O Belo e a Medonha - Capítulo 4
Após ler todo o relatório, Heiko se ofereceu para levar o oficial aos locais do crime. Mesmo abatido e cansado, Tsezar tomou a frente, sua missão era a prioridade.
O primeiro destino foi um pequeno casebre no canto norte do vilarejo. Era uma região mais antiga e retrógrada da vila, isso se confirmava dado a madeira desgastada.
A última casa da rua foi o alvo. Pelo lado de fora era visível o estado deplorável do lugar.
Mesmo assim, um pequeno conjunto de flores, presentes e velas rodeavam a residência, em sinal de respeito.
Ao redor da propriedade, uma longa corda amarelada demarcava o local desejado.
— A corda, qual a função dela?
— Depois do ocorrido, queriamos manter o mais intacto possível. Não desejávamos que ninguém entrasse. Não que alguém fosse ousar adentrar, mas era para afastar os desavisados.
— Que chique. — Levantando a corda, Tsezar adentrou e começou a analisar a cena.
A madeira estava corroída, havia grandes marcas por toda a sacada, as pilastras estavam quebradas mas o teto não despencou.
Porém o grande destaque era a porta, o batente dela estava despedaçado. A parte debaixo dele estava completamente fora do lugar. A abertura, ou o que restou dela, na prática não existia mais; seus pedaços estavam espalhados por todo chão do lado de fora.
Adentrando, Tsezar pisou com cuidado, era perceptível o estado quebradiço do lugar. Dentro da residência, deu-se de cara a sala, lá o sangue seco formava uma sombra do antigo tronco do senhor.
Agachado, o oficial começou a verificar a cena do crime.
— Quem encontrou o corpo? — O tom cômico que Tsezar carregava estava morto nesse momento, ele havia encarnado o estilo militar que lhe cobravam.
— O filho mais velho. A casa dele é logo ao lado — Heiko apontou para a janela à direita enquanto falava —, ele escutou o grito de seu pai e foi logo ver o que houve.
— Ele viu o suspeito?
— Sim! Porém seu relato foi deveras vago, não o julgo, ver seu pai naquele estado quebraria qualquer um.
— Deixa eu adivinhar, uma fera peluda, alta, de pelo negro e com um grande fucinho?
— Acertou na mosca.
Ao se levantar, Tsezar começou a verificar os cômodos; quarto, cozinha, dispensa, entre outros. Todos estavam limpos e intocados.
Com um pequeno aceno de cabeça, o loiro confirmou sua análise geral do local, já pondo seus pés a frente para sair da residência.
O segundo destino era no canto oposto, localizado no lado sul. Uma morada extremamente humilde, ela se encaixava entre dois pequenos comércios, um de peixe e um açougue.
— Que fedor! — retrucou o oficial, com os dedos tapando o nariz.
— Demoramos para perceber o falecido dado o cheiro.
A mesma corda bloqueava a entrada, Tsezar atravessou e percebeu a mesma situação. A porta estava estraçalhada, o batente estava quase em pó e a mesa que deveria estar dentro da casa, estava cravada no buraco da janela.
De novo, todos os pedaços estavam do lado de fora, por dentro mais sangue, dessa vez a sala, que era o único cômodo, estava uma bagunça.
Um colchão esfarrapado estava encostado na parede, dividido em dois e com a lã largada ao piso. O resto da mesa estava jogada no outro canto do cômodo junto da parte de cima de uma cadeira.
— Quem foi o infortunado dessa vez?
— Antoni Boyko. Um rapaz promissor, trabalhador e muito gentil. Ele era órfão, trabalhava no campo de alguns fazendeiros da vila.
— Como ele foi encontrado?
— Só metade dele foi achado, a metade de baixo. A parte de cima acreditamos que foi engolida. O resto estava cravado com o que sobrou da cadeira.
Os líquidos do homem estavam espalhados por uma parede, tornando perceptível onde o corpo foi encontrado.
Tsezar não passou muito tempo na casa, o cheiro era insuportável e o resto do falecido exalavam algo até pior que o cheiro dos vizinhos.
Na pressa, os dois saíram da cena do crime. Alguns poucos transeuntes observaram a dupla dar uma última olhada no casebre, todos ao redor faziam curtas orações.
