O Deus do Tempo - Capítulo 1
Carlos Sousa Silva despertou com o despertador às seis da manhã, levantando com o peso do cansaço que o esmagava. Direcionou para o banheiro, lavando seu rosto com água fria, pegou a mochila e deixou seu modesto apartamento. Desde a morte da mãe por câncer há três anos, ele vive só. Sempre indiferente ao paradeiro do pai, que desapareceu durante sua infância sem deixar rastro ou explicação, Carlos nutria apenas raiva e desprezo por ele.
No emprego em telemarketing, Carlos enfrentava jornadas exaustivas, atendendo centenas de ligações diárias em um ambiente desgastante. Sob constante vigilância do chefe, enfrentava clientes irritados, reclamações e ameaças, cumprindo metas absurdas. Não apreciava o trabalho, mas não via alternativa. Era uma obrigação pagar as contas. Com zero perspectivas de futuro, Carlos vivia sem sonhos, apenas existindo, reservado e sem amigos.
Após enfrentar dois ônibus lotados e o caos do trânsito, chegou ao trabalho em um prédio cinzento e monótono. Sentado em sua mesa, com fone de ouvido, iniciou as chamadas, enfrentando mais oito horas de rotina chata e estressante.
— Olá, sou Carlos da Quick Connection. Como posso ajudar?
— Quero cancelar o plano de internet que você me vendeu — A voz do outro lado estava cheia de raiva e desprezo.
Carlos reconheceu a voz. Era o mesmo cliente que ele tinha convencido a trocar de plano no dia anterior — Lembro de você. Propus um plano mais rápido e mais barato ontem.
— Você me enganou. A internet é lenta, cai toda hora, com limite de dados — disse o homem com raiva, quase gritando.
— Sinto muito se não está satisfeito, mas informei todas as condições do plano. Pode verificar no contrato que enviei por e-mail.
— Mentira. Você omitiu informações importantes, como a fidelidade de um ano e a multa por rescisão — O homem acusou, furioso.
— Não omiti nada. O contrato está claro e completo. Leu com atenção?
— Não, eu não li. Só queria saber se tinha algum plano melhor para oferecer.
— Não tenho nenhum plano melhor. O seu plano era o mais adequado para suas necessidades.
— Então devolve o meu dinheiro — disse o homem extremamente raivoso.
— Não posso devolver o seu dinheiro. Assinou um contrato e aceitou as condições.
— Vou te processar, você vai pagar por isso — disse o homem furioso.
— Por favor, acalme-se, estou tentando ajudar.
— Você é inútil, um imprestável.
— Peço que me respeite.
— Respeita um profissional de roubar os outros? — disse o homem em tom sarcástico.
Carlos sentiu uma pontada de dor no peito. Sabia que estava fazendo seu trabalho bem, mas não podia tolerar esse tipo de ofensa.
— Peço que pare de me ofender — disse Carlos, mantendo o tom da voz calmo.
— Este é o pior atendimento que já vi.
Carlos perdeu a paciência. Tinha tentado ser educado e profissional com aquele cliente insatisfeito e agressivo.
— Vou direcionar sua ligação para a central de espera — disse Carlos, sem paciência.
— Não desligue. Vou te infernizar até cancelar esse plano — O homem ameaçou, persistente.
— Adeus, senhor — Carlos disse antes de desligar a ligação, aliviado.
Carlos continuou a fazer ligações sem entusiasmo, recebendo apenas grosserias e desaforos. Sentia como se fosse um robô, desprovido de emoção e valor. Quando o turno terminou, saiu sem trocar uma palavra com ninguém. Caminhou até o ponto de ônibus mais próximo, aguardando o transporte. Estava exausto, faminto e desanimado. Ansiava apenas por chegar em casa e dormir.
Desatento, não percebeu o caminhão de pequeno porte que vinha em alta velocidade pela rua. O motorista buzinou para tentar avisá-lo. Só sentiu apenas o impacto. Foi lançado ao ar como um boneco de pano, despedaçando-se no asfalto cruel. Sentiu uma dor insuportável em todo o corpo, como se estivesse sendo rasgado por dentro. Viu o sangue escorrendo de seus ferimentos, manchando toda sua roupa.
Tentou gritar, mas não conseguiu emitir nenhum som, nenhum músculo respondia. Estava morrendo. Então pensou na mãe, no rosto doce e carinhoso dela. Lembrou de como ela o abraçava, como o consolava. Fechou os olhos, tentando guardar essa imagem em sua mente. Exalou o último suspiro.
Ele não compreendia o que estava acontecendo. Como se estivesse flutuando em um vazio sem fim. