Isekai Corrupt - Capítulo 50
A brisa leve e fresca do campo aberto soprava, trazendo consigo o cheiro da vitória. O exército que reuni para derrotar a maldita cobra gigante descansava ao meu redor, alguns se permitindo sorrisos tímidos, outros já comemorando a sobrevivência.
— Parece que deu tudo certo — murmurei, observando o cenário ao redor.
Md, minha fiel braço direito, estava ao meu lado, atento a cada movimento dos guardas que voltavam para a cidade central.
— Zero, os guardas retornaram às suas casas. Devo mandar alguém segui-los? — ele perguntou, sempre zeloso.
— Hm… não é necessário — respondi. — Deixe-os aproveitar o tempo com suas famílias. Eles merecem.
Md assentiu, virando o rosto para mim.
— E quanto ao Solus? Ele realmente evoluiu, não acha?
Sorri, sentindo-me orgulhoso.
— Sim, ele é incrivelmente talentoso. Só precisava de um bom professor… ainda bem que tem você.
— Kukuku — MD riu discretamente, envaidecido.
Olhei ao redor, vendo o exército relaxando, recuperando-se do cansaço da batalha.
A cobra, finalmente derrotada, agora não era mais que uma carcaça retorcida no campo. Mas Solus… ele foi o herói. Nos momentos finais, com um golpe final devastador, ele encerrou o conflito com a brutalidade e precisão que tanto desejávamos.
— Quem diria que aquela cobra resistiria tanto… — murmurei, ainda impressionado.
Foi preciso dois daqueles socos de Solus.
A lembrança ainda era vívida. Solus, exausto, havia socado a cobra com tudo o que tinha, usando o máximo de sua energia até perder a transformação.
A criatura, embora debilitada, ainda respirava. Ele se viu obrigado a usar uma relíquia que eu havia dado, recuperando a mana perdida para uma segunda transformação. Foi então que desferiu um último golpe diretamente na cabeça da besta, explodindo-a em pedaços.
Espetacular… e ao mesmo tempo horrendo. Sangue e fragmentos da cobra voaram para todos os lados, mas ao menos estava morta.
Enquanto isso, Aria caminhava elegantemente em minha direção, acompanhada por sua irmã e conselheira, Viely.
— Tudo acabou bem — disse Aria com um sorriso contido.
— Certamente. Alguns contratempos, mas no final, a vitória foi nossa — respondi, sentindo o alívio de uma missão cumprida.
Aria fez uma pausa e, com um olhar intrigante, perguntou:
— Agora, passaremos para as próximas etapas. “Aquilo” ainda está de pé?
— Ah, “aquilo”, sim… — concordei, trocando olhares conspiratórios com ela.
Percebi que a irmã de Aria, Viely, ficou curiosa, mas se manteve em silêncio.
Nosso plano era unir Aria e Solus sem causar desavenças dentro da matilha de lobos. Fiz Solus lutar e finalizar a cobra para mostrar seu verdadeiro poder aos lobos de alta patente, quase como uma declaração silenciosa:
“Vejam! Solus é muito mais poderoso que vocês, então não ousem desafiá-lo.”
Porém, apenas isso poderia não ser suficiente.
Idiotas sempre tentam a sorte. Então, tornei Solus o MVP da batalha, o melhor jogador, o herói. Agora, Aria poderia recompensá-lo com um alto status, abrindo caminho para o relacionamento deles sem gerar ciúmes ou ressentimentos.
Isso os permitiria estarem juntos, e quem sabe até casar… se é assim que funciona entre lobos.
Solus era o líder que eu procurava para governar a cidade selvagem que planejava construir. Ele não tinha muito talento, mas possui o poder, e a inteligência para isso. Com Aria ao seu lado, formariam uma equipe imbatível.
Solus aproximou-se, ofegante, mas com um sorriso que demonstrava seu orgulho e satisfação.
— Mestre, como fui? — perguntou ele, ansioso pela resposta.
Sorri e assenti.
— Foi excepcional, Solus. Parabéns.
— Kukuku.
Ao meu lado, Viely se aproximou de Solus, os olhos brilhando de curiosidade e leve provocação.
