Lumen Saga - Capítulo 31
— Theo, está acordado? — indagou Ivan. Chacoalhando o corpo de Theo, Ivan tentou ver se seu amigo estava bem.
Na última noite, quando decidiu entrar novamente no plano espiritual, Theo acabou se empolgando.
Durante as últimas doze horas, ao invés de dormir, ele ficou refletindo no mundo espiritual. Resultando em doze horas sentado.
Quando Ivan balançou Theo, este despertou desamparado e confuso.
— Você dormiu bem? — indagou Ivan, novamente. — Você ficou sentado à noite inteira.
— Dormi sim. Aconteceu algo?
— Não. Você disse querer ir até o clube de luta comigo, lembra? Ainda virá? Estou saindo agora.
— Quero! — Se despertou num instante. — Consegue esperar dez minutos?
— Claro. O tempo que precisar.
☽✪☾
Clube de lutas, centro de Fulmenbour.
Um enorme campo gramado rodeado pelo famoso “Castelo Real”, onde o atual mestre de Fulmenbour vive. Alguns agentes de Vagus começaram a se reunir ao redor do campo, criando círculos e alguns — aqueles que chegaram mais cedo — tiveram o privilégio de sentar nas arquibancadas.
Theo e Ivan foram barrados na entrada por serem “crianças”, porém, ao mostrarem suas identidades, a entrada de ambos foi permitida. Mas, mesmo assim, perderam a chance de sentarem nas arquibancadas, então tiveram de ficar sentados na grama.
Algumas dezenas de cavaleiros começaram a se reunir para conversarem, outros para marcar combates e realizarem trocas.
— Crianças vieram assistir hoje? — comentou um agente, entregando coletes e um manto para os dois.
— Somos calouros de Wispells — retrucou Ivan.
— Você não veio ontem? Por que está falando como se fosse o primeiro dia? — Theo cochichou para Ivan.
— Amiah me colocou no topo daquelas arquibancadas e me entregou tudo necessário. Então, não conversei com ninguém.
— Saquei.
— Isso é bom. Ultimamente só existem velhos por aqui. Saber que as crianças estão interessadas em nossos confrontos amigáveis me faz feliz — disse o agente. — O colete protege de golpes de espadas e o manto protege de feitiços. Como provavelmente não lutarão, não será tão útil. Mas, caso queiram… É um prazer conhecê-los, me chamem de agente Clifford.
— O prazer é meu. Sou Theo.
— Ivan — assentiu.
— Querem lutar? — questionou Clifford.
— E podemos? Pensei que somente agentes de grau quatro e cinco podiam… — Ivan foi cortado por Clifford.
— Claro que podem! Não temos restrições. O problema é que somente os agentes de grau quatro e cinco querem lutar, pois aqueles de grau inferior estão estudando e os de grau superior estão presos em missões. Mesmo assim, qualquer um pode batalhar. Desde que seja um agente, não importando qual ordem sigam.
Theo cutucou Ivan com o ombro, o último encarou suspirando.
— Na verdade, faz um tempinho desde que não treinamos juntos, né? — comentou Ivan, notando que Theo o faria lutar de qualquer jeito.
— Iremos. — Theo falou ao agente.
— Perfeito! Vistam o colete e o manto. Após isso, podem ir para o gramado. Ah, mesmo. Qual o grau e a arma que vocês usam?
— Grau um, ele é de grau dois — informou Ivan. — Ele gosta de espada, certo? — Theo concordou com a cabeça. — Eu não uso armas.
Vestindo o colete, Theo notou que era feito de um material ajustável, que logo se confortou no corpo dele. Pegando o manto, ele apenas colocou de qualquer jeito, formando uma capa em suas costas. Trocando olhares, os dois garotos caminharam até o gramado.
— Ei… — Um agente cutucou o outro, apontando para os dois. — Adolescentes aqui são raros de se ver…
— Realmente — concordou.
O agente Clifford começou a caminhar rumo aos garotos, segurando a espada de Theo em mãos. Uma espada larga, comum dos exércitos atuais.
Ao entregá-la para Theo, o agente usou atributo sonoro para anunciar:
— Agentes de todas as ordens, hoje teremos um show de abertura diferente de todos os outros dias! Após vinte anos, finalmente temos agentes iniciantes; adolescentes abraçando nossa cultura e deixando o fervor e calor dos confrontos tomando seus corações.
— Animado, né? — murmurou Ivan.
— Só um pouquinho… — comentou Theo.
— De um lado temos Ivan, da ordem geral de Vagus, de grau um! E do outro, seu companheiro de ordem, Theo, de grau dois! Veremos hoje do que a futura geração, aquela que treinamos hoje, será capaz! A luta iniciará com o toque do sino.
Passados alguns segundos, abaixo das arquibancadas, Sigmore e dois agentes chegaram ao clube e começaram a se reunir com os demais. Sigmore mexeu o ombro caminhando em direção a Clifford.
