Jovem Senhorita - Capítulo 3
O médico se recompôs ao ouvir as palavras do jovem e logo se aproximou da garota.
— Jovem senhorita Ning Xu, a senhorita se importaria de se sentar para que eu a examine?
Maria olhou para o velho de cima a baixo, meio irritada pela fome e pelo fato de não ter mais o seu celular. “O que esse velho tá aprontando?”. Era mesmo suspeito. Como uma legítima encrenqueira, sabia bem identificar os seus iguais — e eles estavam todos sentados naquela sala de jantar.
“Quer saber? Dane-se.”
Resolvendo ver até onde tudo iria, ela se sentou e encarou o médico chinês, tentando ver nele o bigode “em forma de oito” que lera em uma novel há uns anos. Isso se mostrou difícil, uma vez que os pêlos faciais do homem desciam como finos rios que corriam ao redor da boca dele.
Em um instante, sorriu ao imaginar os fios em laço, formando o oito da estória. E o seu sorriso iluminou o ambiente.
Logo, ouviu um homem sussurrar a outro: — Eu não disse? Os lábios vermelhos e brilhantes se arqueiam em curvas perfeitas, e os dentes alvos como a neve são mais belos que as pétalas de uma flor. Olha como os seus olhos se semicerram, e as suas sobrancelhas formaram um desenho ímpar, essa aí ainda infarta alguém, pode escrever.
Essas palavras fizeram-na sentir um calafrio por toda a coluna. Todos os caras dali eram assim? Se fossem, logo aprenderiam uma boa lição…
Limpando a garganta, Huang Ho se aproximou, fez um movimento com o braço para afastar a grande manga da sua túnica e estendeu dois dedos claramente velhos para tocar o punho da garota.
Depois de alguns instantes, ele retraiu a sua mão e pegou um estojo de agulhas no seu cinto, tirando uma longa linha de metal de dentro dele.
Ao ver o tamanho da agulha, Maria gelou. “Cara, acupuntura é coisa de agulha?”
Mais que depressa, ela se levantou, ajeitou a roupa e falou: — Tô ótima. Perfeita. Precisa dessa agulha não, tio. Aposto que vocês não tem autoclave nessa época, vai que pego alguma coisa, melhor não arriscar.
O médico olhou para ela e franziu o cenho, “O que será autoclave? Uma arma?”.
— Senhorita, eu sempre esterilizo os meus instrumentos de trabalho com qi de fogo. A senhorita não confia nos meus métodos? Quer mesmo me atacar com essa… autoclave?
A atmosfera ficou fria em um instante.
A família Huang olhou para os Ning com cara de poucos amigos, como eles ousavam desconfiar da segurança de um médico Huang? E ainda o ameçaram!
Ning Feng não hesitou em intervir, segurando a filha antes de dizer: — Senhores, não está clara a alteração da energia nela? Mais cedo não pude sentir o qi circulando em seu corpo, aposto que isso é o que está fazendo ela se comportar assim.
Murmúrios de reconhecimento soaram pelo salão. Sim, eles também não sentiam a energia interna da garota, e isso só aumentava o sentimento que os levou ali.
— E-e-eu… não gosto de agulhas. É isso. — admitiu a garota, tentando se desvencilhar do braço de ferro do pai. Desde pequena ela era assim.
“Lembro de desmaiar quando fui tomar a vacina de tétano, e mamãe falou que apaguei quando foram me dar a dos dois meses… É, agulhas não estão no meu destino.”
— Papai… Papaizinho do meu coração — choramingou, tentando conseguir compaixão do homem. — Meu amor de papai… Não faz isso comigo, você viu o tamanho daquela agulha? Ela… vai doer muito. Eu sei que vai…
O homem estendeu a mão e passou sobre a cabeça da filha, tentando acalmá-la. Era estranho. Desde pequena ela passou por tratamentos com acupuntura, e nunca teve problemas com isso. Por que essa reação agora?
— Não se preocupe, meu bem. — falou ele. — Pode confiar no Doutor Huang nesse aspecto, ele é conhecido por fazer a acupuntura indolor.
“É a mesma vibe de dizer que não dói ir no dentista. Claro que não dói, a pimenta nos olhos dos outros não arde. Isso… vai dar ruim.”
Maria olhou ao redor e percebeu que recebia olhares de deboche, curiosidade e suspeita. Os primeiros e os últimos pareciam vir dos visitantes, enquanto os restantes vinham daqueles que conheciam Ning Xu desde sempre — ou assim ela deduziu.
Ainda nervosa, ela fechou os olhos, inspirou bem fundo, e logo espirou, reabrindo os olhos. Fingindo seriedade, disse:
— Eu estava apenas brincando. Claro que não tenho medo. Doutor, desculpa a grosseria, sabe como são as pessoas da minha idade. Um senhor de tão grande respeito não se ofenderia com uma criancisse de uma menina, não é mesmo?