— Você evoluiu bastante, hein? Que pena… agora não posso mais te dar aquela surra merecida — brincou, lançando-lhe um olhar desafiador.
— Ainda com isso, Viely?! — Solus retrucou, fingindo-se indignado.
— Não se ache só porque ficou mais forte! Continue treinando todos os dias! — ela respondeu.
— Claro! Isso é óbvio! Sinto que posso ir ainda mais fundo! — disse ele, o entusiasmo vibrando em sua voz.
Viely sorriu timidamente, uma expressão de orgulho e afeição no olhar.
— Sim… eu também acredito nisso, Solus. Afinal, se trata de você.
Espera um pouco… isso tá muito estranho. Essa Viely parece estar super afim do Solus… ah, não, talvez seja só paranoia minha…
Viely, com as bochechas vermelhas e a voz trêmula, se virou para Solus.
É, ela está completamente apaixonada.
Não conseguia disfarçar a surpresa, e embora ninguém pudesse ver minha reação devido à máscara, meu pensamento ecoava de forma clara em minha mente.
Md, começou a falar na minha mente, com uma certa diversão:
— Você não sabia que Viely gostava de Solus?
— Pera, você sabia!?
— Claro que sim… — respondeu Md com um tom de quem sabia desde sempre. — Pra falar a verdade, eu shippo mais Viely e Solus do que Solus e Aria.
— Shippar!? Espera… você andou ajudando Viely a ter mais momentos com Solus de propósito!? — Minha mente se incendiou com a revelação.
Não obtive uma resposta imediata. Apenas um silêncio enigmático de Md, até que ela disse com um tom brincalhão:
— D-Desculpinha… hehehe.
— Desculpinha? Sério? Isso… caramba, como eu não tinha percebido isso antes…
— Você não é tão esperto assim para perceber essas coisas, eu acho. — Md riu, como se estivesse se divertindo com minha ignorância.
Fiquei em silêncio, processando tudo.
Nunca fui bom em perceber essas coisas, em parte porque no meu antigo mundo… bem, eu nunca recebi uma confissão, nunca fui importante o suficiente para que alguém se interessasse por mim. Eu era um completo desconhecido para as pessoas ao meu redor.
Md, percebendo minha reflexão, falou suavemente:
— Se serve de consolo, comigo é praticamente a mesma coisa. — Ela parecia quase… humana, com aquele toque de tristeza na voz.
— Hm… você não é uma voz? Eu… nunca achei que você tivesse um romance, para ser sincero. Nunca cogitei. — Eu disse, sem pensar muito.
— Nossa… isso é bem rude para se falar para uma dama. — MD respondeu com um tom de brincadeira, mas havia uma leveza na fala, como se ela estivesse se divertindo com minha confusão.
— Eu tô errado? — perguntei, tentando entender.
— Errado e certo. — Ela respondeu enigmaticamente.
— Não sei o que quer dizer com isso… só me diz logo o que está acontecendo.
Então, finalmente, Md falou, e as palavras me pegaram de surpresa:
— Eu não sou só uma voz na sua cabeça. Eu também tenho um corpo físico… só que ele não fica nesse mundo.
Eu fiquei sem palavras. O que? Ela tem um corpo? Eu não esperava isso, foi um choque.
— S-Sério? … Caramba, eu não esperava por essa…
— A propósito, o nome da minha espécie também é Md. — Md falou, com um tom curioso, como se se perguntasse se eu ia reagir.
— Você usa o nome da sua espécie como seu nome próprio? Isso… — Eu pausei, tentando entender. — Isso tira um pouco da sua individualidade, não? Vocês da sua espécie são todos iguais?
Md riu suavemente, sem realmente responder minha pergunta diretamente.
— Não, para falar a verdade, somos até semelhantes aos humanos. Por isso fui escolhida para te ajudar, já que nossos corpos são parecidos e temos uma certa compatibilidade… — Ela parecia um pouco evasiva, mas havia algo na voz dela que transmitia uma sinceridade rara.
A conversa estava me deixando desconcertado.
Não sabia se deveria rir, ficar confuso ou simplesmente aceitar as surpresas que estavam surgindo uma após a outra.
— Isso me soa como uma furada, tipo aqueles aplicativos de namoro… — Eu disse, sem pensar, tentando tirar a tensão do momento.
