O Conto da Bruxa: A Última Flor - Capítulo 1
1
Na cidade de Pandora, o dia foi um completo caos desde a manhã, mas o agito habitual ainda reinava. Enquanto os sons das vozes se misturavam com os passos apressados das pessoas, o trem partia, os trilhos rangiam, o vento uivava e os pássaros levantavam voo, marcando o quase fim de tarde.
Em um subúrbio sombrio e distante, onde os ecos da agitação da cidade não chegavam, erguia-se um estabelecimento moribundo com o cheiro de morte impregnado. Próximo de uma menina de olhos turvos, uma pequena e inconstante fonte de luz mal a iluminava.
A menina, de aparência frágil, murmurava para si mesma desde que o dia havia amanhecido. Seu único desejo era encontrar uma morte indolor, mas, naquela situação, parecia improvável que conseguisse. Contudo, a penumbra da incerteza pairava sobre seus sentimentos.
— Eu quero que ela trabalhe, será que consegue? Não me parece capaz… — dizia um homem de barba imensa. O mercador imediatamente respondeu: — Sim, vai dar conta, nada que uma boa surra não resolva! Posso até fazer um desconto por isso.
O mercador disse algo que provocou um leve remorso no homem. Ele apenas ajeitou a barba e acrescentou: — Ela está desnutrida, vou precisar gastar com um médico e a empregada talvez não fique muito feliz por eu trazer mais alguém…
De fato, ela não se alimentava muito bem, apenas algumas migalhas de pães velhos e água que tinha um gosto de revirar o estômago.
O mercador apenas abaixou a cabeça e suspirou.
— Ela vai conseguir trabalhar, mas eu tenho algo melhor. Minha recomendação é essa mestiça, — dizendo isso, ele apontou para uma mestiça ao lado da garotinha de olhos vermelhos — Se estiver afim de algo mais…
— Trinta moedas de prata! — disse o homem convencido de que iria ganhar, lance dado propositalmente para irritar o vendedor.
Mesmo após trocarem olhares, o homem colocou um sorriso forçado. Aparentemente 30 moedas de prata seria um insulto, o vendedor não conseguia esconder o desconforto. Afinal, mestiços eram uma raça exótica, não se via sempre.
— Claro que não! São cinco moedas de ouro, cinco! — o mercador gesticulou, mostrando a mão aberta. — Com estas trinta míseras moedas, mal consigo cobrir suas despesas com comida. Além disso, ela é virgem, então não há risco de doenças ou problemas do tipo… ela é única! — o mercador exclamou, respondendo ao homem com irritação.
O comerciante deu um longo suspiro.
A outra pessoa ali pode até lhe satisfazer. Ela nunca teve qualquer experiência sexual e é incapaz de conceber um filho. — O mercador observava atentamente os dois indivíduos ao lado.
Então o homem barbudo ajeitou sua cartola.
— Não fecharemos negócio…
Com um longo suspiro e ajeitando sua cartola, o homem virou-se e desapareceu além das estreitas ruas.
A garotinha, aprisionada numa pequena jaula de madeira, voltou lentamente os olhos na direção da rua.
Ela passaria outra noite desconfortável, com apenas alguns panos cobrindo seu corpo. Sua roupa estava rasgada e cheia de remendos feitos com diversos outros pedaços de tecido, cobrindo um corpo desnutrido.
A garota estava praticamente seminua. Seus dedos mais finos que galhos tocavam seus olhos, em seus braços havia grandes hematomas que se espalharam por todo o seu corpo. Seus pés e mãos atados por uma corrente, fez com que criasse feridas.
A chama que ardia em seus olhos antes queimava até o último fio de esperança. Agora era apenas resquícios de que uma vez seria a esperança.
— Esses miseráveis! Achando que podem levar uma mercadoria valiosa assim de graça, estão enganados… — murmurou mordendo os lábios.
Depois de um suspiro profundo em resposta. Ele virou as costas e pôs-se a arrumar toda aquela confusão em sua mente.
