Knight Of Chaos - Capítulo 471
A repentina aparição de Moura Pagliuca naquele momento, alguém que representava a Cidade Dourada, era uma péssima notícia, principalmente a depender do quanto ele tinha conseguido ouvir.
A expressão de Zado era fria, enquanto observava o homem.
Esse cara realmente não é simples. pensou, ao notar que nem mesmo ele, a pessoa mais poderosa da facção de Wayne, não havia sentido sua presença antes que o mesmo decidisse se revelar. Embora não fosse alguém especializado em detecção, ainda era relativamente qualificado no assunto.
“A que devemos sua digníssima presença, senhor Pagliuca?” Herin levantou-se, cumprimentando o homem com um sorriso.
O homem negro, com cabelos levemente grisalhos, encarou-o, com um sorriso superficial e um olhar penetrante. Essa ação fez não só Herin, mas todos os outros no local ficarem desconfortáveis.
Ele enviou informantes antes de entrar? O sujeito de barba negra perguntou-se, ao vê-lo com tanta confiança adentrando ali sozinho.
O local deveria ser a prova de espionagem, anulando a maioria dos Cubos Comunicadores e outros meios de mensagem, mesmo que grande parte do sistema de matrizes da cidade tivesse sido destruído ou danificado, a reforma e segurança do Salão da Recepção de Garância havia sido uma das prioridades quando a tomaram e mesmo assim ele chegou ali com tanta facilidade.
De certa forma, o que eles estavam fazendo ali, era uma espécie de conspiração, pois estavam discutindo como agir contra a vontade da Cidade Dourada, e Pagliuca, como um dos Generais Estacionários da própria, e membro do Conselho, poderia ver isso como uma revolta aberta.
O General Ramon, Dimitri e alguns outros ficaram em silêncio, mas internamente estavam prontos para agir. Dependendo das próximas ações do sujeito, eles teriam que capturá-lo.
Entretanto, um General da sede de poder não era alguém normal, caso se movessem contra o homem, deveriam estar prontos para encontrar uma resistência feroz. Além disso, ao fazer isso, seria como uma declaração de guerra a Cidade Dourada, um caminho sem volta.
Por enquanto, mesmo que esta facção estivesse indiretamente se opondo a Dimas, ainda seguiam as diretrizes dadas pelos Leões Dourados, então para não causar um atrito interno maior, a Cidade Dourada fazia vista grossa as suas ações, mas tudo seria diferente no momento em que o conteúdo daquela reunião fosse vazado.
“Bem, o que eu deveria dizer?” Pagliuca falou, dando alguns passos em direção à mesa, então parando em frente a um Major, que estava sentado, o encarou com alguma altivez. Entendendo o recado, o Major agilmente levantou-se, cedendo o acento. “Ouvi que algo de interessante estava acontecendo, então vim conferir. Mas realmente não imaginava que meia duzia de Generais estariam realmente agindo de forma tão audaciosa. Será que eu deveria considerar isso uma revolta?” disse, enquanto se acomodava calmamente na cadeira.
A pergunta do homem, principalmente em sua maneira de falar e sua entonação, tranquila e relaxada, fez todo o local cair num estranho silêncio.
Os Majores olharam sorrateiramente para os Generais em busca de instruções, enquanto os mesmos estavam tão confusos com essa situação que não ousaram agir precipitadamente. Afinal, uma vez que empunhassem suas armas, só poderiam largá-las após derramar rios de sangue ou quando suas vidas chegassem ao fim.
Notando os olhares hostis de todos, bem como o clima opressor, Pagliuca colocou ambos os cotovelos sobre a mesa, apoiando uma mão sobre a outra em frente ao rosto, enquanto observava em silêncio a pessoa que deveria liderar todas as outras naquela sala, este era Wayne.
Como um General da Capital, Pagliuca obviamente era alguém inteligente e sabia que se um confronto estourasse, mesmo sendo relativamente forte, ele não teria a mínima chance. Haviam cinco Generais ali, assim como um Major que possuía uma força equivalente e logo mais seria promovido. Na verdade, mesmo se os Generais não agissem, apenas os vários Majores seriam o suficiente para derrubá-lo e ele estava completamente ciente desse ponto.
O que esse desgraçado está pensando? Zado perguntou-se, encarando o homem com um olhar frio e sanguinário. Se tivesse que matá-lo, ele não hesitaria. Mesmo que quisesse evitar derramar sangue dos Leões Dourados nessa luta pelo poder, ainda o faria se necessário.
Wayne, que recebeu o olhar de Pagliuca, não parecia abalado com suas palavras.
“Os Leões Dourados são minha casa e eu jamais agiria para prejudicá-los, porém, se vejo pessoas mal intencionadas e incapazes, que podem levar a Legião, a qual sou leal, a ruína com suas ações, o que eu deveria fazer, General Pagliuca?” O velho homem perguntou, encarando-o. “A meu ver, a omissão é um crime muito mais desleal do que uma revolta.”
A resposta de Wayne pegou Pagliuca desprevenido, assim como os demais naquela sala. Ninguém imaginava que o homem seria tão honesto e aberto sobre suas ações.
