O Despertar Cósmico - Capítulo 75
Marcos parou em frente a porta da casa e se virou para trás. Observou o gramado coberto por uma fina camada de neve antes de se virar para a Ester, que estava parada alguns metros atrás, observando os arredores como uma criança em um parque.
— Afinal, o que você tá olhando? Não me diga que nunca viu neve antes? — ele perguntou, satisfeito por poder falar em inglês normalmente, já que essa era a língua falada no país.
— Não. Não é isso. Pode deixar, não é anda demais — Ester falou, também em inglês, enquanto se virava para trás com um sorriso contido no rosto.
— Duvido. Fala logo, eu fiquei curioso. — Marcos sorriu, revelando seus dentes perfeitamente brancos.
— É bobo. Eu só estava pensando como é estranho as casas do exterior não serem muradas como no Brasil.
Marcos franziu a sobrancelhas e riu ao olhar para seu namorado, que aproveitava dos seus volumosos cachos loiros para esconder o sorriso.
— Viu? Eu falei que era bobo. Vamos fazer logo o que viemos fazer.
— Não é bobo, eu passei por isso também. Mas a gente já até trabalhou junto uma vez, pensei que estivesse acostumada a fazer missões fora do seu país.
— Eu já fiz algumas, mas não quer dizer que eu estou acostumada.
Quando Marcos e Evan riram, dessa vez Ester acabou rindo também, o que deu uma aliviada na tensão que eles sentiam no caminho até ali — enquanto discutiam o plano.
Contudo, assim que tocou a campainha e a escutou repercutir no interior da casa, Marcos voltou a sentir a tensão e aperto no peito que sentia antes.
Escutou os passos soando no interior da casa e se aproximando da porta, e percebeu que não estava preparado para aquilo.
Quando sentiu os dedos da mão de Evan se entrelaçarem aos seus, Marcos respirou fundo, pensando no motivo de estarem ali e tentando tirar coragem disso.
Mas, quando a porta da casa se abriu, a mulher que os atendeu era quase irreconhecível para ele.
Seu longo cabelo castanho estava amarrado em um rabo-de-cavalo mal feito, seu olhar parecia cansado e os olhos possuíam olheiras profundas.
Mesmo quando a mulher reconheceu o amigo e sorriu, não era o habitual sorriso com o qual Marcos estava acostumado.
— Marcos, Evan, o que estão fazendo aqui?
Antes mesmo que eles pudessem responder, Kátia caminhou até eles e envolveu um braço ao redor do pescoço de cada um, os puxando para um abraço carinhoso.
— Deuses, vocês tiveram alguma notícia dele?
— Não, Kat. Sinto muito. — Marcos esboçou um sorriso triste ao se desvencilhar da amiga.
— Mas trouxemos amigos que podem ajudar — Evan acrescentou, com um sorriso empolgado no rosto.
— Ajuda? — Kátia perguntou, olhando para a mulher atrás deles pela primeira vez.
— Amigos — Marcos falou, com sinceridade.
— Oi! Boa tarde! Meu nome é Ester, e eu sou uma heroína profissional no Brasil. Será que podemos entrar e conversar sobre o que aconteceu com o seu namorado?
Kátia abriu a boca, com os olhos repentinamente se enchendo de lágrimas, mas não disse nada, apenas tocou na aliança que usava em seu dedo — o único objeto deixado por Demétrius.
— Claro, desculpe não ter convidado antes, entrem. — Ela deu um passo para o lado e liberou espaço para passarem.
Marcos e Evan avançaram sem hesitar, acostumados a entrar na casa da amiga, mas quando entraram na sala, sentiram um peso inexplicável no ar.
A própria casa parecia triste, como compartilhasse da tristeza de sua proprietária — parecia até que a própria casa sentia a falta do Demétrius.
Quando Ester seguiu os dois para dentro, Kátia fechou a porta e saiu andando em direção a sala de jantar enquanto dizia:
— Não reparem a bagunça, eu não tenho tido muito tempo para limpar a casa desde que…
Ela hesitou, parando de andar por um momento, mas logo voltou a caminhar pelo corredor que levava a sala de jantar e dando continuidade:
— Mas eu tenho algo para contar para vocês. Fui até o bar do Moes’s recentemente e descobri que…
Kátia parou de falar repentinamente e pulou para trás, gritando de forma histérica e assustada.
Por um segundo ficou chocada demais com o que encontrou na sua cozinha para reagir, mas logo se recompôs, apoiando os pés no chão e corrigindo sua postura — pronta para voar para o atacar.
Contudo, Marcos agarrou seu braço com uma pegada firme como concreto, a impedindo de fazer qualquer coisa.
— Esses são os amigos — ele falou em um tom grave.