O último destino foi a uma rua de distância da última, agora, era uma propriedade de dois andares, toda a estrutura estava limpa e reformada. Os adereços do lado de fora mostravam a luxuosidade da morada.
A mesma corda demarcava a cena, porém, não haviam vizinhos ou casas próximas, aquele lugar era de outro nível.
— Esse é o último? Parece ser bem diferente dos outros.
— Estanislau Láguelòv, um dos homens mais ricos da vila. — Juntos, Heiko e Tsezar adentraram a casa, tudo estava em perfeito estado. — Ele era filho de um grande fazendeiro daqui, filho único, nunca precisou trabalhar.
Dentro, o estado era mais impressionante que do lado de fora. Tudo era pintado, as decorações eram cheias de detalhes, cada cômodo era mais exuberante que o outro.
Subindo um conjunto de escadas, a dupla deu de cara com um grande quarto, a visão era absurda de discrepante. Enquanto embaixo, as coisas eram bem cuidadas, em cima, um grande lixão reinava.
— O que aconteceu aqui!?
— Não sabemos, quando o corpo foi encontrado tudo estava assim. A faxineira foi contratada para apenas limpar a parte de baixo da casa.
Pasmo, Tsezar começou a dar voltas pelo quarto, à procura de manchas de sangue ou qualquer coisa que não fosse sacos velhos, garrafas de vidro abandonadas ou cigarros descartados.
— Foi a faxineira que o encontrou?
— Não, perguntamos sobre e ela disse que raramente o via. O cheiro do quarto disfarçava qualquer coisa morta que pudesse ter aqui.
— Quem o encontrou então?
Ao lado da cama, o oficial por fim encontrou uma grande poça de sangue, ela respingava na cama, chão e criado mudo.
— O dono do bar. — Heiko se abaixou e pegou uma garrafa e apontou em direção ao loiro. — Estanislau passava quase o dia todo bebendo, fumando e jogando no bar, não faltava um único dia. Quando ele finalmente faltou, todos estranhamos.
— Quanto tempo demorou para acharem?
— Menos de 1 dia. Estávamos crentes que ele acabaria morrendo pelo jeito que ele vivia. Ao acharmos, descobrimos que ele foi mais uma vítima.
Ao se levantar e encarar o criado mudo, que tinha manchas de sangue apenas do lado direito, Tsezar perguntou: — Como estava o corpo?
— Apenas rasgado. Boa parte dos órgãos internos estava intacto, havia um grande rasgo na barriga que fez o intestino sair para fora. Apenas o braço estava desgrudado do corpo.
— Arrancado ou cortado?
— Cortado.
Tsezar se negou a dar uma última olhada no quarto e saiu o mais rápido que pôde.
Do lado de fora, o oficial percebeu a clara opinião pública sobre o morto, enquanto nas outras casas haviam flores e pessoas orando, nesta não havia nada.
— Certo, essas foram todas as cenas do crime, analisarei as testemunhas e conhecidos das vítimas amanhã, peço que os reúna no centro da vila, por favor.
Com uma curta continência, Heiko concordou com o pedido do oficial.
— Mas antes, pode me dizer aonde fica uma hospedaria por aqui? Preciso urgentemente de um banho.
— Oh! Mil perdões senhor, eu me esqueci disso. Vou providenciar isso para ontem!
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A frente de um pequeno casebre, Tsezar analisava um cartaz escrito à mão que apontava para a dentro da pensão.
Dentro, o rapaz se deu de cara à uma larga mesa, com um painel atrás pobre em chaves. A recepção estava vazia.
Um pequeno sininho chamava atenção em cima da bancada, o rapaz quase que no automático tentou aperta-lo, sendo parado por uma mão que saía de debaixo do balcão.
— Não precisa apertar, eu já estou aqui para recepcioná-lo.
Ao se levantar, uma bela moça surgiu, seus traços finos captaram os olhos de Tsezar, o toque leve que ela havia feito arrepiou todo o braço do jovem.
Seu cabelo castanho a altura do ombro, em conjunto com uma armação parda e poucas sardas no rosto, derretia qualquer homem que a olhasse.
— Como posso ajudá-lo?
A fala da garota quebrou os pensamentos imorais do oficial.
— Que-quero um quarto para dormir, já tem uma reserva em nome de Tsezar?
