O Belo e a Medonha - Capítulo 12
Após longos minutos, o inocente Tsezar resolveu puxar assunto naquele ambiente mórbido.
— Para onde vocês vão?
Todos olharam estranho para a pergunta e o loiro, mas aquele silêncio já estava se tornando insuportável.
— Para o sul, lá é o lugar mais fácil para fugir — disse o moreno.
— Você vai ser o primeiro a ser pego, o norte é muito melhor — respondeu o pálido.
Aqueles garotos não sabiam os nomes um dos outros, muito menos se importavam com a vida um dos outros, contudo, havia empatia por cada um, por isso é entendível as discussões que se sucederam.
— O sul mal foi conquistado, é a escolha óbvia!
— Por isso é a mais estúpida!
O jovem de colete se mantinha calado perante aquela discussão infantil. Aqueles dois continuaram jogando argumentos ao ar, não que fosse convencer alguém naquela sala.
Uma forte tragada foi executada, após uma pequena cortina de fumaça começou a fazer os garotos lacrimejarem, o autor daquilo se levantou e gritou para todos ouvirem:
— Todos vocês são idiotas! Não importa pra que lado vocês forem, nenhum lugar vai nos aceitar, principalmente depois do ataque ao palácio imperial. Nenhum lugar vai nos aceitar.
A dura realidade abateu os sonhos dos garotos, o simples fato deles estarem ali, tentando fugir, era a prova de que dificilmente algum lugar próximo os aceitaria.
— Então por que você está aqui? — perguntou Tsezar.
— Diferente de vocês eu tenho um objetivo claro. Na região central do império há um grupo terrorista, eles aceitam qualquer um que quiser, principalmente pessoas como nós. Tudo que eu preciso é disso.
Ele apontava para o fumo que antes estava na sua boca e agora ele segurava em suas mãos.
— Cigarro?
— Eu falo de drogas, pateta. Os habitantes das capitais se abastecem disso, é o jeito mais fácil e lucrativo de nos vingarmos dessa escória.
O discurso do garoto de cachos negros tocou no coração abatido dos garotos residentes daquela sala humida e suja. Era realmente a maneira mais fácil de ganhar a vida em um lugar que desprezava a sua existência.
Antes da noite cobrir toda a região, o jovem assistente do velho Klaus deixou um prato de comida à porta. Nenhum dos quatro teve estômago ou coragem para comer.
Contudo, as discussões não paravam, aqueles quatro tinham muito a dizer e muito para colocar para fora:
— Você tem algum contato com esse tal grupo? — perguntou o moreno.
— Sabia que vocês se interessariam. Eu conheço alguns, assim como nós, que conseguiram um espaço por lá.
A única pessoa que não tinha interesse no assunto era Tsezar, ele se mantinha calado com a cabeça baixa, porém sua mente estava trabalhando a milhão.
— Como você planeja chegar lá? — perguntou o pálido.
— Perto de um dos postos fronteiriços há uma cidade abandonada, eles a usam como base, tenho certeza que se chegarmos lá conseguiremos o que queremos.
A cada resposta, um tempo relativamente longo de pausa entre as discussões surgiam. Os garotos pensavam nos prós e nos contras.
— Mas e o risco? Podemos ser pegos ou morrermos a qualquer instante.
— E já não vivemos isso? Somos caçados como pragas, o que eu estou oferecendo a vocês é a chance de mudar de vida. Um pequeno risco por lucros muito maiores.
A noite foi sendo levada por essas curtas discussões, ninguém ali dormiu direito. O próximo dia veio, a noite se encerrava conforme o sol se levantava, a penumbra cinzenta cobria todo o ambiente.
Naquele momento a porta foi aberta e os garotos foram chamados.
Do lado de fora, Klaus esperava pacientemente em cima da carroça com as rédeas dos cavalos em mãos.
— Entrem ali embaixo e não digam nada, não sejam suspeitos — falou o jovem.
Conforme as ordens, os quatro garotos se esconderam embaixo de uma série de caixas de frutas e uma grande manta branca. Eles deveriam se manter agachados ou deitados a viagem toda.
