosseguiu, desta vez com um tom mais brando, porém não menos firme.
— É natural ter medo. — Ele deu uma pausa, fitando cada um dos homens à sua frente, e sua voz saiu mais trêmula, mas não menos sincera. — Eu também estou com medo. Estou tremendo, mal consigo respirar… mas eu voltei, porque não posso fugir. Eu tenho uma esposa e uma filha, e quero garantir que elas saiam daqui vivas. Sei que todos vocês têm pessoas que amam nesta cidade, pessoas que estão esperando para serem salvas, mas para isso precisamos dar a elas uma chance de escapar!
Leny fechou os olhos por um instante, lembrando do olhar de sua filha, da forma como ela se agarrou a ele, implorando para que fosse junto. Sua voz falhou, mas ele continuou.
— Eu queria tanto fugir com elas… Queria ir embora e nunca olhar para trás. O capitão até me deu permissão para partir com minha família. — Ele engoliu em seco, os olhos ardendo. — Mas eu escolhi ficar e lutar. Preciso ter a certeza de que elas terão tempo para escapar, mesmo que isso me custe a vida. E preciso de vocês! Preciso da força de cada um aqui, porque sozinho… sozinho não posso fazer nada!
O silêncio tomou conta da muralha. Leny estava com o peito arfando, o rosto marcado pelo cansaço e pela determinação. Um a um, os guardas começaram a erguer a cabeça, os rostos ainda tomados pelo medo, mas agora com uma faísca renovada de coragem.
Finalmente, um dos guardas deu um passo à frente, a expressão marcada pela determinação.
— Vamos, então… por eles.
Outros assentiram, agarrando suas armas com um vigor que antes parecia distante. Lentamente, cada homem ali começou a tomar posição, lado a lado, erguendo suas espadas e lanças contra a escuridão.
Leny observou aquilo, sentindo o peso do momento. Eles estavam prontos, não para uma batalha comum, mas para um sacrifício. E por mais que a morte estivesse tão próxima quanto o próximo passo daquela criatura, ao menos agora, ele sabia que não estava sozinho.
— Ehh… cara… — chamou o guarda, se aproximando de Leny com passos incertos e um olhar cheio de hesitação.
Era o mesmo guarda que, momentos antes, gritara com ele, o rosto ainda tenso e defensivo, como se cada palavra fosse difícil de arrancar.
— Me desculpa… — sussurrou, com uma voz carregada de peso.
Leny o encarou, surpreso.
— Desculpa? Pelo quê? — perguntou, com uma suavidade que surpreendeu o guarda.
O homem desviou o olhar, sua mão fechada tremendo descontroladamente enquanto segurava o próprio pulso, lutando para conter o medo que o consumia.
— Pelo jeito que falei com você… Estou completamente… apavorado. — Sua voz falhou, e ele parecia lutar com a vergonha de admitir a verdade.
Leny o observou, deixando escapar um suspiro exausto.
— Não se preocupe com isso… — respondeu com um olhar compreensivo. — Estou na mesma situação que você.
Ambos partilharam aquele momento silencioso, um entendimento mútuo que superava palavras. Ao redor deles, os guardas começaram a se preparar, com mãos trêmulas e rostos pálidos. Alguns vomitavam no chão, os estômagos revirados pelo terror absoluto; outros lutavam para manter o foco, os olhos fixos na serpente que aguardava adiante, uma certeza de morte.
— Eles estão quase prontos… — murmurou o guarda, observando o caos silencioso ao redor.
— Sim. — Leny respondeu, o olhar firme. — As coisas vão ficar complicadas…
O guarda pareceu hesitar, um pouco perdido, mas perguntou:
— E, falando nisso… Qual o seu nome?
— Leny. — respondeu com um aceno breve. — E o seu?
— Ah… me chamo Igor. Prazer… — respondeu, estendendo a mão.
Os dois apertaram as mãos, um gesto curto e firme que carregava um peso maior que qualquer discurso. Fitaram, lado a lado, a criatura que se movia lentamente na direção deles, e um silêncio grave se instalou entre os homens, enquanto o mundo ao redor parecia preso entre o medo e a expectativa.
Igor quebrou o silêncio, sua voz um fio frágil, mas resoluto.
