O Conto da Bruxa: A Última Flor - Capítulo 12
Ao longe, uma majestosa torre branca capturava os olhares com sua graça. À beira de um penhasco, Serena contemplava o horizonte, acariciada gentilmente pelo vento. Seus olhos azuis refletiam a intensidade do lago reluzente, quase ofuscando a visão. Ao longe, observava Perséfone e sua mãe em animada conversa. Um momento de desconforto se destacou quando Perséfone refutou algo dito por Lysandra, deixando Serena perplexa. Contudo, a interação entre elas parecia divertida.
— É perigoso ficar aqui, Serena. — Uma voz familiar interrompeu seus pensamentos, trazendo-lhe tranquilidade. Ao se virar, deparou-se com Arwen Elior, uma elfa da Floresta Negra que é praticamente uma irmã para Serena desde a infância.
— O que a traz aqui? — indagou Serena, incerta. Seus olhares se cruzaram por alguns instantes. Arwen, com expressão preocupada, notou a mudança em Serena.
— Você parece diferente, como se tivesse amadurecido de repente, não é mais aquela princesa mimada. Aconteceu algo? Estou preocupada… — disse Arwen, provocando uma reação inesperada em Serena.
— Não é legal me chamar assim, Arwen! Não me conhece mais! Sai daqui antes que eu grite! — Serena reagiu, afastando-se emocionalmente.
— Desculpe, não era minha intenção… Se precisar falar sobre isso, estou aqui para você. — Arwen tentou acalmar Serena, que lutava contra as lágrimas.
— Humpf! — Serena expressou seu descontentamento, enquanto Arwen, com um sorriso irônico e cheio de angústia, tentava confortá-la.
— Por que está chorando? Com medo de perder tudo? — Arwen questionou, tentando consolar Serena, que buscava respostas.
— Sim, exatamente. O que devo fazer, Arwen? — Serena perguntou, revelando sua preocupação egoísta.
— Nada é eterno… — Arwen começou, mas percebeu a banalidade de suas palavras. — Que clichê, não é? Mas o tempo não espera; tudo está sujeito a mudanças…
— Tempo…? — Serena murmurou, erguendo os olhos marejados.
Enquanto Arwen tentava encontrar as palavras certas para confortá-la, Serena sonhava com uma realidade onde sua família pudesse sorrir juntos.
— Mas esse mundo não existe.
Serena abaixou os olhos, seus cílios longos adornando-os. Inconscientemente, tocou o enfeite de cabelo, uma relíquia herdada de sua mãe. Mas naquele mundo desolado, parecia fora de lugar. Sua mãe, elegantemente trajada naquele dia, aguardava por ela nas margens do lago, também usando o mesmo adorno.
Resumindo, aquele era o Idavollr destruído, agora reduzido a escombros.
— Olhando para esse futuro… não dá vontade de permanecer aqui para sempre? Quem nunca desejou: “Eu quero viver para sempre.” — Serena murmurou, seus olhos úmidos de lágrimas. Num tom singelo, compartilhou essas poucas palavras com Arwen, que não reagiu. Para ela, era apenas egoísmo, mas Serena ansiava por ficar ali, evitando confrontar a realidade e se machucar ainda mais.
Arwen a observou com uma expressão preocupada, inadvertidamente fazendo um apelo gentil a Serena.
— Neste lugar, eu, sua mãe, Perséfone e todos estão bem. Não haverá tragédias aqui. É um mundo feliz, Serena… você poderia viver aqui, ter uma vida boa e livre de preocupações e mágoas.
Serena percebeu que aquele mundo era apenas uma imitação, onde o futuro era perfeito. Arwen expressou seus mais sinceros sentimentos, pedindo a Serena para não mostrar tanta tristeza. O fato de Serena não encontrar falhas em sua teoria era mais que suficiente para provar que ela estava certa.
Seria uma mentira descarada dizer que o apelo de Arwen não havia partido o coração de Serena.
— Eu entendo que você deseja a felicidade de todos. Afinal, este é o futuro ideal que você desejava. É um desejo só seu.
— O futuro que eu… sim, você está certa. Tenho certeza que você está certa… — Serena disse, mas seu rosto contradiz suas palavras. Ela não conseguia sequer sorrir. No fundo, desejava a felicidade de sua mãe mais do que tudo, e que Perséfone fosse verdadeiramente feliz.