Ao pegar uma grossa caderneta e abrir em cima da bancada, a moça começou a procurar em meio a pilha de nomes a reserva desejada.
Quando encontrou, a garota mostrou a sua surpresa e disse: — Ha! Achei, seja bem-vindo senhor Tsezar, a pensão Zhuk te receberá.
Se virando, a moça pegou um chaveiro de couro pendurado, com um uma marca de “20” cravado nele.
Tsezar agarrou aquele chaveiro com leveza e se direcionou a uma escada próxima.
Antes de subir, o oficial olhou a moça e falou:— Tem como trazer baldes de água quente? Estou querendo tomar um banho relaxante.
— Trarei eles em poucos minutos, apenas tenha um pouco de paciência.
Ao confirmar com um “joinha”, o loiro saiu e subiu as escadas. Ele passou por um curto corredor até que deu de frente a uma porta de madeira. Tsezar a abriu e adentrou no apartamento, exibindo seu grande sorriso no rosto.
No interior do apartamento havia móveis simples, uma cama perto da janela, uma cômoda e a esquerda uma porta que dava ao banheiro.
O jovem se jogou em cima da cama com força. Enquanto enfiava sua cabeça no travesseiro, ele expurgava um grande suspiro.
Estático, o loiro retirou sua capa e a jogou no chão. O silêncio do final da tarde, a calmaria da luz do sol que penetrava pela janela relaxou todo o corpo dele.
Da capa caída, um pequeno chocalho começou a ressoar pelo quarto. Aos poucos, uma corrente começou a sair de debaixo da manta, como uma cobra que se arrastava para fora.
Ela usava a ponta com peso como cabeça, a serpente metálica começou a se arrastar para cima da cama.
— Priscyla… deixa eu dormir…
O réptil de bolso se enrolou em como um bolo em cima do rapaz, ela fazia um barulho parecido com “stiff…” ou “sss..”
— Como assim você precisa descansar? Você é uma corrente!
Em sinal de desaprovação, Priscyla começou a picar as costas do rapaz.
— Se for dormir pelo menos me deixa em paz!
Acatando a ordem, a animosidade da arma se esvaiu, ela se aconchegou e começou a “ronronar”.
Seguindo o fluxo, Tsezar adormeceu em conjunto.
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Um toque na porta abrupto acordou Tsezar, mesmo baixo, ele sabia com toda certeza o que era.
Se levantando e jogando Pricyla ao chão, o rapaz foi até a entrada e a abriu.
— Sua água — disse a mulher com 3 baldes de madeira com água quente até o topo.
— Muito obrigado.
O rapaz puxou os recipientes para dentro e empurrou os 3 para o banheiro do apartamento. Lá, uma grande banheira, semelhante a um barril gigante, ocupava ⅔ do cômodo.
Ao derramar o líquido fervente, o vapor se espalhou por toda sala, poucas gotas caíram para fora e encharcaram o piso.
Tsezar jogou o resto da roupa longe e entrou na banheira. O contato da água com a pele dele fez seu corpo se arrepiar.
Enquanto se arrastava até ele, sua corrente de estimação trazia enrolado em si uma toalha branca.
— Obrigado Pricyla, mas você não vai tomar banho comigo, você enferrujou da última vez.
Ouvir aquilo irritou profundamente a arma, que jogou a toalha sobre o chão molhado e saiu “bufando” do recinto.
— Birrenta.
Os minutos se passaram, Tsezar afundou seu corpo todo na água e deixou apenas seu rosto para fora.
Ao levantar um pouco, o jovem começou a analisar seu corpo em meio a densa água. Os ferimentos nas mãos e braços se tornaram visíveis, principalmente o que se abriu na sua costela.
Aquele “arranhão” já havia criado uma casca, mas a dor ainda queimava dentro do rapaz. O toque leve dado por ele fez as memórias da besta do dia anterior queimarem.
— É muito óbvio que foi ele o responsável por esses assassinatos todos, mas tem algo que me incomoda nessa história toda…
Ao afundar de novo, Tsezar molhou seu rosto e cabelo, e ressurgiu da água. Ao encarar o teto mais das memórias sobre a missão martelavam em sua cabeça.
— Aqueles crimes foram brutais demais para um simples HomemFera, havia requintes de crueldade neles, isso não é normal — disse enquanto mordia os dedos.