“Então você acha que nosso atual General Supremo não é digno a ponto de se revoltar? Realmente está disposto a ir aos extremos por essa convicção?” O General Estacionário perguntou, com um olhar afiado.
Ouvindo a pergunta, Wayne ficou em silêncio por um instante, mas logo respondeu.
“Obviamente um General Supremo ruim não é o nosso maior problema. Já houveram outras pessoas péssimas ocupando essa posição no passado. A questão é que isso é apenas um mero sintoma da doença que aflige nossa Legião. General Pagliuca, já se perguntou por que os Leões Dourados nunca conseguiram se tornar uma Grande Legião?” As palavras de Wayne fizeram o homem negro se surpreender, mas antes que pudesse responder, o velho General prosseguiu. “Assim como algumas outras Legiões de Médio Porte, não é por falta de talentos, ou por falta de mão de obra e recursos, já tivemos ambos no passado. O que nos impede é a mentalidade, enquanto pessoas rasas como Dimas continuarem a ocupar posições de destaque, nunca conseguiremos dar esse passo final.”
Quando Wayne terminou de falar, todos no local ficaram completamente sem fala. Mesmo Zado tinha olhos mais arregalados que o normal.
O próprio Pagliuca não sabia o que dizer, sua expressão anteriormente calma, agora estava confusa e chocada. O que o velho General havia acabado de revelar não era apenas a ambição de derrubar o atual General Supremo e substituí-lo, sua ambição ia muito além disso. Suas reais intenções eram, na realidade, afetar diretamente o alto comando dos Leões Dourados com suas ações.
“Você está louco, General Wayne.” Moura Pagliuca declarou, depois de um breve silêncio.
Nesse momento, após saber da totalidade dos planos de seu líder, mesmos os demais naquela sala ficaram abalados e alguns começaram a até mesmo hesitar se deveriam continuar nessa facção.
Derrubar o atual General Supremo, que era um péssimo Comandante, era um assunto, mas desafiar o Conselho da Legião era algo completamente diferente.
Até Dimitri, que era um inimigo declarado de Dimas Ortega, sentiu-se ansioso ao ver o desenrolar da discussão.
“Talvez eu esteja, talvez seja apenas que a idade chegou até mim, assim como a senilidade e eu apenas queira conquistar um desejo do passado. Mas e quanto a você, General Pagliuca? O quão louco você é?” Wayne perguntou, seus olhos, outrora calmos como a água de um lago pacifico, agora pareciam inundar a todos como as ondas violentas de um mar agitado.
Ramon, Herin, Zado, Dimitri, Oliver, assim como os demais Majores, sentiram o fervor do desejo de seu General Comandante. Ele não estava blefando ou brincando, mas totalmente sério. Nenhum deles jamais havia imaginado que Wayne, conhecido por sua cautela e sabedoria, seria, na verdade, alguém tão ambicioso e audaz.
Apesar de muitos ali estarem hesitantes, perceberam que nesse ponto, não havia mais volta. Se eles pulassem do barco se afogariam, então tudo que restava era resistir até o final dessa jornada.
“Hahahaha!” Pagliuca riu com a pergunta de Wayne. “De fato, talvez eu também esteja louco. Afinal, eu, um membro do Conselho da Cidade Dourada, estou aqui, ouvindo tantas barbáries, mas estranhamente não sinto repulsa, mas interesse.”
As mãos de Herin começaram a tremer com as palavras do homem. Inicialmente ele acreditava que o sujeito tivesse sido enviado pela Cidade Dourada para ficar de olho neles, mas agora algo estalou em sua mente.
Poderia ser que ele não veio aqui para nos investigar, mas…
“Vocês não são os únicos descontentes com as ações recentes da Cidade Dourada. Hoje estou aqui não apenas como um membro do Conselho e um General da sede de poder, mas como o representante de alguns que pensam igual a mim. Então que tal alinharmos nossos interesses?”
As palavras de Moura Pagliuca soaram como um trovão ainda maior que a declaração anterior de Wayne. Isso acontecia por um único motivo, a vontade do General Comandante deixaria de ser absurda, mas tornar-se-ia algo factível com essa única variável na equação, aliados dentro do Conselho da Legião!
A face de Dimitri estava pálida, ele nunca imaginou que se meteria em algo desse nível. Por mais que estivesse disposto a lutar contra a Cidade Dourada, isso apenas ocorreria se nada desse certo. Mas agora, independente deles derrubarem ou não Dimas Ortega, a escala do conflito dentro dos Leões Dourados definitivamente aumentaria! De repente ele não pôde deixar de pensar no que Kalfas faria em seu lugar.
Por outro lado, Herin olhou para Wayne com olhos arregalados, como se estivesse o vendo pela primeira vez.
Ele sabia! Ele definitivamente sabia! pensou, ao lembrar-se de quão calmo Wayne estava quando Pagliuca entrou. Nesse ponto, ele entendeu tudo.
O fato do General da sede de poder ter chegado ali tão facilmente, passando pelos guardas sem alarde e invadindo sua reunião. Não só essa situação foi facilitada, mas muito provavelmente planejada pelo próprio Wayne.