Se ao menos todos pudessem sorrir de forma simples e feliz, se ao menos ela pudesse se reunir com Arwen. Se apenas uma vez na vida, todos pudessem encontrar um futuro onde fossem felizes.
Se ao menos pudesse fingir que não sabia de nada. Se pudesse esquecer o que aconteceu, encontrar uma maneira de superar a trágica morte de sua mãe. E a dor indescritível de Perséfone.
— Lysandra já se foi, Perséfone sofreu até o último segundo de sua vida, Jacob desapareceu. Todos em nosso reino…
— Sim, eu sei.
— Nossa casa foi completamente destruída. As portas foram fechadas a todos; agora, até você esqueceu como era sua família.
Serena, em resposta, permaneceu em silêncio, apenas abrindo os olhos enquanto tentava assimilar as palavras de Arwen. Talvez teria sido um pouco mais fácil se aquela voz a tivesse repreendido. Se o reino a culpasse por tudo, por seus erros infundados, por ser a única sobrevivente. Talvez fosse mais fácil o mundo contrariá-la, insultá-la por ser a única criança a sobreviver. A falta de gratidão, tudo.
Arwen ergueu a cabeça com convicção e disse:
— Você jamais faria isso! Mesmo que seja egoísta, mesmo que seja esse seu desejo… Mesmo que você deseje esse mundo…
A voz de Arwen carregava mais raiva do que solidariedade, mas estranhamente acolhedora. Mesmo que não fizesse sentido.
— Desculpe, Arwen…
— Por que você desejou um futuro que pode te machucar? — Arwen perguntou, seu tom, indagando Serena. Não era o medo que faria Serena se mover, não seriam as emoções que a levariam a uma descoberta. Foi o aperto em seu peito que a fez sentir o resquício da felicidade que já experimentou, o calor do toque do abraço de sua mãe, tudo isso, a fazia perceber o quão enorme foi seu egoísmo.
— Se eu dissesse que procuro felicidade, acreditaria? Obviamente que não. Eu não quero me machucar. Busco um futuro onde não precise me machucar, onde não machuque os outros. Onde eu possa dar as mãos a quem eu amo, abraçar os outros.
— E a dor? As feridas que cultivou até se tornar quem é hoje? O que perdeu não vai voltar. Ainda quer procurar algo assim?
— Eu…
As palavras simplesmente não saíram da boca de Serena. Ela havia pensado em como era viver feliz, uma falsa felicidade. Mesmo para Serena, que ponderou sobre viver naquela fantasia e nunca sair dali, era impensável. O peso e a seriedade nas palavras de Arwen tocaram profundamente as cicatrizes que ela havia encoberto.
— Eu também quero que as pessoas pensem que estou bem, que fiz aquilo, que me falem o que quero ouvir. Sou egoísta mesmo!
— Serena?
Arwen parecia não acreditar no que acabara de ouvir, como se seus próprios ouvidos a enganassem. Serena, com olhos lacrimosos, olhou para Lysandra, Perséfone e depois para a mulher ao seu lado, uma irmã para ela. Então, com toda a sua força, antes que a última gota de felicidade se esvaísse, ela gritou:
— Quero ser como a minha mãe, que eu sempre admirei, gentil e forte. Amável e destemida, como Perséfone. Quero ser como o pessoal da nossa vila, tipo a vovó, que nunca falou nada ruim para mim. Quero ser como você, Arwen, que sorriu até o final para que eu não sentisse medo.
— Serena…?
— Eu sei que é puro egoísmo meu. Mas quero ser como a Sarah, forte, destemida, amável e que não falha com as pessoas. Estou cansada de falhar comigo mesma, sou fraca, patética, não consigo enxergar além do meu eu covarde. Não quero mais sofrer… outra perda.
Serena havia admitido sua fraqueza, mas mesmo assim, desejava fazer o que pudesse para ver aqueles que amava sorrir. A garotinha que sempre fora salva por sua mãe ergueu a cabeça. Agora era o momento dela salvar quem realmente amava. Por isso, Serena queria viver no presente, no mundo exterior.
— Está tudo bem. Foi apenas um desabafo, esse é o meu mais sincero desejo. Agora posso encarar o futuro. Obrigada, de verdade, Arwen… Você é uma irmã para mim.