O percurso foi torturante, uma mistura de tensão e medo. A cada posto de oficiais, cada ponte ou uma rua um pouco movimentada levava o coração deles a palpitar como um vulcão em erupção.
Assim se foram as horas, até chegarem ao primeiro posto de fronteira, a carroça parou bruscamente. Três toques no teto sinalizaram a chegada ao lugar desejado.
O garoto de colete foi o primeiro a se mover, levantar a capa e saltar para fora, os outros dois se remoeram e entreolharam diversas vezes, a óbvia dúvida os consumia.
— Vamos!
Relutantes e de cabeça baixa eles foram engatinhando para fora, Tsezar inocentemente retrucou: — Vocês tem certeza?
Nenhum deles respondeu, em suas feições havia incerteza, porém suas ações diziam o contrário. Os dois saíram e Tsezar os olhou pela última vez na vida.
Não demorou muito para carroça tomar seu rumo e aqueles três seguirem ficarem para trás; o destino deles era incerto, o destino de todos ali era incerto.
O dia passou, o calor diminuiu, mas o medo de ser capturado se mantinha no máximo. O loiro repensou em toda sua vida naquele momento, era o único jeito de se manter determinado a continuar.
No raiar da noite, a carroça fez sua última parada. O loiro foi acordado pelo jovem que veio avisá-lo.
— Chegamos.
Um pouco sonolento, Tsezar se levantou e saiu daquele aperto, do lado de fora as estrelas já reinavam no céu. Ao redor havia apenas arbustos em torno de uma estrada de terra.
Ao distante olhar, uma pequena luz amarelada se destacava, todos ali sabiam o que era.
— Aqui nos despedimos, você deve saber para onde ir.
— Obrigado…
Com um sorriso no rosto e a mão à frente, o jovem completou: — Estou apenas fazendo meu trabalho.
O pobre loiro reuniu suas últimas forças e terminou aquele comprimento, ele devia sua vida a aquele homem, esse era o mínimo.
Sobre aquele solo duro, Tsezar iniciou a marcha de sua vida, a marcha que definiria seu futuro daquele ponto em diante. A noite fria não importava mais, a dor aguda não importava mais, apenas chegar no destino importava.
Mesmo que o pano se manchasse ainda mais de sangue, Tsezar mantinha sua determinação no máximo; ele jogou sua muleta ao chão e saiu correndo até o posto.
Os arbustos cheios de espinhos cortavam os pés descalços dele, mas a luz amarelada clareava seus olhos como uma luz atrai uma mariposa.
Já a poucos passos daquele posto, junto de uma longa muralha, um grito recheado de um pesado sotaque penetrou os ouvidos do loiro.
— Parrado ai! Mãoos ao allto!
Era um guarda em posse de um largo rifle encravado de um metal de uma cor escura visível mesmo a noite. Um forte cheiro de enxofre tomou conta do local conforme a boca do rifle clareava como uma estrela.
Tsezar não pode fazer nada se não olhar aquela luz, e cair ao chão. Lágrimas doces escorriam de seus olhos antes de desmaiar abruptamente.
≪❦≫━━━━━⊰♡⊱━━━━━≪✠≫
— E assim termina a primeira parte, a segund…
— AH! Chega! Só diz logo o que você quer dizer com toda essa história! — gritou Dawid com as mãos nos ouvidos.
O loiro não se sentiu ofendido, tudo que ele fez foi dar uma curta risada, fechar os olhos e se colocar de pé.
— Tudo bem, eu já entendi.
Dando uma curta observada pelo chão, Tsezar olhou e pegou uma pedra que estava ali perto.
— Você se lembra dos três garotos que estavam fugindo comigo?
— Sim…
Antes de voltar a dar sua lição de moral, a mão do loiro, que segurava a pequena pedra, começou a mexer os dedos com extrema força, ao ponto das veias saltarem para fora.