— Hey, já tem a primeira luta? — indagou Sigmore.
— Sim. Serão dois calouros, acredita? — retrucou Clifford, animado.
— Sério?
Sigmore virou o rosto para o campo onde as batalhas acontecem. Seus olhos abriram junto de um sorriso incrédulo ao visualizar o garoto com cabelos cor de trigo ali presente.
— Não creio… Loirinho? — murmurou.
☽✪☾
— Bom, teremos que nos esforçar mais agora — disse Theo. — Não vamos dar motivos para esses idiotas rirem de nós.
— Tem razão. Uma luta valendo a primeira posição da classe? — propôs Ivan.
— Hã? Como assim?
— Verdade, você estava desacordado nesse dia. Nós decidimos criar um ranking na classe, como uma forma de buscar o topo. Atualmente, você está em primeiro devido a ter influenciado na vitória contra o cristal arcano. Aryna é a segunda por ter o maior potencial. Eu sou o terceiro, Rebecca a quarta e Tony o último.
— Ele aceitou essa posição? — Theo riu.
— Sim. O próprio quis ficar em último. Ele aceitou que é muito impulsivo e irresponsável em combates…
— Saquei… Então, que tipo de aposta é essa? Eu sou o primeiro e você o terceiro. Ficarei atrás da Aryna se você ganhar.
— Está com medo de perder?
— Para você?
Theo estendeu o punho fechado para Ivan, o último, por sua vez, cumprimentou com um soco e ambos voltaram a suas posições de combate.
— Não sonha.
O sino do castelo tocou, marcando às oito da manhã. O mesmo horário que se inicia o primeiro combate todos os dias. Todos os agentes da plateia começaram a gritar, criando um tumulto e gritos de guerra generalizados.
— Que o combate se inicie! — exclamou Clifford.
Por alguns instantes, Ivan se perdeu na energia que os agentes entregaram. Um lugar alegre, aconchegante, onde ninguém tinha ódio de ninguém. Mesmo que tivesse assistido aos combates ontem, estar no centro recebendo aqueles gritos e aplausos era totalmente diferente.
Entretanto, para Theo, aquele ambiente já era comum. Visto que os soldados de Egon costumavam fazer o mesmo que os agentes.
Enquanto Ivan estava distraído, Theo avançou contra seu companheiro e desferiu um chute no estômago, resultando em Ivan sendo lançado para trás.
“Dormi demais…” pensou Ivan, após processar o golpe de Theo.
— Enquanto Ivan se deixou subir à cabeça, Theo atacou sem perder tempo com um forte chute no estômago! — narrou Clifford.
Girando as mãos no próprio eixo, uma névoa branca cobriu os dedos de Ivan enquanto um feitiço foi formado. Esticando os braços para a frente, uma enorme lança de gelo saiu da palma da mão de Ivan, atirada contra Theo.
Se jogando para o lado, Theo sentiu um ar gélido quando a lança foi cravada na grama rente a si.
Um gás inerte fluiu pelo chão e fez com que a intuição de Theo gritasse no mais alto nível. O sexto sentido do garoto não estava errado. De repente, outra lâmina gélida foi lançada contra Theo, o surpreendendo por instantes.
Vindo debaixo para cima, a lâmina obrigou Theo a tentar se manter ereto no ar, para não atingir seu rosto. Contudo, atingiu. Acertando a testa de Theo, a lâmina voou para cima e se desfaz dez metros no ar, em partículas de água.
Ivan entrou em desespero, pois, no seu ponto de vista, o feitiço que ele utilizou acertou precisamente a cabeça do colega de classe.
Alguns agentes na plateia sentiram o mesmo que Ivan, porém, com Sigmore foi diferente. Ele conseguiu notar o que Theo estava fazendo.
Usando o manto como cobertura, Theo disparou um projetil de vento veloz o suficiente para passar despercebido pelos agentes. Ivan desviou somente num último instante, pois sentiu uma brisa fria antes de tocar seus cabelos.
— Aquilo… aquilo foi um tiro de vento!? — exclamou Clifford, surpreso, representando a maioria dos agentes.
“Não…” pensou Sigmore. “Foi bem mais complexo que isso…”
Caindo no chão, Theo se levantou batendo as roupas.
— Detesto usar feitiços, mas já que é o caso… — resmungou Theo. — Ei, Ivan! Pare de brincar! — exclamou Theo, levantando seu cabelo e mostrando um pequeno corte causado pela lâmina.
“Tem razão…” pensou Ivan.
— Não esqueça disso, Ivan: a única honra que temos em batalhas, é sair vivo. Se alguém é mais forte que você, por que se segurar num confronto? — indicou, uma voz familiar ecoou pela mente de Ivan.
Esticando os braços para o chão, Ivan começou a produzir uma enorme quantidade de névoa: um gás branco que se estendeu até Theo.