Ela riu, com um toque de humor.
— Kukuku, não leve isso tão a sério. Não é como se mudasse alguma coisa. Eu estou aqui para te ajudar… suas decisões são lei, não tenho o que opinar.
— Isso não é verdade. — Eu falei, com mais firmeza. — Você me ajuda de muitas maneiras, não apenas quando peço. Você tem me apoiado, mesmo sem eu pedir. Quando eu enfrentei a cobra maligna pela primeira vez, você esteve lá… até brigou comigo. Eu fiquei muito feliz por ter você ao meu lado.
Houve um silêncio profundo, antes de Md falar novamente, com uma suavidade inesperada:
— Hum… hehehe… é que você é um humano muito interessante.
Eu sorri, embora fosse uma reação mais interna. Eu? Interessante? Eu não sabia se isso era uma piada ou um elogio genuíno.
— Me diz, já trabalhou com outros humanos antes? — perguntei, curioso.
— Sim, você seria o meu oitavo humano. — Ela respondeu, com um tom que indicava uma experiência anterior.
— Eu sei que você é a primeira Md que eu tenho… e por mim pode ser a última. Mas… eu fico feliz que tenha sido você. Eu gosto de você. Obrigado por estar cuidando de mim. — Eu disse, sem realmente pensar muito, sentindo uma mistura de gratidão e algo mais profundo. Algo que eu ainda não sabia como explicar.
Houve uma pausa longa, e então Md respondeu, com um tom mais suave do que o habitual:
— … De nada. — Era um sussurro reconfortante, como se algo muito maior estivesse sendo dito entre as linhas não ditas.
Enquanto a conversa que só se passou em nossas mentes se desenrolava, eu observava a movimentação ao meu redor.
Os animais começaram a carregar o corpo da cobra maligna, agora caída e inerte, de volta para a floresta. Um material tão resistente, cheio de valor. E o veneno… o veneno que ela deixava para trás era algo que eu sabia que poderia usar de formas ainda mais perigosas.
A visão do capitão dos guardas da cidade central chamou minha atenção.
Ele estava ali, parado, em silêncio, com um ar sombrio. Diferente dos outros guardas que haviam corrido para encontrar suas famílias, ele permanecia perdido em seus próprios pensamentos.
— Você não vai voltar para a cidade? — perguntei, tentando entender sua hesitação.
Ele retirou o elmo, revelando a expressão marcada pela dor, e segurou o elmo com a única mão que lhe restava.
— Hm… eu tenho medo. — Ele disse, com uma voz quebrada.
— Medo? — Eu perguntei, sentindo o peso das palavras dele.
— Sim… medo de enfrentar a realidade. — Ele murmurou, quase inaudível.
Eu não sabia o que dizer, mas algo dentro de mim sabia que as palavras seriam inúteis. Ele estava em um lugar escuro, e se sua família estivesse realmente perdida, ele se sentiria sem propósito. Eu entendi isso. E, eu não podia mudar isso.
— Se eles estiverem mortos, o que você vai fazer? — perguntei, já com uma sensação ruim na boca.
Ele olhou para mim, seus olhos vacilando entre a dor e a desesperança.
— Eu… bom… acho que não teria mais nada me segurando neste mundo. Talvez eu só tente dormir um pouco. — Ele disse, de forma resignada.
Eu olhei para ele, uma sensação de impotência percorria seu corpo.
Um homem sem motivo para viver já é um homem morto, antes mesmo de seu coração parar de bater…
Se ele quisesse tomar essa decisão de morrer, não tinha como eu impedir. Eu não podia fazer nada.
Ele não era importante para mim, e mesmo que fosse, parecia que ele já havia decidido seu destino.
Com um suspiro, virei de costas, pronto para seguir em frente.
— Se quer morrer, tente morrer de uma forma que não desonre ninguém da sua família. Não sabemos o que vem depois da morte. Mas, caso exista algo, seria uma pena ter que contar que você morreu tirando sua própria vida, sabe?. — Eu disse, mais para mim mesmo do que para ele.
Então, me virei e comecei a andar, Md me seguindo como sempre. O silêncio entre nós era reconfortante, mas também pesado.