— Todos eles, sem exceção, morreram. Pouco tempo depois de eu fugir, a cidade que eles escolheram ficar foi atacada pelo exército imperial. O caminho fácil que eles escolheram levaram eles para o caixão.
A feição cheia de confiança de Dawid foi se dissolvendo a cada palavra dita.
— Eles não foram os únicos que tentaram, muitos antes e depois de mim, e muitos desses desistiram, olharam um muro muito alto e deixaram ser vencidos.
Mais e mais a mão do oficial se apertava, um barulho de objetos raspando um nos outros acompanhava o discurso.
— Quantas vezes você acha que eu caí? Cheguei aos pés da morte? Não apenas eu, muitos órfãos e órfãs como eu e você, mas o que me difere deles?
Um silêncio desconfortante tomou o local, Dawid sabia a resposta, mas se recusava a dizer ou acreditar.
— Você sabe, não é? Eu me levantei, não passei o tempo reclamando ou culpando os outros. Fui lá e melhorei, abracei as raras oportunidades e as usei do jeito certo.
Ao terminar sua frase, Tsezar abriu sua mão e de lá caiu um pequeno montinho de poeira, o resto daquela pedra de antes.
— Eu perseverei, não desisti ou fraquejei, cada pedra no caminho, em um castelo transformei. Eu me tornei o herói da minha própria história.
Agora, o oficial deu dois passos à frente e posicionou-se muito próximo do ruivo, que agora encarava o chão, perplexo e chocado.
— E você? Vai continuar desperdiçando tempo roubando brinquedos idiotas, ou vai levantar sua cabeça e se tornar o herói da sua história?
Um punho, um comprimento, foi o que Dawid olhou quando levantou sua cabeça. A luz que Tsezar “exalava” que antes incomodava os olhos do ruivo, agora enchiam o peito dele de determinação.
Após secar suas lágrimas e se pôr de pé, o ruivo abriu um grande sorriso e retribuiu o “soquinho” de seu compatriota.
— Boa, garoto! Agora me diga, como conseguiu roubar aqueles brinquedos tão rápido? Nem eu percebi quando você fez isso.
— Eu tenho meus truques.
Depois disso, Tsezar teve que deixar o garoto para trás, voltar ao plano inicial, mas o ensinamento passado com certeza marcará Dawid para sempre.
≪❦≫━━━━━⊰♡⊱━━━━━≪✠≫
Com um sorriso no rosto e uma satisfação no peito, Tsezar voltou à vila, o oficial designou-se a taverna de Anatol — era necessário completar a parte 2 do seu plano
—, o velho barman limpava a bancada até que o sino da porta soou.
— Capitão, seja bem vindo — disse com seu sorriso simpático e acolhedor.
— Está tudo indo bem?
— Sim, sim, os barris estão todos preparados. Eu até mesmo pedi ajuda a algumas atendentes para ajudar hoje a noite.
Da porta a até o barman não era muito longe, essa curta conversa deu tempo o suficiente para o loiro se aproximar daquela bancada.
Durante a conversa, dois toques foram dados na mesa, Anatol sabia exatamente o que aquele sinal significava. Tsezar esperou por poucos segundos para que o barman abaixasse e agarrasse um pote de madeira e um caderno.
— Obrigado.
Aquele frasco não havia rótulos ou símbolos, completamente liso, porém dentro havia uma quantidade significativo um pó negro.
— Nunca imaginei que o senhor fosse criar uma festa tão abruptamente, capitão, principalmente na minha taverna.
Jogar o fumo por cima da folha do caderno, enrolar a folha em um cilindro e por fim lember a ponta para que não se soltasse, foi o que Tsezar fez. Anatol pegou por debaixo da mesa uma lamparina recém ligada para acender o cigarro do oficial.
— E aquela bolsa de dinheiro, nunca tinha visto tantas peças de ouro em um lugar só, você é realmente um homem de sucesso, capitão Tsezar.
Cigarro aceso, uma forte tragada e uma curta cortina de fumaça vieram em seguida.
Com o fumo em mãos, Tsezar respondeu anatol com uma estranha melancolia:
— É, um homem de sucesso…