“O último feitiço se iniciou graças a essa névoa. Creio que seja uma fachada para esconder seus ataques… Perdão, amigo. Mas não posso deixar continuar…” pensou Theo, abrindo a mão direita contra o gás no chão.
— Sopre para o norte: Aquilon! — conjurou Theo.
Uma grandiosa e violenta ventania soprou para a direção norte, causando um desequilíbrio momentâneo em Ivan e levando toda a névoa branca consigo.
Aproveitando o momento inoportuno para Ivan, Theo atacou com a espada cega.
— Incrível! Uma ventania se alastrou para o norte!
Com uma investida, Theo atacou o colete de Ivan — já que o colete possui um encantamento que anula 80% dos ataques físicos e a espada também não possui fio, Theo tinha certeza que não machucaria seu colega.
A espada afundou no colete de Ivan lentamente. A percepção de tempo de ambos ficou lenta, tendo tempo o suficiente para pensar no próximo passo.
Estando em combate corpo a corpo, Ivan sabia com 100% de certeza que não conseguiria durar segundos contra Theo. Tentar distanciar e contra-atacar usando seus feitiços também não seriam efetivos, graças a agilidade e velocidade de Theo, misturados com a forma que tal achou para reagir aos feitiços de Ivan.
“Essa é a solução!” pensou Ivan, prendendo a espada de Theo com as mãos.
Novamente, uma pequena nuvem de gás cobriu a espada, congelando todo o material em instantes.
“Esse gás… Não é gelo!” concluiu Theo. “É imensamente mais frio que gelo.”
Theo puxou a espada para si novamente, soltando-a das mãos de Ivan.
Para distanciar-se, Theo empurrou Ivan para trás com o ombro esquerdo. Porém, no momento de contato, o gás tocou a pele de Theo momentaneamente, saindo do estado gasoso para o líquido.
No contato físico com o elemento de Ivan, Theo só pode descrever a sensação como: algo tão frio que conseguiu queimar. Uma sensação de ser tocado por um líquido de -196 graus Celsius.
Lançando Ivan para trás, Theo apresentou um pouco de vulnerabilidade ao sentir uma queimadura imensa. Aproveitando a brecha deixada, Ivan dispersou uma névoa rasa no chão, que, consecutivamente, transformou-se em líquido e mudou para o estado sólido.
Ao virar um sólido, o elemento prendeu as pernas de Theo em um formato de teias de aranha. Naquela situação, o garoto só pode pensar em uma conclusão: recorrer ao elemento que abandonou há quase dez anos.
— Libere o terceiro núcleo. A fonte principal de energia. Reaja o ar com a energia que está em seu núcleo, liberando-a para fora — disse Ethan, o pai de Theo.
Liberando éter pela mão, Theo conseguiu reagir com o oxigênio da atmosfera, liberando faíscas. Tendo o éter como a fonte de energia, aquele processo resultou em uma…
— Combustão! Theo utiliza o elemento da vida, o fogo, para derreter o gelo de Ivan! — anunciou Clifford.
Porém, algo deu errado.
Theo desistiu desse elemento, pois ao tentar utilizar a combustão, a explosão era tão enorme que ele não conseguia controlar. Mas, essa explosão fora de série não aconteceu naquele instante. A combustão foi isolada pelo elemento de Ivan.
“Sabia! Não é gelo. O elemento do Ivan é algum elemento gasoso inerte, a combustão não será o suficiente. Mas talvez, se eu misturar meus dois atributos… Para criar um novo feitiço…”
Nas veias de chakra de Theo, uma mistura elementar se formou. Compartilhando seus canais de energia com o fogo e o próprio vento, Theo conseguiu, no momento de pressão, criar uma derivação do feitiço “Aquilon”.
— Queime tudo ao sul, Auster! — conjurou em uma exclamação desesperada.
Uma nuvem de tempestade soprou uma enorme ventania para o sul, levando consigo, uma onda imensa de calor. A ventania derreteu o elemento de Ivan.
— Afogue para o leste: Vulturnus!
Ivan foi jogado para trás, numa velocidade e força que quase desfalece o garoto.
— Seja suave para o oeste: Favonius!
Sendo jogado agora em direção a Theo, Ivan sentiu uma sensação calma e reconfortante, mesmo assim, estava em um tornado.
Para finalizar o combate e aproveitando o impulso de Ivan ser jogado de um lado ao outro, Theo desferiu um soco no rosto do seu colega de classe.
Ivan caiu no chão sem poder reagir.
— Incrível! — declarou Clifford. — Meio a uma tempestade mitológica, o vencedor se revelou! Após dois minutos de luta, o vencedor é o agente de segundo grau da ordem Vagus, Theo!
Theo, ofegante, limpou seu lábio com o pulso direito, encarando Ivan com um ar de estranheza.