Arwen apenas olhou-a com um sorriso estampado no rosto, a primeira vez que Serena estava sendo honesta com seus sentimentos. Ela podia dizer ousadamente o que estava sentindo. Ela podia dizer que Arwen era uma “irmã” para ela, seu pai, mãe e parentes próximos faleceram, e Arwen era a única pessoa que restava em suas lembranças, embora não soubesse onde exatamente ela estaria.
— Serena, você… — Arwen, com um sorriso encantador estampado no rosto, conseguiu articular qualquer palavra. Tentou expressar algo, mas as emoções complexas dentro dela se dissiparam sem se materializar. Ela observou o lago ao longe, cerrou os punhos e falou:
— Eu conheço bem sua teimosia, sei como você fica quando decide algo, ninguém mais consegue mudar sua opinião… Já pensou quão difícil era lidar com esses seus momentos impulsivos?
— Eu era assim?
— Quero dizer, é que… — Incapaz de expressar exatamente o que queria, as palavras de Arwen desapareceram suavemente. Não havia preocupação, apenas um sorriso radiante em seu rosto. A maneira como ela falou fez Serena sentir o quanto era amada, quantas vezes foi protegida, quantas vezes se sentiu acolhida.
No final…
— Obrigada, Arwen… Te adoro!
Todos os sentimentos foram compactados em uma única forma de amor. Todos os sorrisos que compartilharam.
— …
No entanto, Arwen não disse absolutamente nada. Apenas observou Serena atentamente. Então, Serena virou-se para Arwen, ficando de costas para ela. Perto do penhasco mais uma vez. Deste ponto de vista, ela podia ver Perséfone e Lysandra à distância, bem como a superfície do lago abaixo dela.
De repente, ambas notaram Serena e acenaram, então, ela acenou de volta. Tentava desesperadamente apagar a última visão de Lysandra, tanto em sua mente quanto em sua alma, deixando tudo para trás.
— Obrigada por me mostrar este mundo, a ilusória bruxa da ganância.
Ela estava falando com sua irmã de consideração, Arwen, que estava de pé atrás dela… Ou melhor, não era Arwen. Ela falou com Alpha, a bruxa.
Havia certos detalhes que Arwen nunca deveria saber; para começar, aquele mundo era apenas um espaço ilusório. Ao relembrar onde exatamente ela estava, Serena finalmente notou que isso não era realidade.
Talvez a mãe, pai, irmãos e todas as pessoas que ela viu ou interagiu, não passaram de uma mera ilusão criada por ela mesma. Seja verdade ou não, Serena ainda sentia-se grata por, mais uma vez, conversar com todos.
— Mesmo que esse mundo não seja real, apenas algo que “poderia” ter existido, nunca pensei que veria o dia que Perséfone… e a minha mãe se dando tão bem juntas… mesmo que seja apenas um sonho, muito obrigada.
Isto assustou Alpha; Serena dizer que aquele mundo não era mais que meras ilusões.
No entanto, mesmo que seja apenas um devaneio, e que nada seja real, Serena teve a oportunidade de vislumbrar um pouco do que seria seu futuro ideal. Neste mundo, ela experimentou amor, tristeza, alegria… uma vastidão de sentimentos indescritíveis. Sentia-se profundamente grata por ter vivido ali.
— …Você!
Respondendo aos sinceros agradecimentos, Arwen… Não, a voz era de uma mulher; a voz da bruxa. As memórias de Serena sobre sua própria fraqueza foram suprimidas, mas esse pensamento ainda ecoava em sua memória, explicando por que ela não conseguia aceitar que aquele mundo era real.
Mas naquele lugar transitório, havia mais do que incertezas. Foi então que ela se virou.
— Alpha… — Serena disse, mas sua voz tremeu no final.
Ela encontrou quem não deveria.
Diante dela, estava uma figura segurando um guarda-sol, uma mulher jovial que não parecia ter mais de vinte anos. Seus olhos vermelhos reluziam como pedras preciosas, e seus cabelos brancos caíam sobre seus ombros em cascata. Descalça, seu vestido verde, cheio de adornos, delineava bem seu corpo. Serena apenas encarou a bruxa, enfrentando-a naquele momento. Ela desejava do fundo do coração não ter feito isso.
Quando Serena tomou coragem para encará-la seriamente, lá estava Alpha, com uma expressão fria. Isso fez Serena arrepender-se amargamente de tê-la visto. Alpha estava simplesmente parada ali, olhando para Serena com um olhar raivoso a ponto de chorar.
— Eu odeio você, eu… Odeio você!