Às cinco figuras de manto negro menearam com a cabeça em cumprimento, um deles — o que estava escorado na parede, ao lado da porta que dava para o quintal dos fundos — ergueu a mão e acenou para a mulher, mas nenhum deles disse nada.
Kátia relaxou um pouco, mas continuou encarando os cinco com um olhar tenso e assustado, desviando para Marcos, e apenas por um instante, quando ela questionou:
— Você trouxe a Justice Angels?
Era impossível não reconhecer os vigilantes. As máscaras de caveira, o manto negro; Kátia já ouviu muitos heróis comentando sobre aquelas vestimentas.
— Eu disse que daria um jeito. — Marcos sorriu para a amiga, tentando transmitir confiança, e deve ter conseguido, pois lentamente um sorriso se formou no rosto dela.
— Se você não se importar, nós gostaríamos de fazer algumas perguntas, e também… gostaríamos que você nos emprestasse o seu celular, se possível.
— Hã… Você está com eles? — Kátia perguntou, parecendo surpresa, mas quando Ester afirmou, ela apenas disse: — Estão pensando que eu vou denunciar que estão aqui? Não precisam se preocupar com isso, o presidente da Nova Zelândia não considera vocês vilões.
— Nós sabemos — o Anjo escorado na parede respondeu, com um inglês um pouco mais desleixado que os demais. — Mas não é para isso que queremos ele.
Kátia hesitou por um momento, olhando para Evan e Marcos atrás dele, mas por fim meneou positivamente com a cabeça, levando a mão ao bolso e retirando seu celular.
— Nossa, até que enfim, achei que ela ia ficar só olhando pra nois igual uma idiota — o Anjo sentado sobre a pia da cozinha falou em português, com sua voz feminina sendo alterada pelo dispositivo na máscara.
Ester lançou um olhar afiado para a amiga, que nem ao menos olhava para ela — já havia se distraído observando o padrão de desenho dos azulejos na parede.
— Remote — Ester chamou, e então entregou o celular para o Anjo que se aproximou. — Dá uma olhadinha pra gente.
— O que vocês vão fazer? — Kátia quis saber, com um misto de curiosidade e receio.
— Vamos rastrear a última localização enviada pelo celular do Demétrius e triangular as possíveis localizações dele.
— E é possível fazer isso? A UDH disse que iria rastreá-lo, mas…
— Nós temos algo que eles não têm — Remote interrompeu.
Ele continuou olhando para o celular por um momento, e então ergueu o rosto e fitou Kátia.
— Eles precisam usar um programador ou um hacker para fazer isso, e levaria dias, eu faço em instantes com os meus poderes.
— Incrível — Kátia sussurrou, encarando o Anjo com os olhos arregalados. — Nunca tinha visto um poder assim antes. Você é o que chamamos de Divergent por aqui.
Remote apenas meneou com a cabeça, parecendo um pouco perdido, como se não soubesse o que fazer agora, e então recuou alguns passos para trás.
Kátia franziu o cenho enquanto observava o estranho vigilante recuar, mas decidiu não comentar sobre a estranha atitude dele, pois no momento somente uma coisa era importante.
Demétrius.
A dor em seu peito era demais para ela suportar — e, para isso, de nada adiantava sua super-força.
A UDH ainda não tinha nenhuma pista sobre ele até agora, e Kátia estava quase perdendo as esperanças, mesmo que não quisesse admitir aquilo.
“Mas agora vai dar tudo certo”, ela pensou, tocando gentilmente a sua barriga. “Agora temos esperança de novo, Hope”
— Ele ia me pedir em casamento, sabia? — Irani falou, erguendo a mão que não estava sobre sua barriga, e percebendo só naquele momento que estava tremendo.
Quando Marcos viu a aliança no dedo da sua amiga, ficou com a boca escancarada, sentindo um pesar imensurável no peito.
Sentiu seus olhos arderam e sua visão ficou um pouco embaçada quando lágrimas ameaçaram jorrar deles. Seus lábios estremeceram levemente quando tentou falar, mas, por fim, foi Irani quem quebrou aquele silêncio ao dizer:
— Eu não sei o que fazer, Marcos. Ele… Ele ficou tão feliz quando soube que eu estava grávida… Quando soube da Hope. Mas agora…
As lágrimas fluíram em meios a soluços, sem que Irani conseguisse conte-las. A dor em seu peito de intensificou, como um vazio imensurável que se alimentava e crescia com sua angústia.
Quando Marcos se abaixou ao lado da amiga, tocando de forma carinhosa em suas costas, ela agarrou o braço dele, o olhando com lágrimas escorrendo dos seus olhos enquanto dizia:
— Eu visitei o Moe’s e perguntei o que tinha acontecido, e ele disse que foi você! Você quem o mandou se trancar no banheiro! E quando ele saiu não havia mais ninguém no bar, nem o Demi! Significa que é ele não é? Eles estão envolvidos, não estão!?