Ele obviamente não tinha todos os detalhes, mas ao começar a se questionar, compreendeu o que estava acontecendo. Wayne tinha dúvidas sobre o posicionamento de Pagliuca, mas acreditava que havia grandes chances do mesmo ser um possível aliado de sua causa, ao receber a notícia do Armistício, ele usou essa oportunidade para armar essa reunião ‘secreta’, não apenas para um debate de ideias de seus confidentes, mas para sondar o General Estacionário e confirmar seu posicionamento e então se ligar a novos opositores de Dimas. No pior dos casos, se o sujeito se recusasse e eles tivessem que matá-lo ou capturá-lo ali mesmo, isso apenas obrigaria todos os seus confidentes a lhe servir mesmo após revelar seu verdadeiro objetivo final.
Ao entender isso, o homem, que acreditava ter um intelecto maior e mais analítico que a maioria, não pôde evitar sentir um arrepio na espinha.
Inicialmente ele seguiu Wayne apenas por suas ligações e influência, assim como devido a suas desavenças pessoais com o atual General Supremo, Dimas Ortega, mas sempre acreditou que o velho homem era apenas um General comum que chegou nessa posição por sorte e alguma diligência ao longo dos anos. No entanto, agora ele entendeu que, na verdade, o subestimou completamente!
“Eu ouvi antes a ideia de um segundo General Supremo. Por que não discutimos isso melhor?” Moura Pagliuca perguntou, olhando para todos com um leve sorriso.
…
No prédio cedido ao Batalhão Zero, Fernando estava em seu quarto, sentado numa pequena escrivaninha, enquanto sobre a mesa a sua frente estava um livro adornado com diversos símbolos em alto-relevo.
Este era o livro que Wedsnagauer lhe entregou na noite anterior. Sabendo que seus alunos estavam bastante atarefados no momento, principalmente Fernando, o doutor deu três dias para memorizarem as três primeiras Runas, então ainda havia algum tempo para a próxima aula. Contudo, o jovem Tenente não conseguiu evitar sentir-se ansioso para analisá-lo.
Ao notar-se tão nervoso, enquanto olhava para um simples livro, Fernando sorriu ironicamente. Essa sensação lhe era familiar, mas, ao mesmo tempo, completamente estranha.
Isso o lembrava de seu tempo na Terra, antes de ingressar na Universidade, das noites que havia virado acordado folheando livros que seu professor da escola lhe emprestará, assim como outros que conseguiu de bibliotecas públicas.
Como ele trabalhou desde jovem ajudando seus pais, seu tempo era extremamente escasso na época e como precisava devolver os livros depois de um breve período, precisava devorá-los um após o outro num curto espaço de tempo.
De repente, enquanto pensava nisso, sentiu-se melancólico.
Como minha família está? Será que estão vivendo bem? pensou, com um sentimento amargo.
Era um misto de emoções estranhas, quando parava para pensar ficava em dúvidas, se essas memórias e sentimentos pertenciam realmente a ele, ou a apenas a seu ‘eu’ da Terra.
Enquanto divagava a respeito, balançou a cabeça, jogando esses pensamentos para o fundo da mente. Pensar nesses assuntos era algo sem sentido, já que estava fora de seu próprio controle. Então decidiu focar-se no que estava a sua frente.
Tateando o livro, abriu-o, pronto para começar a reviver o sentimento de um estudante, porém, algo o interrompeu.
Toc! Toc!
Duas batidas fortes soaram na porta de seu quarto, fazendo-o franzir a testa. Ele tinha dado ordens para que ninguém o incomodasse naquele dia.
Levantando-se, abriu a porta, apenas para ver Ronald com um rosto pálido a sua frente.
“O que está acontecendo?” perguntou, sentindo que havia algo de errado.
“Fernando, algo ruim aconteceu! Recebemos uma notificação de guardas do portão Norte, eles estão exigindo sua presença lá imediatamente!”
Ao ouvir isso, o jovem Tenente franziu a testa, irritado. Por que alguns guardas iriam ‘convocar’ um Tenente de um Batalhão Nomeado? Antes que ele pudesse questionar, Ronald continuou.
“Eles estão alegando que algumas pessoas do nosso Batalhão tentaram desertar essa manhã.”
Quando Fernando ouviu isso, sua expressão irritada acalmou-se, finalmente entendendo porque Ronald estava tão agitado.
Apesar disso, ele não estava surpreso de que isso aconteceu. Depois da visão que eles tiveram ao entrarem em Garância e ao terem que queimar tantas pilhas de corpos, de vítimas dos Orcs, a maioria das pessoas com mentalidade fraca chegaria ao seu limite.
“Theodora pode resolver isso.” respondeu, de forma despreocupada.
“Ela não pode!” Ronald falou, com algum nervosismo, fazendo o jovem pálido levantar uma sobrancelha, em dúvidas. Por que ele próprio precisaria ir para resolver um assunto tão pequeno como esse? “Uma das pessoas que tentou desertar foi o Archie!”
Ao ouvir isso, o semblante de Fernando mudou completamente.