O velho pareceu ficar rígido, e um traço de ódio passou por seus olhos brilhantes em um instante. Mas, antes que mais alguém percebesse o seu desgosto, ele abriu um sorriso meio amarelo e falou:
— Imagine, senhorita. Agora, por favor, sente-se para que eu a trate.
Maria olhou para a cadeira baixa, que mais parecia uma almofada sobre o tapete e ponderou se não devia ter saído correndo antes. Mas, agora, sob os olhares de todos, engoliu o medo e se sentou, sentindo a boca seca.
Huang Ho foi mais rápido dessa vez, e logo tirou a agulha. Olhando para a menina que mantinha os olhos bem fechados, como se temesse o vinha, contorceu os cantos dos lábios. Era mesmo uma mimada, seu jovem mestre fazia bem em cancelar o casamento.
Com movimentos de punha ágeis, lançou os objetos contra a pele da paciente. A cada agulha colocada, Maria apertava mais a mão do pai de Ning Xu, com medo da dor — e estranhando a sensação de ser perfurada diversas vezes.
“Cara, isso aqui tá parecendo tirar sangue sem puxar… E ainda tá doendo um pouco, mas… se eu mexer vai doer mais…”
Ela cerrou ainda mais forte os olhos, mas uma pequena lágrima desceu de algum canto como um cristal, e logo outra, até que o seu rosto ficou encharcado. Era uma visão devastadora, e trouxe tristeza a quem via.
Alguns minutos se passaram antes que o médico começasse a tirar as agulhas que deixaram a menina como um porco-espinho choroso. Depois de tirar tudo, todos prenderam as respirações e olharam para ela em expectativa.
Maria ainda sentia a dor residual, como se as agulhas ainda estivessem espetando o seu corpo, mas percebeu que não tinha mais movimentos na sua frente, então discretamente começou a abrir os olhos, um depois do outro, como se espiasse os arredores.
— Senhorita, como se sente? — Huang Ho perguntou, simulando respeito.
— Uma bosta… — resmungou ela. — Quero dizer, tô ótima. Melhor que nunca. Valeu aí… Obrigada, doutor Huang… Pera, Huang Ho? Esse não é o nome de um rio? Tenho quase certeza que já ouvi ele nas aulas de geografia… Valeu por me fazer lembrar dessas memórias traumáticas, cara. Agora, se me dão licença, tô indo comer alguma coisa, porque só isso aqui não tampa nem o buraco do dente.
— Senhori…
“Aula de geografia? Desde quando Xu’er teve aulas do tipo?…” Ning Piao tentava entender o que a irmã tinha falado, mas sem muito sucesso. Depois dessa pancada, ela parecia uma pessoa completamente diferente de antes, ainda mais pelo fato do qi em seu corpo estar completamente parado, não no ciclo interminável característico daqueles que praticavam a arte dos Ning.
Paralelo a isso, todos ficaram paralisados enquanto viam ela correr para fora como um rato fugindo de um bando de gatos. Depois de olharem uns para as caras dos outros, Ning Feng limpou a garganta e quebrou o silêncio desconfortável.
— Bem… e o que trouxe os nobres convidados aqui?
Os visitantes apertaram os lábios, sem saber quem deveria falar. Embora um deles fosse o líder, depois dessa demonstração diferenciada, não sabia se seria uma boa iniciar novas discussões no momento, afinal, embora pequena, a família Ning era uma força a se considerar.
Com isso, novo silêncio se formou, e os anciãos presentes tomaram mais um pouco do chá, para disfarçar o desconforto que sentiam com a situação como um todo. Os jovens, por outro lado, não conseguiam esconder o misto de deboche com zombaria presentes nos seus corações, então o líder da família Ning teve uma noção do que estava acontecendo.
— Depois de toda a ajuda que os Ning deram aos Huang… vocês têm certeza que vão fazer isso? — A austeridade de um chefe voltou ao tom do homem. Não era justo, mas acontecia mais do que devia.
Ouvindo isso, o líder dos visitantes limpou a garganta e engoliu o constrangimento antes de colocar uma postura arrogante e dizer:
— Os Ning não são como antes, e os Huang muito menos. Dessa forma, não temos porquê manter esse acordo falido.
O rosto de Ning Feng começou a ficar vermelho e as suas mãos tremeram com a raiva que sentia. Eles eram muito sem vergonha mesmo. A família Huang só tinha chegado até ali graças ao apoio dos Ning, e agora que eles acabaram de usá-los queria jogá-los fora?
— Vocês pensam que os Ning são tigres de papel?