O Belo e a Medonha - Capítulo 8
— Como está a comida? — Sua voz leve reverberou pela sala junto do cheiro da refeição.
— Maravilhosa como sempre, minha doce Jaina — disse Heiko.
— Boa.
Mesmo sendo seco e rude, Tsezar não podia negar que Jaina fazia uma ótima comida, tanto que ele encheu o prato com uma variedade de alimentos.
Porém, ele não tirava os olhos da cozinheira. Talvez fosse apenas uma implicância infantil.
— Não vai comer? — perguntou o lider.
— Claro, só estou arrumando a louça para não dar trabalho ao senhor.
— Não precisa, você já fez o suficiente cozinhando esse banquete.
Aquele sorriso angelical estampado na moça apenas se enfeitou depois do elogio. Ela se sentou e serviu seu prato.
— Ela cozinha sempre para você?
— Às vezes — expressou Heiko, com um pequeno pano na mão enquanto limpava a boca.
— Estou apenas agradecendo do meu jeito — falou Jaina.
As colheradas de legumes e carnes eram sempre sobrepostas por olhares longos.
Tsezar tentava ao máximo manter o contato visual com a moça, ela percebeu e respondeu do mesmo jeito.
Entre olhares, a refeição se foi. Jaina foi a primeira a se levantar, sendo seguida pelo loiro.
Exibindo sua gentileza de sempre, ela levou o seu e o prato sujo do rapaz para lavar, até que ela foi parada.
— Não se preocupe com a limpeza, menina. Você já fez muito, deixa que eu faço. O mesmo para você oficial.
Agarrando a louça das mãos da moça, Heiko os levou a outro cômodo da casa e lá os deixou. A passos rápidos ele voltou à sala de jantar para despedir de seus convidados.
— Obrigado pela comida, mas terei que sair agora.
— Espere, capitão, tenho que discutir algo com o senhor.
Ao puxar o loiro para uma conversa — distante o suficiente para que Jaina não pudesse ouvir — Heiko começou a cochichar:
— Você poderia acompanhar a Jaina até a hospedaria? Está muito perigoso por aí fora e aposto que um homem na sua idade adoraria passear com uma moça tão bela.
Com uma “piscadinha” o senhor terminou sua fala. Tsezar olhou com certa vergonha a conversa do homem à sua frente, mas acatou o pedido.
A caçula da família Zhuk adorou ouvir que teria companhia, seus olhos brilharam como de um cãozinho ao ver seu dono.
O pássaro do líder deu um último adeus a dupla, fazendo uma série de elogios à moça e estampando seu desprezo pelo oficial.
O início do caminho foi silencioso, o loiro não estava interessado em puxar assunto.
— Que bom ter companhia nessa noite tão solitária. Você tem minha eterna gratidão, capitão.
— Não foi nada. É meu dever prezar pela segurança dos civis.
A mulher constantemente virava seu rosto ao chão, prendendo seus olhos longe do olhar do loiro.
— Você fala de um jeito bonito, mas não precisa se preocupar comigo. Eu sei me cuidar.
— Você não tem medo de ser atacada?
— Um pouco, mas eu sei gritar bem alto. Acho que me sairia bem.
Com um sorriso no rosto, Tsezar ia adaptando seu diálogo a personalidade que a senhorita demonstrava.
— Nada assusta mais um animal do que o grito de uma mulher apavorada — disse ironicamente.
— Precisamente, capitão.
Outro silêncio se fez. Um desconforto estranho tomou conta do loiro, ele queria perguntar algo, mas não sabia como.
— Jaina, você me permite ser indelicado?
Com um aceno de cabeça, a moça mostrava sua curiosidade. Para o agrado de Tsezar ela aceitou a pergunta.
— Você está solteira?
— Capitão!? Que tipo de pergunta é essa!? — Seu rosto se transformou em um tomate ao ouvir aquelas palavras. — Não é nem um pouco educado perguntar isso a uma dama.
—…
— … sim, eu sou solteira.
— Que surpresa. Imaginei que tivesse uma porção de pretendentes na sua lista.
— Bem, papai sempre quis que eu me casasse, ele até me apresentou alguns rapazes, mas eu não me dei bem com boa parte deles.
Olhares distantes e palavras rápidas caracterizam todas as falas da mulher a partir desse ponto.
— Então a mão de Jaina Zhuk está vaga?
Dessa vez, a vergonha incorporou a mulher por inteira. Sem responder, ela apenas confirmou com a cabeça e a passos largos se aproximou da pensão.
Perto da porta, Jaina se virou ao rapaz e disse uma frase tão apressadamente que ele não conseguiu entender quase nada.
Tudo que ele pode assimilar foi um “Obrigado por me acompanhar” e um “Tenho coisas a fazer”.
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O dia seguinte surgiu como sempre. Mesmo querendo dormir mais, Tsezar ainda tinha os gritos de seu comandante martelando em sua cabeça toda vez que ele tentava repousar após as 5 da manhã.
De prontidão, ele se levantou, demonstrando seu pijama esfarrapado. Pricyla havia reclamado muito do cheiro do oficial na noite anterior; ele teve que se trocar.
Após dois dias se adaptando à nova rotina, o oficial teve que colocar seu treino em dia.
Cento e cinquenta abdominais para começar. Duzentas flexões para acordar os braços. Quinhentos agachamentos para ligar as pernas, tudo com pesos, é claro.
Dada a precariedade da situação, Tsezar teve de usar Pricyla como intensificador. Por fora ela parecia uma corrente leve, mas sua capacidade de se expandir e esticar tornava seu peso total um segredo.