— O humano ficou abalado. — disse Md, com sua voz suave, invadindo minha mente.
Eu olhei para o cenário à minha frente, onde a festa dos lobos acontecia em um frenesi de celebração e morte.
Eles estavam exultantes, comemorando a vitória e a perda de seus próprios companheiros, e apesar de tudo, havia algo de peculiar naquela festa.
Algo que eu não conseguia entender completamente.
— Sim, tomara que ele fique bem. Ele me pareceu uma pessoa que eu gostaria de conhecer melhor… — respondi, mais para mim mesmo, enquanto observava os lobos se reunindo.
Minha mente estava distante, imersa em pensamentos que, até então, eu preferia não enfrentar.
Os dias de luta, de desafios constantes, pareciam finalmente ter me deixado em paz. Pela primeira vez em muito tempo, não havia prazos, não havia inimigos, e o alívio que eu sentia por poder finalmente descansar era quase palpável. Eu podia sentir o vento suave da floresta acariciando minha pele, um conforto que eu não sabia que estava faltando.
Mas enquanto eu me permitia relaxar, Md estava ali, ao meu lado, observando o ambiente. Seu corpo, como sempre, era um reflexo do que ela queria que eu visse, uma versão de si mesma que era apenas uma sombra de algo maior e mais misterioso.
Eu estava sentado à sombra de uma árvore, tentando processar tudo o que acontecera nas últimas horas.
Não eram só as batalhas que pesavam em minha mente, mas o encontro com o Capitão, a dureza do que ele estava passando. Às vezes, um simples olhar em seus olhos era o suficiente para entender que ele estava à beira de um abismo, e que nada neste mundo parecia ser capaz de mantê-lo de pé. Ele parecia tão quebrado, tão… perdido.
O vento soprou mais forte, trazendo comigo o cheiro familiar da floresta.
Aos poucos, os sons da celebração dos lobos começaram a se fundir com os de um ambiente mais tranquilo, mais natural. Eu sentia como se estivesse mais uma vez entre eles, os animais, tão próximos de uma simples paz que raramente se via entre os humanos.
Os lobos, que até pouco tempo atrás eram nossos inimigos, agora estavam ali, compartilhando histórias de batalhas passadas, celebrando suas conquistas, como se cada momento fosse uma medalha de honra.
Eu os observava, intrigado. Eles tinham uma cultura completamente diferente da nossa, onde a morte era vista como algo digno de elogios, algo que, para nós, humanos, parecia quase impensável.
Enquanto isso, eu me mantinha à margem, absorvendo o espetáculo, sem querer me envolver. Afinal, se essa era a maneira deles de ver o mundo, quem sou eu para questionar?
Eles continuavam a falar, alguns com olhos brilhando de orgulho, outros com os corpos cobertos de cicatrizes, mas todos unidos pela mesma causa, pela mesma realidade.
Douglas, sentado um pouco mais afastado, estava comendo um pedaço enorme de carne. Ele devorava a carne com uma satisfação quase visceral, seus olhos brilharam ao falar de suas conquistas e como um verdadeiro guerreiro jamais recuaria diante de um desafio.
Ele, com toda sua postura arrogante e cheia de confiança, parecia se encontrar ali, no meio daquela bagunça. Era como se ele fosse o próprio epitáfio da força bruta, o tipo de guerreiro que sempre foi feito para lutar e vencer.
Mas não vi Solus, nem Aria, nem a irmã dela. Todos pareciam estar afastados, talvez buscando algo mais, ou talvez apenas evitando as celebridades da batalha que se formaram ali.
Eu deixei meu olhar vagar pela festa dos lobos por mais alguns segundos, mas algo no ar me dizia que a paz que reinava naquele momento não era algo que duraria por muito tempo.
E no fundo, eu sabia que não era para mim me envolver mais do que já estava. Eu estava aqui por um motivo, e esse motivo não se alinhava com as alegrias de uma festa de guerra.
Sentei-me mais confortavelmente, cruzando as pernas sob a sombra da árvore, e me permiti relaxar. Talvez eu tivesse encontrado algo que, de alguma forma, até hoje estava me escapando: um pouco de paz. Uma paz que eu estava começando a entender, mesmo que fosse por um breve momento.