Marcos ficou olhando para a amiga com os olhos arregalados de espanto, a boca escancarada para respondê-la, mas chocado demais para saber o que dizer.
Mas ver a expressão no rosto do amigo já era resposta o suficiente para Irani, que desatou a chorar. Agora o pior dos cenários que tinha imaginado havia se tornando realidade; a Mão estava envolvida no desaparecimento de Demétrius.
— Deuses, eu nem sei se ele tá vivo ainda! Vocês tem que achar ele, Marcos! Tem que achar o meu Demi!
— Nós vamos achá-lo, Kat. Eu te prometo! — o herói garantiu, cada palavra saindo como se unhasse sua garganta.
Quando Ester se aproximou da mulher, Irani ergueu o rosto e a olhou de forma apreensiva, mas a heroína apenas se abaixou em frente a ela, com uma expressão de pesar no rosto.
— Eu entendo, pelo menos um pouco, pelo que você está passando. A Mão tem realizado vários sequestros pelo mundo, raptando pessoas sem nenhum motivo aparente, e Demétrius parece ter sido mais uma dessas pessoas. A minha…
A voz dela estremeceu e falhou por um momento, mas Ester respirou engoliu seco, assumindo uma expressão séria ao acrescentar:
— A minha mãe foi uma dessas pessoas sequestradas. Faz quase um mês, mas eu ainda acredito que ela esteja viva… Eu quero acreditar. Não podemos perder a esperança em momentos como esse, por isso eu te peço…
Ester envolveu as mãos dela gentilmente, e prometeu, para a mulher e para si mesma:
— Nós vamos encontrar ele e vamos trazê-lo de volta, eu prometo. Então, não perca as esperanças ainda. Acredite na gente. A justiça vai chegar para aqueles que fizeram mão ao seu noivo, eu te garanto.
— Assim como deve ser — as vozes de quatro, dos cinco anjos presentes, ecoaram pelo cômodo em simultâneo.
Quando Irani concordou com a cabeça e sorriu em agradecimento, um pensamento horrível passou pro sua cabeça, embrulhando seu estômago e trazendo as lágrimas a tona novamente.
“Será que o Demi vai ter a chance ser meu noivo de verdade, ou ela vai ser a única a dizer aquilo? Afinal, ele nem teve a chance de fazer o pedido”
— Vamos indo! — Ester falou ao se levantar, mas quando virou para trás e saiu andando na direção da saída dos fundos, todos os Anjos na cozinha ficaram tensos e imóveis, observando a heroína passar por eles.
Os olhos azuis dela ardiam em fúria, e seus passos ecoavam pesados pelo cômodo. Suas mãos estavam fechadas com tanta força para conter sua raiva, que além de deixar os nódulos dos seus dedos brancos, uma pequena verde e opaca era emanada delas.
Alex foi o único que compreendeu completamente o motivo da raiva dela. O único que conseguia ver além do ódio no olhar dela — o único que podia ver o pesar e a mágoa presentes neles.
Enquanto Marcos e Evan se despediam da mulher, Alex se apressou em seguir sua namorada, sabendo muito bem que a última coisa que podia permitir naquele momento era que ela ficasse sozinha com seus pensamentos.
— É — Alex se aproximou da Ester e lançou um sorriso brincalhão a ela. — parece que a gente vai ter que resgatar o pai da esperança, a expectativa.
Ester o fuzilou com as sobrancelhas franzidas, e se seus raios de impacto pudessem ser disparados pelos olhos também, Alex com certeza teria sido alvo deles naquele momento.
Mas, como não foi, seu sorriso apenas se alargou enquanto ele dava tapinhas no braço dela e dizia:
— Ah, qualé, essa foi boa pra cacete!
— Essa foi uma merda! — ela disparou, deixando um pouco da raiva que sentia transparecer no seu tom de voz ríspido.
— Levando em conta os meus padrões, foi pelo menos boa. Sem contar que eu ainda fiz uma piada sobre gringo em português, e foi difícil pensar em alguma coisa.
Ester continuou o encarando por um segundo, com sua expressão de raiva de tornando pensativa, mas por fim grunhiu e se virou para frente sem ter o que dizer.
Alex riu em comemoração, se sentindo vitorioso por deixá-la sem argumento, mas decidiu não provocá-la mais, ou poderia acabar a irritando de verde.
Ao invés disso retirou sua máscara e o capuz — agradecendo pelo ar fresco que bateu em seu rosto — e abraçou carinhosamente.
Quando ela o olhou surpresa e confusa, aproveitou da falta da máscara para demonstrar toda sua seriedade e seu comprometimento com o olhar ao garantir:
— O Zen mandou a gente resgatar o Senhor Expectativa, então pode ficar de boa, eu não costumo falhar com ele. Vamos trazer ele de volta.