Isekai Corrupt - Capítulo 49
Talvez fosse apenas um sonho… mas ali estava ele, revivendo um tempo distante, uma era em que seu coração não estava tomado pelo ódio aos humanos.
Lembranças surgiram, imagens que o tempo quase apagou.
Ele se viu pequeno, frágil, sob os cuidados de um humano. Esse humano havia sido mais que um protetor; ele fora como um pai e uma mãe que ele nunca tivera. Lembrava-se de como aquele humano, de nome Levi, o alimentava, cuidava dele com devoção diária.
Como pôde esquecer disso?
Talvez porque, naquela época, ainda não era racional, não era forte o suficiente para compreender o que significava aquela afeição. As memórias haviam se perdido nas profundezas de sua mente, esperando o momento de serem desenterradas.
Levi era um homem sorridente, sempre ali, sempre presente.
Quando ele começou a crescer e alcançar os cinco, seis metros, os habitantes do vilarejo começaram a se preocupar, a temê-lo. “Ele é perigoso,” diziam, “logo matará alguém.” As palavras atravessavam Levi como lanças, mas ele tentava não demonstrar.
Passou a viver com medo, pois as pessoas não só o ameaçavam; atiravam pedras em sua casa, gritavam ofensas ao redor dela. Ele, porém, sorria e o tranquilizava.
— Enquanto estivermos juntos — dizia Levi —, estarei feliz.
Mas as ameaças só aumentavam.
Até que, numa noite, alguém bateu desesperado à porta da casa. Era um humano conhecido, um conhecido de Levi. Entrou e, com a voz tremendo, avisou que o vilarejo planejava incendiar a casa à meia-noite. Eles pretendiam acabar com a vida dos dois, de Levi e da criatura, num inferno de chamas.
— Fuja e deixe-o morrer — sussurrou o homem, com os olhos baixos.
Levi, no entanto, recusou sem hesitar.
Firmou o corpo e fechou a porta com força, recusando a proposta. Em seguida, foi até o gigantesco amigo, acariciou sua cabeça com um carinho que poucas vezes se via em humanos.
— Você vai ficar bem, eu prometo — disse, com os olhos brilhando de determinação.
Mas Levi sabia que precisaria tentar conversar com os outros para impedir a tragédia. Saiu para confrontá-los, prometendo que voltaria. Só que ele nunca voltou. O tempo passou, e o fogo começou a consumir a casa, um incêndio furioso que rugia em volta do lugar onde a criatura esperava em vão.
E então, ele o viu. Pela janela, observou Levi sendo cercado pelos humanos, segurando tochas e lanças afiadas. Um dos homens, aquele mesmo que viera avisá-lo, segurava uma lança manchada de sangue, ainda escorrendo.
No chão, o corpo de Levi se movia lentamente, arrastando-se em direção à casa. Seus olhos estavam desesperados, e ele gritou, mesmo fraco:
— Fu… fuja! Fuja!
Mas os homens não deixaram.
Pisotearam Levi, chutaram-no, impediram sua aproximação.
Ele continuou tentando, forçando cada músculo, até que um dos homens cravou a lança em seu peito.
Levi parou de se mexer.
O amigo gigante observou, em um instante que pareceu eterno, seu amigo sendo tirado dele. Aqueles humanos haviam roubado o que ele mais amava. Aquele foi o momento em que o ódio tomou conta de seu coração, ardendo com uma intensidade jamais sentida.
Ele rompeu as chamas que o cercavam e atacou, irrompendo contra os humanos, esmagando-os sem hesitar.
Os gritos, os prantos… nada importava. Ele apenas matava. Um após o outro, varria aquele povo que tão cruelmente o havia privado de tudo. Choros infantis ecoavam ao seu redor, mas ele não ouvia nada além do ódio. Um humano adulto tentou protegê-los, mas em vão.
Uma criança correu para ele, gritando:
— Papai! Papai! Não chegue perto do meu—
A voz da criança se interrompeu. O pai humano, em desespero, jogou a criança em direção ao monstro e fugiu, deixando-a para trás.
Nojento!
Repugnante!
O massacre durou horas. Quando finalmente cessou, corpos estavam espalhados pelo vilarejo, destroçados, enquanto corvos se amontoavam para devorar os restos.
Ele rastejou até uma das casas em ruínas, ainda em chamas, mas ali, diante das brasas e do silêncio, o cansaço tomou conta de sua alma. O que acontecera naquela noite se esvaía de sua mente, como se o próprio tempo tentasse apagar a dor.
Mas uma coisa permanecia, queimando como as chamas ao redor:
Odeio… odeio… odeio os humanos.
⧫⧫⧫
A cobra maligna despertou, com uma dor lancinante espalhada por cada fibra de seu corpo. O mundo ao seu redor estava borrado, e o gosto metálico de sangue enchia sua boca — seu próprio sangue, formando uma poça sob ela. Seu rosto, destruído pelo último golpe, pulsava com uma dor insuportável, a pele dilacerada em uma ferida profunda e grotesca.
Lentamente, ela percebeu o vazio ao seu redor: o lobisomem havia desaparecido, deixando em seu lugar apenas um lobo, exausto e arfando.
— Droga… acabou a mana — murmurou o lobo, com o olhar cansado.
A forma de lobisomem demandava uma energia brutal, e enquanto conferia ao lobo um poder monstruoso, comparável ao dela, ainda era apenas uma transformação, algo efêmero.
Ele não podia mantê-la indefinidamente.
Uma brecha. Ela sentiu um impulso de sobrevivência, de vingança. O lobo estava vulnerável, sua mana esgotada. Este era o momento. Se ela agisse rápido, poderia acabar com ele, esmagá-lo enquanto ainda estava fraco, fazê-lo sofrer.