Talvez ele tenha pensando alguns segundos nisto depois que o homem barbudo lentamente desaparecia em meio à multidão.
— Se acham que meus esforços valem tão pouco, não irei perder meu tempo… — o vendedor disse lamentando as próprias palavras. Eu jamais vou deixar algo assim acontecer, pensou.
Para o mercador aquele fatídico dia havia terminado. Ele pensou muito em seus lucros e esqueceu totalmente das suas mercadorias, era certo que ele não iria deixar algo tão banal atrapalhar seus negócios.
Por que alguém compraria outra pessoa para uso? E por que a negociação de seres humanos era permitida? Algumas elfas eram vendidas como escravas devido a relações ruins com humanos, que se originaram há séculos quando os elfos se aliaram a dragões e eventualmente se rebelaram com sabedoria superior. Essa prática era amplamente tolerada, mas tais questões eram fúteis. Era como a passagem do dia para a noite, rápida e sem questionamentos.
Ao desviarmos os olhares para a garotinha, ela estaria na mesma posição murmurando. Parecia algo assustador o fato de praguejar qualquer um que a visse na situação em que ela estava.
Ela já estava submissa a essas questões todos os dias que até se acostumou. E assim foi-se passando dia após dia, se repetia, o ponteiro do relógio refazia o mesmo ciclo.
Naquele momento, enquanto relembrava memórias que lutava para esquecer, a monotonia da vida a cercava implacavelmente. Não importava se era um dia chuvoso, ensolarado ou nublado, tudo parecia preso em um círculo vicioso. Sua idade era um mistério devido à desnutrição extrema, e ela mal tinha forças para piscar os olhos após mais de vinte dias de greve de fome involuntária, consumindo apenas migalhas de pão duro e água para saciar a fome.
No fundo ela ainda pensava que na sua próxima vida, ela seria totalmente grata por ter conforto.
Neste ponto, ela estava disposta a se submeter a qualquer pessoa que lhe oferecesse comida. O orgulho a impedia de comer? Ou ela simplesmente desejava que tudo terminasse de maneira lenta e terrível? Não importava a razão; suas chances de sobrevivência eram cada vez menores.
No primeiro dia, a jovem pensava que tudo seria resolvido logo, que seria arrematada por algum senhorio. No entanto, à medida que os dias passavam sem que ela ingerisse quase nada de comida, essa esperança se desvanecia. Aos vinte dias, a situação era desesperadora.
O mercador lançou um olhar penetrante em direção à jovem. — Você continua resistindo e recusando a comida? — perguntou com exasperação. Ela simplesmente desviou o olhar.
A ideia de princípios parecia absurda para alguém que trabalhava como mercador de escravos, envolvido em tais ações.
No entanto, apenas um pensamento pairava nas sombras da incerteza. Não era uma certeza, mas sim um sentimento, ela murmurava em segredo, algo que não seria facilmente perceptível — Eu só queria encontrar paz… — confessava em sussurros. Antes, essa ideia passava por sua mente, mas a vontade de concretizá-la parecia inalcançável. A cada dia que passava, esse pensamento parecia afundar mais fundo, tornando a esperança e a alegria cada vez mais efêmeras.
Ela ainda continua a repetir as mesmas palavras, dia após dia, até parecia que havia um imenso obstáculo na sua frente.
Mesmo que suplicasse, a única esperança seria apenas pensar, nada mais que isso. Ela passava o resto do seu fim de tarde repetindo inúmeras vezes o mesmo pensamento.
Ela já havia tentado se enforcar em uma tentativa desesperada de acabar com a sua dor, sem sucesso. As marcas em seu pescoço ainda permaneciam como o momento mais desesperador da sua vida. A jovem não ouvia mais nada do mundo externo, mesmo que considerasse a ideia, ela simplesmente recusava-se a se prender às falsas esperanças.
— Tô falando com você, desgraça! Me responda! — o mercador gritou o mais alto que pôde, parecia que o grito havia surgido das profundezas mais hostis do inferno. Ele não obteve nenhuma resposta que gostaria.
