Meu Não Tão Detestável Vilão - Capítulo 01
O clima estava límpido e radiante, enquanto a brisa suave da primavera se espalhava por todo o Império de Grevar. Esse vento gentil anunciava mais um dia esplêndido para todos os habitantes daquele vasto e próspero território.
Aquele lugar abrigava uma das mais prestigiadas academias do continente, responsável pela formação dos mais poderosos magos, guerreiros e invocadores do Império. Esse renomado local era conhecido como Academia Imperial Mystalora.
Todos os estudantes já estavam presentes na academia, pois as aulas haviam começado há três meses. O céu estava repleto de alunos em movimento, alguns voando com a ajuda de bestas invocadas, outros montados em vassouras ou envoltos em mantos encantados que lhes conferiam o dom do voo.
Em frente a biblioteca mágica, um pequeno grupo se reunia com olhares carregados de desdém, trocando murmúrios sobre um aluno específico. Este jovem estava sentado no chão, recostado em uma das pilastras, enquanto observava a cena sem nenhuma expressão em seu rosto.
Diante dele, um rapaz de cabelos negros, trajando o uniforme da academia, o encarava com olhos carregados de irritação. Ao lado dessa pessoa, uma bela garota de cabelos prateados e olhos cor de âmbar, envolta em um vestido azul e branco, proferia algumas palavras para o jovem sentado no chão.
Mesmo carregando um tom de raiva em sua voz, a delicadeza e suavidade ainda transpareciam, fazendo com que alguns dos espectadores, tanto masculinos quanto femininos, sentissem uma pontada de inveja, desejando estar no lugar daquele a quem ela dirigia suas palavras.
O jovem que estava recebendo o sermão era conhecido como Rael Entegarden, um dos playboys mais abastados do segundo século. Sua família, os Entegarden, gozava de uma enorme influência no Império, apesar de não possuírem um título nobre. Eles eram temidos por muitas famílias, pois dominavam diversos mercados em torno da capital.
Muitas pessoas evitavam entrar em confusão com ele, temendo retaliação da sua família. Como filho único do patriarca da linhagem, Rael era considerado um tesouro, mimado a tal ponto que despertava inveja até nos filhos e filhas dos nobres imperiais.
Entretanto, a garota que estava repreendendo Rael era alguém de importância e influência muito superior. Ela fazia parte da família Layneth, a segunda mais influente do continente, detentora de um título de nobreza e com ligações diretas com a família imperial de Grevar, conhecida como a Rainha do Gelo Sylfith.
A garota prosseguia com seu sermão enquanto Rael permanecia calado e imóvel, absorvendo cada palavra com uma expressão impassível.
— Rael! Você por acaso ouviu uma palavra do que eu disse? — ela exclamou, com um tom de reprovação. — Não ouse me procurar novamente, senão eu mesmo vou acabar com você.
O jovem ao escutar aquilo, começou a encarar Sylfith e o garoto ao seu lado. Esse mesmo havia sido a pessoa responsável por deixar Rael naquela posição. Poucas pessoas sabiam quem era esse garoto ao lado da Rainha do Gelo, mas seu nome aparentava ser Adrian Ironheart, um suposto filho bastardo da também poderosa família Ironheart.
— Mesmo sendo o suposto noivo da Sylfith, isso não lhe dá o direito de tentar tocá-la — Adrian declarou, sua voz carregada de uma grande raiva.
Com um esforço notável, Rael se ergue do chão, ajustando suas roupas que ficaram amassadas pelo soco recebido de Adrian momentos antes. Surpreendentemente, o golpe, embora forte, não parece ter causado dor alguma a ele.
Enquanto se ajeitava, Sylfith e Adrian notaram sua indiferença em relação a eles. Sem perder tempo, os dois começaram a falar novamente, trocando palavras em um tom que variava entre descontentamento e raiva.
— DÁ PRA CALAR A PORRA DA BOCA DE VOCÊS! — Rael rugiu, sua voz ecoou com uma intensidade fazendo todos ao redor ficarem surpresos.
Os dois jovens ficaram sem palavras. Será que aquele miserável havia realmente mandado eles se calarem? Essa simples afronta desconcertou ambos por um breve momento.
— Olha, eu não dou a mínima para vocês. Se me derem licença, vou me retirar daqui — Rael disse com firmeza.
A expressão de todas as pessoas ao redor foi de surpresa e confusão. Afinal, quem havia causado uma cena mais cedo tinha sido ele, e agora subitamente estava agindo como se nada tivesse acontecido.
Sylfith e Adrian ficaram igualmente confusos. Por que aquele desgraçado estava com raiva deles? Ele claramente era o culpado daquela situação. A atitude de Rael os deixou perplexos, questionando suas próprias ações.
No fim, ambos acabaram chegando à mesma conclusão: esse cara tinha ficado maluco.
Em um banco de madeira próximo à ala de invocadores, Rael estava sentado, com as mãos na cabeça, buscando entender como diabos ele acabou naquela situação. Sua mente estava repleta de informações sobre o passado daquela pessoa.
Isso mesmo, ele não era o dono original daquele corpo, mesmo que seu nome verdadeiro fosse o mesmo. Rael estava perdido nesse lugar estranho, em um corpo estranho com pessoas estranhas por todos os lados.
Na verdade, nada daquilo era realmente estranho para ele. A ficha havia caído algum tempo antes dele se sentar naquele banco para pensar com mais clareza. Esse mundo era muito similar, se não o próprio, do jogo conhecido como O Imperador de Artherian.
