O Belo e a Medonha - Capítulo 6
Após o senhor de idade sair da sala, uma calmaria mórbida tomou conta. O clima só foi cortado quando a próxima testemunha entrou pela porta.
Era um homem mais velho, porém conservado, seus cabelos bem penteados e sua pose ereta mostravam o estilo de vida que ele tinha.
Para comprimentá-lo, Tseza se levantou e estendeu sua mão. Diferente de seu antecessor, o recém chegado recebeu o aperto do rapaz.
— Sou o oficial que…
— Não precisa se apresentar, sei quem você é. Sou Anatol Krol.
Após ambos se sentarem, o investigador pegou alguns papéis e os separou em uma pequena pilha à frente de Anatol.
— Você era conhecido do Estanislau Láguelòv?
— Sim, sim, eu sou o dono da taverna, a pessoa que o encontrou.
A frieza estampada na cara do senhor confundiu o rapaz, ele imaginava isso de um dono de bar, mas aquele nível era desnecessário.
— Qual era sua relação com a vítima? Profissional ou pessoal?
— Estritamente profissional. Pessoalmente eu odiava ele, no entanto ele era um pote de ouro que estava sempre disposto a gastar mais um pouco em minha taverna.
Surpreso, o investigador retirou a papelada da frente do comerciante. Aquela resposta quebrou todas as expectativas que ele tinha.
— Por quanto tempo você serviu ele?
— Longos 20 anos.
— Oouh! Você deve ter recebido muito dinheiro dele.
— Ho, ho, exatamente companheiro. Paguei toda a construção da minha casa com o dinheiro que ele me pagou.
Pegando uma folha em branco, Tsezar começou a anotar apressadamente algo que Anatol não conseguia entender.
— Você acredita que alguém poderia fazer algo contra ele? Parece uma pergunta besta mas é fundamental.
— Sendo sincero, tenho quase certeza que ele era a pessoa mais odiada daqui. Difícil dizer quem não queria ele fora.
O jeito bem humorado que o senhor dizia sobre seu cliente mais fiel não assustava mais o investigador. Sobre o papel, ele anotava uma análise fria sobre a vítima.
— Vamos ao ponto mais importante. Você falou com ele no dia que ele desapareceu? Se sim, o que ele fez?
— Assim como todos os dias, eu servi a ele seu gole diário de álcool. Naquele dia ele saiu relativamente cedo. — Com os dedos sobre os beiços, Anatol buscava em sua memória mais informações. — Ele sempre saia da taverna para encontrar alguma concubina e naquela vez não foi diferente.
— E no dia seguinte ele não apareceu e você foi atrás, correto?
— Perfeitamente. Eu acreditava que a concubina tivesse o matado e o roubado, porém quando eu achei, percebi que uma humana não conseguiria fazer aquilo.
Perplexo, Tsezar encarava a testemunha após ter terminado suas anotações. Uma pequena correlação entre as vítimas se formava em sua cabeça.
— Acho que foi só isso. Dada a relação estranha entre vocês dois, não terei mais perguntas.
Terminando a fala com a mão estendida, Anatol acatou o comprimento e se retirou da sala.
Com as informações até o momento, o investigador colocou sobre a mesa a análise das duas primeiras vítimas.
Para Antoni era uma pilha, para Estanislau, um pequeno parágrafo de uma folha quase em branco.
Ao colocar as mãos sobre o rosto. Tsezar pensava sobre tudo até o momento.
Para acordar seu amo, Pricyla saiu de debaixo da mesa e bateu três vezes na parede, convidando a próxima testemunha.
O investigador ficou muito irritado, mas sua animosidade foi cortada pela porta.
Um homem alto surgiu. Seu rosto e braços estavam cheios de marcas e suas roupas sujas de terra e lama. Sua cara de poucos amigos não foi nem um pouco convidativa.
— Você é o investigador, certo? — Sua voz grossa reverberou pela sala.
— Sim, sou Tsezar.