— Acha que vamos morrer… não é? — perguntou, encarando o chão, como se as palavras fossem uma sentença que ele tentava engolir.
Leny olhou para ele com um brilho inesperado de teimosia nos olhos.
— Nem ferrando. — disse, com uma convicção que fez Igor o encarar, surpreso.
— O quê? — Igor mal conseguiu disfarçar a incredulidade.
— Não é porque estou indo em direção à morte que eu desisti de viver. Vou fazer tudo o que for possível… e o impossível… para sobreviver ao menos um segundo a mais.
Igor deixou escapar uma risada baixa e nervosa, um sorriso que trazia um pouco de alívio no meio do terror.
— Isso… isso me deixou um pouco mais calmo, sabia? — disse, balançando a cabeça, como se tentasse organizar a avalanche de pensamentos.
Leny apertou os olhos, como se estivesse elaborando algo em sua mente.
— Acho que… tive uma ideia.
Igor ergueu uma sobrancelha, tentando entender.
— Uma ideia? — perguntou, com um fio de esperança na voz.
— Quantos conjuradores temos aqui?
⧫⧫⧫
Bell avançava, cada passo pesado, cada batida de seu coração soando como o tambor do próprio destino. Sentia a adrenalina rasgar suas veias, seu corpo todo gritava que fugisse, que se afastasse daquela ameaça descomunal.
Mas ele sabia que não tinha esse luxo. Se hesitasse por um momento, o pânico se espalharia entre os guardas da cidade. Muitos deles não sobreviveriam… e, no fundo, sabia que, por mais que tentasse, talvez ele próprio não sobrevivesse.
— Tive uma boa vida… — murmurou para si mesmo, deixando um sorriso cansado escapar enquanto se forçava a andar. — Quem sabe eu não renasça como filho de um rei na próxima vida? — pensou com ironia, rindo baixinho. — Ah, mas que tédio isso seria…
A cada passo, suas lembranças e esperanças o envolviam, cada vez mais intensas. Em silêncio, murmurou uma prece, uma mensagem sussurrada ao vento, como se fosse uma última carta.
Leny… cuide da minha esposa e do meu filho. Vou ganhar o máximo de tempo que puder.
De repente, a enorme serpente emergiu diante dele, seus olhos escuros e cruéis fixos no homem solitário que ousava desafiá-la. Bell parou, encarando aquela criatura, o símbolo do próprio terror, a poucos metros de distância.
Respirou fundo e ergueu a espada, esforçando-se para manter a voz firme enquanto gritava, fazendo suas palavras ressoarem no ar.
— Meu nome é Bell! Sou o capitão da guarda da cidade central… e vim aqui para executar você!
A resposta veio com uma voz sibilante e cheia de malícia, uma voz que não deveria pertencer a um monstro.
— Humano, quantos anos você tem? — perguntou a serpente, inclinando a cabeça com curiosidade.
Bell hesitou, surpreso. Não era incomum que criaturas de grande poder falassem, mas aquilo o pegou desprevenido.
— Quarenta e dois… — respondeu, a voz vacilando por um instante.
A serpente bufou.
— Hm… então já é bem velho. Diga-me, alguém avisou que eu viria atacar esta cidade?
Bell sentiu um arrepio na espinha ao ouvir a palavra “atacar”. Esforçou-se para disfarçar o pânico que começava a se insinuar.
— Sim… recebi uma mensagem dizendo que você atacaria — respondeu, tentando soar firme.
A serpente riu, uma risada baixa e ameaçadora que reverberou pelo chão.
— Interessante… parece que deixar aquele humano vivo não foi tão inútil, afinal. Mas me diga, você é o único tolo que veio me enfrentar?
— Só um humano idiota, interrompendo a sua festa… — Bell murmurou, numa tentativa de ganhar tempo. Se conseguisse distrair a criatura, talvez houvesse uma chance para os outros fugirem.
— Sinto muito, humano. Mas nenhum de vocês irá sobreviver — a voz da serpente gotejava frieza, quase prazer em seu tom.
Bell sentiu um nó na garganta. Seria verdade? Todo seu esforço… tudo o que tentava fazer… era inútil?
— O que… o que você disse!? — murmurou, o medo crescendo como uma sombra dentro dele.
A serpente riu novamente, impiedosa.