Esse jogo tornou-se incrivelmente popular no seu mundo original, revolucionando o gênero de dating sims. Pela primeira vez, foi lançado um simulador de realidade alternativa que permitia aos jogadores adentrarem um mundo quase real, explorando, evoluindo e interagindo com os NPCs como se estivessem vivos.
Seu sucesso foi absoluto, e muitas pessoas, principalmente homens, esgotaram os estoques das lojas em minutos por todo o planeta, elevando o preço de uma Case para próximo de sessenta mil dólares.
A Case era o nome dado ao equipamento onde O Imperador de Artherian rodava. Sua aparência, semelhante a um caixão, não intimidou os jogadores. Mesmo ocupando quase um cômodo inteiro devido à sua robustez, ainda valia a pena pela experiência única que proporcionava. Poucas pessoas tinham a chance de vivenciá-la, e Rael foi uma delas.
Na verdade, ele foi um dos dez primeiros a concluir o jogo, com seu apelido destacado na lista mundial. No entanto, quando os jogadores finalmente chegaram no final, ficaram profundamente decepcionados.
Muitos tinham expectativas de terem a oportunidade de se relacionar com as heroínas da história ou de alcançar um final incrível. Entretanto, apesar da grande imersão, os diálogos eram terríveis e o protagonista não passava de um poste na história, com uma personalidade genérica e sem graça. Infelizmente, os jogadores estavam presos em uma narrativa linear, obrigados a seguir um roteiro pobre e mal elaborado.
Três meses após o lançamento, muitas pessoas abandonaram o jogo, fazendo a fanbase decair drasticamente derrubando as ações da NOSCOP, a empresa responsável por O Imperador de Artherian.
Apesar da decepção compartilhada com os outros jogadores, Rael persistiu e continuou jogando, afinal, tinha investido uma fortuna naquela máquina. Além disso, ele ainda nutria um certo apreço pelo jogo por conta de um vilão com o mesmo nome que o seu. Por mais idiota e mal escrito que fosse, esse antagonista era uma fonte de entretenimento, especialmente pelas suas tentativas fracassadas de conquistar Sylfith.
Depois de rejogar inúmeras vezes, Rael acabou se cansando do jogo. Afinal, já tinha explorado todas as rotas, obtido todos os tesouros e alcançado o final várias vezes, onde Adrian e seu harém derrotavam o Demônio Ancestral, terminando com um belo final aberto que não mostrava o desenvolvimento final entre o protagonista e a heroína conquistada pelo jogador.
Um dia, a NOSCOP postou um anúncio nas redes sociais anunciando uma super atualização, onde expandiriam o final adicionando uma história para todas as heroínas disponíveis. Isso fez uma certa parte dos jogadores voltarem a se interessar pelo jogo novamente.
Quando Rael viu essa notícia, ele estava no supermercado e decidiu retornar o mais rápido possível para casa. No entanto, a vida é injusta, e no meio do caminho acabou sendo atropelado por um motorista distraído usando o celular.
— “De todas as pessoas, eu acabei sendo transmigrado logo nesse idiota…” — pensou Rael, enquanto cobria seu rosto desesperado.
Para sua infelicidade a segunda parte da história se aproximava, onde Adrian desafiaria Rael para um duelo. Caso ganhasse, ele pediria a anulação do noivado entre Rael e Sylfith. Esse desafio seria proposto amanhã, seguindo o acontecimento ocorrido mais cedo.
— Agora só falta um sistema genérico aparecer querendo me obrigar a seguir esse roteiro genérico — murmurou Rael consigo mesmo, ironizando a situação enquanto lutava para manter a consciência.
[Iniciando Sistema…]
[Sistema de Vilania iniciado com sucesso!]
Uma voz feminina mecânica ecoou dentro de sua cabeça.
— “Falando no diabo…”
[Bem-vindo, caro usuário!]
[Este é o sistema de vilania, versão atualizada, 100% gratuita e segura]
[Seu objetivo neste mundo é conquistar pontos de vilania e-]
— Foda-se! — disse Rael, firmemente. — Eu não vou ficar obedecendo sistema coisa nenhuma, vou apenas aproveitar e curtir a vida de rico nesse mundo semi-medieval.
[C-caro usuário, por favor você tem q-]
— Não! Eu me recuso!
[M-mas se você recusar, meus superiores vão se irritar comigo~]
— Eu já li muitas novels sobre sistemas, especialmente as de vilões — disse Rael, com um tom irritado. — No fim, eu vou acabar virando um saco de pancadas enquanto fico dependente de você.
[E-eu juro não ser isso, apenas me escute!]
— Desligar sistema! Cancelar sistema! Interromper sistema! — Rael recorreu a várias palavras-chave na esperança de evitar ficar preso àquele sistema.
[Certo usuário, o problema é seu hmpf!]
— Esse sistema acabou de fazer ‘hmpf’ pra mim? Nah… devo ter ouvido mal — ele sacudiu a cabeça em negação.
Rapidamente, Rael se levantou do banco, determinado a relembrar mais sobre a vida desse personagem. Após conseguir as informações que buscava, dirigiu-se rapidamente ao dormitório masculino. Ele decidiu passar o resto do dia deitado numa cama luxuosa, desfrutando de uma refeição digna de um rei.
— A partir de hoje, eu vou viver minha vida ao máximo, desfrutando das vantagens de ser um milionário — declarou Rael, determinado a aproveitar cada momento da sua nova existência.
Muitas pessoas, ao vê-lo caminhar pelos arredores, começaram a cochichar e rir sobre o ocorrido entre ele, Sylfith e Adrian. No entanto, Rael não se importou nem um pouco e continuou sua caminhada com um grande sorriso no rosto.