Não tiveram comprimentos, o recém chegado foi frio em se sentar. Ele estava focado, sua presença criava uma aura de ódio e rancor que assustava o investigador.
— Meu nome é Casimiro Zhuk, sou filho de Nikolai Zhuk.
— Isso facilita minha vida.
Tsezar, arrumou a mesa, deixando apenas o documento relativo à primeira vítima. Era um papel esfarrapado, era visível que foi feito às pressas.
— Como era sua relação com seu pai? Vocês eram vizinhos, certo?
— Eu e meu pai éramos amigos, eu estava sempre o ajudando em tudo que ele precisava. E sim eu era vizinho dele, vivi lá desde a morte da minha mãe.
Nesse momento, o loiro simplesmente jogou aquele documento fora. O texto era mal escrito, faltava informação e contextualização. Ele não queria, mas teve que reescrever tudo em outra folha.
— A quanto tempo você é órfão de mãe? Qual foi a causa da morte dela?
A irritação na cara de Casimiro se intensificou com aquela pergunta.
— Faz 8 anos, ela morreu de alguma enfermidade; não gosto de lembrar. Qual é a importância dessa informação?
— Cada informação é essencial no desenvolvimento de uma linha de raciocínio.
Irritado com aquela afirmação, o homem colocou as mão sobre a mesa e gritou: — Meu pai foi morto por um bicho! O que a morte da minha mãe tem haver com isso!?
Tsezar havia perdido toda empatia por aquele rapaz, ele achava justo a reclamação dele, mas esse tipo de gente atrapalhava muito a investigação.
— Quando o senhor se acalmar poderei continuar com as perguntas.
Bufando, Casimiro acatou ao pedido e se sentou, cruzando os braços para finalizar sua birra.
— Já que você não está disposto a ajudar, vou perguntar o mais importante. Como foi o dia da morte do seu pai? Como foi aquela noite e o que você fez ao ouvir os gritos?
— Assim como todos os dias, eu trabalhei das 6 da manhã às 6 da tarde. Eu crio animais, então eu estou sempre ocupado. Apenas vi meu pai à noite. Jantamos juntos e eu voltei para casa.
De modo brusco, aquele homem carrancudo, rígido e violento parou seu discurso. Tsezar anotava quando percebeu. Ao olhar para cima, viu as lágrimas daquele rapaz caírem timidamente.
— A noite, eu escutei um barulho muito alto e resolvi ver o que era…
— Prossiga.
Aqueles acumulados de água salgada cruzavam a feição do homem, porém sua fala se mantinha firme.
— Quando eu abri a minha porta, eu vi aquela coisa sair da casa de meu pai…
— Ela te viu!?
— Sim, aqueles olhos vermelhos me encararam e eu os encarei de volta.
Aquela informação era crucial. Virava de cabeça para baixo todas as hipóteses e teorias que o investigador tinha criado.
— O que aconteceu logo depois!?
— Ela foi embora mais rápido do que um piscar de olhos. Em seguida eu entrei na casa e vi meu pai… morto.
Ele não estava em prantos, eram pequenas as lágrimas, as quais foram secadas pouco depois. Após seu relato, aquela violência novamente tomou conta dele; o clima pesou.
Com as informações acumuladas, o loiro terminou o documento e o colocou junto dos outros das outras vítimas.
Casimiro encarava o oficial com rispidez, o olhar penetrante foi respondido do mesmo jeito pelo investigador. Aqueles curtos segundos duraram como anos.
— Seu relato foi essencial, obrigado pela participação.
A mão estendida indicava a tentativa do oficial em apaziguar a situação. Dessa vez ele foi respondido; um aperto forte fez o loiro respeitar um pouco o rapaz.
Ao sair, Tsezar se levantou e se preparou para se retirar daquela sala suja e abafada. Quando foi surpreendido por um toque na porta.
— Tem tempo para mais um? — disse uma voz fina e leve.
— Você!?
Uma mulher com um vestido laranja longo, cabelos castanhos curtos a altura dos ombros e um óculos pardos surgiu, era a atendente da pensão.