— Eu sinto o calor dos seus corpos. Mesmo que tentem fugir, precisam correr muitos quilômetros para escapar de mim. Vou caçar cada um de vocês, um por um… até não sobrar mais ninguém.
Bell sentiu a raiva borbulhar. Ele não deixaria que isso acontecesse, não importava o que custasse. Agarrou a espada com força, assumindo posição de combate. Não podia desistir… não enquanto sua família ainda estivesse lá fora.
— Humano, é inútil — zombou a serpente, com um sorriso de escárnio. — Se tivessem pedido ajuda quando receberam a mensagem, talvez tivessem uma chance melhor.
— Em um único dia? Você acha mesmo que teríamos tempo para isso? — gritou Bell, incrédulo.
A serpente inclinou a cabeça, como se refletisse, e depois, cansada da conversa, ergueu a cauda, seu golpe mortal prestes a se abater sobre ele.
— Até nunca mais, humano.
O terror invadiu Bell como um furacão, e ele reagiu num ato de puro instinto.
— 「Increase Speed」! — gritou, ativando sua habilidade.
Num salto desesperado, conseguiu desviar parcialmente do golpe. A cauda passou raspando, mas mesmo assim o impacto foi devastador. O golpe lhe arrancou o braço direito, a dor explodindo como um incêndio em seu corpo, enquanto o sangue jorrava, manchando o chão.
— Argh! — gemeu, os dentes cerrados, o rosto torcido de dor.
A serpente o observava com curiosidade, como se tivesse acabado de descobrir um brinquedo novo.
— Humano… você quase desviou. Impressionante. Quer ser o meu bichinho de estimação? Vocês humanos não gostam disso?
Bell sentiu o ódio se intensificar. Ela zombava dele, do sacrifício de cada um dos guardas que ele lutava para proteger.
— V-vai… pro inferno! — conseguiu gritar, mesmo enquanto sua visão começava a escurecer.
A serpente sorriu.
— Eu farei você assistir enquanto elimino cada um deles. Assim poderá desfrutar sua última visão: a dor daqueles que você falhou em proteger.
Mais uma vez, ela o atingiu com um golpe brutal, e Bell foi lançado ao chão, caindo com um baque ensurdecedor. Seu corpo exausto tremia de dor, e as lágrimas começaram a escorrer de seus olhos.
— Me desculpem, Lorena… Vitor… Eu… sou tão fraco… — sussurrou, sentindo a escuridão se aproximar, lentamente, inevitável.
Mas então, um grito cortou o ar.
— LUTEM!
Bell forçou os olhos a se abrirem e viu, ao longe, uma visão que jamais esperaria. Os guardas, liderados por Leny, corriam para enfrentá-la. Mal acreditava que haviam respondido ao seu chamado. O coração batia com uma esperança nova, frágil, mas suficiente para reacender sua vontade.
Leny ajoelhou-se ao seu lado, despejando uma poção curativa em sua boca enquanto Igor, ao lado, aplicava curativos para estancar o sangue da ferida.
— Capitão, precisamos de você! — Leny sussurrou. — Ainda temos uma chance!
Bell observou, com os olhos marejados, os conjuradores ao redor preparando um feitiço, concentrando uma bola de fogo descomunal destinada à serpente. Ele soltou uma risada fraca.
— Vocês são… todos malucos. — Sua voz era cansada, mas cheia de gratidão.
Leny sorriu, seus olhos brilhando com uma determinação feroz.
— Talvez sejamos, mas não vamos deixá-lo sozinho nessa!
— Claro! Estamos com você, Capitão Bell! — bradou Igor, a voz forte, mas trêmula.
Bell sentiu seu peito inflamar. Ali, cercado por aqueles homens que escolheram ficar e lutar ao seu lado, percebeu que essa era a verdadeira força dos humanos. Juntos, eles podiam enfrentar qualquer coisa.
Ele se levantou com dificuldade, firmando-se, erguendo a espada na mão esquerda. Deu um último olhar para seus companheiros e sorriu.
— Vamos mostrar a essa serpente do que somos feitos! Avançar!
E, com o coração queimando de coragem, Bell e seus homens lançaram-se à batalha, sabendo que a vitória era incerta, mas certos de que, unidos, tinham a força para enfrentar até o próprio destino.