A menina continuou a olhar para o vazio.
Após um suspiro, o mercador expressou sua frustração: — É cada dia mais complicado… — Ele mostrou seu desinteresse pela menina, sua valiosa mercadoria que não poderia se desfazer facilmente – afinal, era tudo uma questão de dinheiro.
Não parecia haver espaço para diálogo naquele momento. A menina continuou a encarar o vazio, ignorando todas as tentativas frustradas do mercador de se comunicar com ela.
Seria apenas por falta de forças para falar, ou será que ela simplesmente não queria se comunicar com ninguém? O mercador estava perplexo com a ambiguidade da situação.
— Se eu não recomendar, não terei mais problemas, é simples.
O homem, ao sair da sala onde guardava sua “mercadoria” encontrou o olhar gélido e sem vida da menina de olhos carmesim. No mesmo instante, ele foi assombrado pela ideia de que não poderia simplesmente se livrar da mercadoria defeituosa.
Meticulosamente, ponderou todas as opções disponíveis, evitando tomar uma decisão precipitada. Mesmo que fosse necessário, o mercador relutaria em agir dessa maneira, pelo menos era o que ele acreditava.
— Esse negócio é mais difícil do que pensei, onde estava com a cabeça quando aceitei o pedido daquele nobre. — com um longo suspiro o mercador disse de cabeça baixa. Pronto para sair da sala, ele silenciosamente saiu e fechou a porta do depósito.
Ao observar a sala, não seria as condições ideais para abrigar uma pessoa, quanto mais no estado atual da jovem. Aparentemente o caos havia se normalizado, logo seria apenas mais horas vagas para a menina.
Ela até ponderou por um momento escapar daquele lugar, porém não seria uma tarefa tão simples. Era uma ida simples até certo ponto após ser vendida por seus pais para pagarem dívidas. O mesmo fim tinha sua melhor amiga, a mestiça. E quanto a sua irmã, o seu paradeiro permanece desconhecido.
Mesmo ela não desejando, seus pais enfrentaram uma crise financeira após uma guerra entre o país vizinho de Pandora e o Reino de Ioanne. Isso ocorreu quando um espião infiltrou-se na cidade e eliminou quase todos os nobres que ainda estavam envolvidos no comércio ilegal de pessoas. Aqueles que persistiram nesse negócio o fizeram por pura imprudência ou porque desafiavam a própria vida.
A garota sabia de tudo e como exatamente aconteceu após ser vendida. Além dos traumas, assédio e até mesmo tortura, ela veio parar em um dos lugares mais sombrios que ela já pisou.
Se tocar em questões emocionais, ela provavelmente não estava pensando em nada além da simplória palavra “morte”. Era a única palavra que não saía de sua mente. O fato ao qual ela havia se apegado era a vontade incessante de desaparecer; seu estado psicológico estava destruído, assim como seu corpo.
Por mais longa que fosse sua estadia naquele lugar miserável, ela pensou que poderia acabar um dia. Aparentemente nada aconteceu por mais de quatro meses. Neste período ela presenciou desastres, conflitos e até mesmo notícias aterrorizantes de guerras.
Ela eventualmente ouviria isso de frequentadores locais, o que a fez deduzir que as coisas não melhoraram tão rapidamente quanto desejava.
Mais tarde naquela noite, uma mulher de beleza intrigante surgiu diante da jovem de olhos vermelhos, que olhou com visão turva, sem entender o que estava acontecendo. Para ela, parecia ser apenas mais um lance comum, alguém olhando para adquirir seu serviço.
Entretanto, o que a jovem não sabia era que o mercador havia deixado de recomendá-la aos compradores, tornando difícil para alguém vir até ela por meio de referência. Ao lado da mulher de sorriso malicioso estava um homem com uma franja estranha e um tapa-olho.
Seu olhar vagou por todo o ambiente e, com um gemido desagradável, ele perguntou: — Então… é ela?
Ele deu um passo para trás ao perceber o sorriso malicioso que surgiu no rosto da mulher.