— Meu irmão disse para eu não vir, mas eu realmente queria ajudar.
— Irmão?
— Oh! Eu nunca te disse meu nome, eu sou Jaina Zhuk, irmã de Casimiro Zhuk.
≪❦≫━━━━━⊰♡⊱━━━━━≪✠≫
A surpresa foi tanta, que Tsezar teve que pedir mais folhas para o dono do lugar. Ele e nem o próprio Heiko esperavam ver ela ali.
Ao retornar a sala, Jaina esperava calmamente sentada sobre a cadeira.
— Desculpe a demora — disse o oficial.
— Não precisa de tanto, eu realmente vim em cima da hora.
Sobre a mesa, o investigador colocou o documento em branco que gerou tanto alvoroço. Ele se sentou e acomodou, a cadeira rangeu estranhamente em resposta.
— Certo, vamos começar. Você é filha de Nikolai Zhuk, trabalha em uma pensão com o nome de sua família. Como era sua relação com seu pai? Você morava com ele?
— Não, não, eu moro na pensão mesmo. Minha relação com papai era muito boa. Mesmo não morando juntos, eu o ajudava em tudo. Fosse dar banho ou fazer a sua comida, eu até cortava a comida dura demais quando comíamos juntos.
— A pensão é sua ou veio de algum tipo de herança?
— Herança. Meu pai queria se aposentar alguns anos atrás, então ele distribuiu as propriedades da família. Fosse a pensão ou a criação de cabras que tínhamos.
A cada nova informação, mais uma anotação. Aos poucos uma pequena dúvida surgia na cabeça do oficial.
— Você é órfã de mãe, correto? Quando ela morreu?
— Não me lembro muito bem, acho que foi à 6 ou 5 anos atrás. Eu realmente não tenho boa memória. — Ela coçava a cabeça, ria as vezes e fazia gracinhas enquanto dava seu testemunho.
Tsezar podia não mostrar, mas ele havia feito além da análise das vitimas, uma também das testemunhas. Fosse o jeito de falar, roupas, nomes e a relação com os mortos.
— Você visitava seu irmão? Se sim com qual frequência?
— Não, mas eu encontrava ele nas raras vezes que ele ia ver papai.
Aquela aparência amável não se alterava com as falas. Era ao mesmo tempo cheia de emoção, porém fria; assim como um buquê de flores.
— Onde você estava no dia que ele foi atacado?
— Na pensão, mesmo que ela seja pouco movimentada eu tenho que estar lá.
— Você viu seu pai naquele dia?
— Sim! Eu lavei a roupa dele e levei pela tarde, ele estava sereno como sempre.
Ao colocar o ponto final em suas anotações, o investigador guardou o documento e colocou seus cotovelos sobre a mesa.
— Vou tocar em um tema sensível. Como foi receber a notícia? Quem deu a notícia e o que fizeram com o corpo?
— Foi devastador, minimamente. Eu quebrei quando Nikolai me contou. Eu e Nikolai fizemos um enterro digno dele no cemitério da vila. Posso te levar lá se quiser.
Sem lágrimas, sem reação, apenas uma fria resposta.
— Não precisa. Terminei por aqui, pode ir agora.
— Se quiser posso te acompanhar de volta à pensão.
Se levantando, Tsezar levou a moça até a saída, dando um último adeus, negando a companhia da senhorita.
De volta a sua mesa, o rapaz abriu a primeira gaveta e pegou os dois papéis em cima da pilha.
Sobre a cadeira, ele relia os documentos dos dois filhos da família Zhuk.
— Jaina e Casimiro Zhuk. Tinha como ser mais suspeitos?
Antes que ele desse uma risada maligna ou terminasse sua conclusão. Um rangido forte acompanhou a perna da cadeira romper e levar o rapaz ao chão.
Pricyla, que saiu de debaixo da mesa, “ria” da queda de seu mestre.
— Odeio esse lugar…