Mas, então, algo estranho aconteceu.
Um brilho emanou da pata do lobo. Com a visão turva, a cobra piscou, percebendo com horror que estava vendo apenas com um dos olhos — o outro havia sido completamente destruído pelo impacto do golpe. Confusa e atordoada, ela forçou-se a focar no lobo mais uma vez.
E o que viu fez um terror gelado rastejar por seu corpo.
Impossível… Ele estava sem mana…
Ela tinha certeza disso.
E, ainda assim, diante dela, ele assumia novamente a forma do lobisomem.
— O golpe de misericórdia… — disse o lobisomem, o tom firme, embora um pouco cansado. Seus olhos, ferozes, carregavam um toque de compaixão, quase de piedade.
Um olhar que, em qualquer outra situação, teria enraivecido a cobra, feito seu sangue ferver.
Mas agora, à beira da morte, o orgulho se dissolveu, substituído por puro e absoluto terror.
O lobisomem agachou, fincando as patas no solo, preparando-se para o ataque final. Ela tentou se mover, lutar, escapar de alguma forma. Mas a dor a imobilizava, cada parte de seu corpo clamando em agonia.
Levi… vou morrer…
Com um rugido ensurdecedor, o lobisomem se lançou, sua velocidade cortando o ar como um trovão.
—「Werewolf Punch」— bradou, o punho cerrado com força sobrenatural.
Seu golpe ascendeu direto ao rosto da cobra.
O impacto ergueu o corpo dela metros no ar, sua cabeça se sacudindo violentamente. O mundo ao seu redor escurecia enquanto sua consciência se esvaía pela última vez, e, em seu único olho, a imagem de Levi surgia, enevoada e distante.
E então, a cobra maligna desapareceu para sempre.
⧫⧫⧫
As chamas consumiam tudo ao redor, uma onda de pânico tomava a multidão. Em meio ao caos, uma mãe abraçava sua filha pequena, os corpos das pessoas que tentaram escapar jaziam agora pelo chão, carbonizados.
A poucos metros dali, o corpo de Vitor, uma criança sorridente e cheia de vida, filho do capitão da guarda da cidade central, era agora apenas uma sombra escura e imóvel, o fogo ainda ardendo ao seu redor.
Ele havia gritado de dor, implorando por ajuda enquanto as chamas o consumiam lentamente, até que a morte, enfim, silenciou seu sofrimento. Ao lado de sua mãe, outro corpo se deitava em destroços, esmagado por um edifício que desmoronou em meio ao incêndio.
A mãe segurava sua filha, Maria, com o coração despedaçado.
Ela ouvia os gritos da menina e sentia-se incapaz de protegê-la. A pequena, com o rosto molhado de lágrimas e a voz fraca, dizia:
— Mamãe… Eu não quero morrer! Por favor, mamãe… Eu não quero morrer!
A mulher olhava ao redor, impotente, amaldiçoando a própria fraqueza.
Nunca foi treinada para lutar, nem preparada para enfrentar tamanha violência. Desde criança, sempre seguiu as orientações de sua mãe para se tornar uma esposa obediente, uma dona de casa dedicada.
Mas agora, ela percebia que essa fraqueza a tornava um fardo, alguém que apenas aguardava para ser salva.
— Mulheres e crianças primeiro! — gritava um homem à frente, tentando organizar a multidão que se empurrava para uma chance de sobrevivência. — Aguardem, a carroça já está cheia!
Em meio à confusão, a mãe tentava acalmar Maria, repetindo incansavelmente:
— Vai ficar tudo bem, Maria. Seu pai logo estará aqui, e juntos vamos sair daqui.
— Onde está o papai? Por que ele teve que ir embora? — questionava a menina, a voz trêmula e o olhar perdido entre a multidão.
As palavras da filha ecoavam na mente da mulher, trazendo à tona as próprias dúvidas.
Naquele instante, ela compreendeu o peso da própria vida controlada pelos outros, sentindo o amargo arrependimento de nunca ter buscado a própria força.
De repente, um tumulto.
Guardas corriam na direção da multidão, muitos choravam ao reconhecer os corpos de seus entes queridos entre as cinzas. E então, ela o viu. Ele estava lá, seu marido, Leny, ainda com a armadura manchada de fuligem e sangue.
Maria soltou-se dos braços da mãe e correu até ele, jogando-se em seus braços. Ele a segurou, suas mãos trêmulas e o rosto cansado, mas aliviado.
A mulher correu para se juntar a eles, envolveu-os em um abraço, sentindo o calor do reencontro. Leny, entre soluços, repetia:
— Perdão, Maria… Perdão, meu amor… Eu sinto muito por não estar aqui com vocês…
— Papai, eu tive tanto medo! — Maria chorava, agarrada a ele, enquanto a mãe olhava para seu marido, vendo o peso de tudo o que ele enfrentou e o que eles ainda precisavam encarar.
Observando as chamas e as ruínas ao redor, a mulher sentiu uma determinação crescer em seu coração.
Sabia, agora, que não queria mais ser apenas a protegida, mas também a protetora. Em seu íntimo, ela jurava a si mesma que faria o que fosse preciso para assegurar que Maria, um dia, pudesse viver sem conhecer o terror da fraqueza.
Aquele era um mundo cruel, um lugar onde somente os fortes poderiam garantir a segurança dos seus.
E naquele abraço, envolvida pelo fogo e pela morte, ela decidira que seu papel mudaria. Ela não seria mais uma mera espectadora, mas alguém que protegeria, a qualquer custo, aqueles que amava.