Em seguida, os treinos pesados. Ombro, biceps e triceps pela primeira hora. Panturrilhas e quadríceps pela segunda hora. Treinos de resistência são guardados para a noite.
Com tudo feito, duas horas cravadas haviam se passado. Era hora do café da manhã. Mesmo de seu quarto ele sentia o frescor da comida trafegar pelos corredores.
A dona da pensão deixava o prato do rapaz à sua porta. Em poucos minutos ele pegou a refeição e engoliu os pães e queijos reservados para si.
Antes de sair, um banho frio para relaxar o corpo. Rotina feita, o dia finalmente havia começado para o oficial.
Puxando sua fiel escudeira e a escondendo em meio ao seu uniforme, o rapaz saltou pela janela e iniciou as tarefas do dia.
Tarefa 1: Revisitar todas as cenas de crimes, reavaliar a situação e descrever tudo de incongruente.
As casas estavam idênticas ao dia que Heiko o apresentou a elas. A corda realmente afastava os indesejáveis.
Dessa segunda análise, mais detalhes foram percebidos pelo investigador.
Os restos da porta da casa de Nikolai e Antoni estavam todos para fora. A casa de Estanislau não mostrava nenhum traço de arrombamento.
Os comércios vizinhos a Antoni jogavam carnes fora constantemente, os lixos eram relativamente próximos da residência.
Mesmo sendo um dos lugares mais elegantes do vilarejo, nada havia sido roubado ou mudado de lugar na mansão de Estanislau.
No quarto de Nikolai, em si estava intacto, porém a cama estava bagunçada.
Tarefa 2: Iniciar um programa de “acompanhamento” às testemunhas.
Esse seria o nome no papel para evitar problemas éticos, mas na realidade era apenas uma espionagem em seu mais puro estado.
Relações interessantes e algumas verdades da vila Damuzzu foram descobertas pelo loiro.
Casimiro e Igor eram vizinhos de terra, era perceptível que mesmo não sendo muito amigáveis, eles faziam constantes trocas.
Os vizinhos de Antoni compravam suas carnes nas mãos dos dois.
Anatol e Jaina faziam compras juntos na feira diária do vilarejo.
Por toda vila haviam guardas armados de armas rústicas. Tsezar sabia que aquele tipo de armamento era adequado para a caça de animais de médio a pequeno porte.
Mesmo com assassinatos recentes, todos agiam tranquilamente durante o dia. Mesmo as plantações e currais mais distantes trabalhavam a todo vapor.
Tarefa 3: ir ao cemitério da vila e conferir os túmulos das vítimas.
Assim como foi relatado por Jaina e Igor, os túmulos de Antoni e Nikolai eram de se invejar. Cheio de remendos, flores e velas.
O de Estanislau era tão simplório que foi difícil de achar.
Não ter acesso aos corpos das vítimas dificultava a investigação. Essa visita aos túmulos era o máximo que ele podia fazer.
No caminho de volta para casa, Tsezar teve que passar pelo bar de Anatol. Na frente da taverna estavam duas figuras conhecidas do rapaz, limpando a calçada do lugar.
— Ei! — gritou Oton.
— Oficial de merda, volta aqui! — expraguejou Haskel
Estampado de um grande sorriso, o loiro apenas olhou os dois endividados e caçoou deles andando a passos lentos para fora dali.
Antes que os irmãos pudessem abandonar suas tarefas e correr atrás do oficial, um Anatol irritado surgiu por detrás deles e os puxou para dentro da taverna.
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De volta à pensão, o oficial iniciou a parte mais chata da investigação e a última tarefa: a papelada.
Reunir todas as informações disponíveis e formar uma linha do tempo funcional. Com um rolo de linha em mãos e um conjunto de pregos, o rapaz iniciou suas “anotações”.
— Três vítimas, quatro testemunhas, um suspeito óbvio e cenas de crime anormais.
O primeiro documento foi pregado na parede do apartamento, nele continha as vítimas e seus antecedentes.
— Duas das três cenas tinham arrombamentos para o lado de fora. Todos mortos em casa. Quem os atacou adentrou sem precisar arrombar ou destruir nada. Aquelas portas quebradas eram apenas para disfarçar.
O segundo documento foi pregado, agora com uma linha branca conectando ambos. Nesse, continha as casas das vítimas.
— As vítimas têm perfis completamente diferentes e pouquíssimas conexões entre si.
Ele foi conectando os barbantes em cada situação minimamente semelhante ou com algo em comum.
— Todos mortos com indícios de crueldade e para piorar boa parte deles foi deixado em pedaços.
Com um desenho feito a mão, Tsezar colou a última folha ao centro de todos. O desenho de um Lobisomem.
— Mortos por uma fera que deveria ser incontrolável, porém que odiava suas vítimas e não as devorou por fome. Ele estava completamente consciente de seus atos.
Pricyla acompanhava toda a linha de raciocínio de seu mestre, sendo ela que dava os documentos na ordem certa para ele.
Após terminar, Tsezar começou a dar algumas voltas pelo quarto até se cansar e sentar na cama.
— Ainda falta informação…
Ao mexer em sua mala, que estava embaixo de sua cama, de súbito uma idéia veio à mente do rapaz.
— Priscyla, que tal interrogarmos o centro de tudo?
A serpente olhou confusa para seu mestre.
Quando ele retirou de sua mala um humilde bandolim, o rapaz terminou: — Que tal interrogarmos a fera?