Serena estava perplexa diante do ódio de Alpha, optando por não abordar a hesitação nas palavras dela. À sua vista, o corpo de Alpha tornava-se progressivamente translúcido, à beira do desaparecimento completo. Era como se uma onda estivesse se movendo na superfície de um lago, sua presença se dissipando.
Com a “morte” da figura que se autodenominava Arwen, o vento e o tempo retomaram seu fluxo natural.
Um amargor fez com que Serena levasse a mão ao peito, comprimindo-o. Ela preferiu manter o silêncio, focando-se apenas em regular sua respiração. Mais uma vez, virou-se para o penhasco, fixando os olhos na superfície do lago.
De repente, viu-se refletida na distante extensão aquática. Seu coração acelerou, compreendendo instintivamente o desfecho iminente.
— Sou a única aqui que…
Apenas murmúrios escaparam de seus lábios.
Num paralelo entre este mundo e aquele ao qual verdadeiramente pertencia, uma discrepância imensa se revelava. Em qual dos dois lados eram diferentes e iguais ao mesmo tempo? A resposta mais clara e correta era: Serena. Ela era o único elemento estranho que não se encaixava em nenhum dos mundos.
Alguém que não deveria estar em nenhum deles.
Esta era a única maneira de encerrar toda essa confusão, ou talvez um meio. Para dissipar todo esse mundo de ilusões, restava a Serena apenas uma escolha: buscar e encontrar uma maneira de reconhecer, aceitar e compreender a si mesma.
As memórias do passado de Serena desvaneceram-se com o cataclismo ocorrido há 400 anos. Todos desapareceram além das cinzas; era irrefutável. Por mais de quatro séculos, até os dias atuais, Serena não viu seu eu adulto sequer uma vez.
A razão para tudo era simples: “Ela tinha medo de se olhar… com muito medo. Ela simplesmente… com muito.”
Ao despertar, o envelhecimento que seu corpo sofrera entrara em conflito com as poucas memórias que restavam. Recordações de dias felizes vividos em um futuro incerto. Seu corpo, ainda irreconhecível e desajeitado, florescia o medo constante que a possuía ainda mais.
O medo contínuo de comparações fez Serena passar todo esse tempo em meio à desgraça.
Naquele momento, tudo mudara.
Aquele comportamento frívolo e indiferente chegara ao fim.
— Minha mãe, mesmo depois de partir… Ela ainda está me protegendo. O quanto eu ignorei esse fato?
O tempo passara, e ela ignorara completamente o fato de que era incondicionalmente amada por sua mãe. Com determinação no peito, Serena fechou os olhos lentamente e, alguns momentos depois, seus pés se descolaram do chão. Em um instante, a estranha gravidade a puxou para longe. Ela estava em queda livre, com o vento agitando ferozmente seus cabelos dourados ao redor do corpo. Perfeitamente de frente para seu reflexo na água.
Um frio percorreu seu corpo, causando um arrepio indescritível. Ao sentir que a superfície da água estava próxima… Ela ainda estava com medo, um medo que a impedia de abrir os olhos.
No entanto… Ela os abriu.
O momento coincidiu exatamente com o instante em que se viu refletida. A imagem de Serena, com cabelos dourados e olhos tão azuis quanto a superfície da água, estava ali, delicadamente espelhada. Era um deleite visual para qualquer observador, mas…
— Hã…? Esta sou eu… Por que eu fiquei tão desesperada com aquele sonho em que me via no espelho? Que bobagem.
Estas palavras escaparam de seus lábios. Por algum motivo, uma sensação de desapontamento tomou conta dela, devido à sua aparência. Contudo, ao ver seu rosto refletido dessa maneira, surgiu a sensação de que ela ainda não havia aceitado completamente seu amadurecimento.
Simbolizava o fim de um ciclo de medo. Após um longo suspiro, ela murmurou suavemente:
— Eu esperava parecer um pouco mais com ela. Que problema…
Alguns momentos depois, ela se inclinou sobre sua própria imagem imaculada. Não havia nada além de um infinito mar refletindo a luz da lua. Serena imaginou que poderia viver ali, desfrutando da singela felicidade que encontrara. No entanto, a resposta era “não” para todos esses pensamentos mundanos. O mundo dos sonhos teve que ficar para trás. E, finalmente, chegou ao fim seu desejo de felicidade.
— Vá para Torre de Babel — sussurrou uma voz fraca. — Lá encontrará tudo o que precisa saber.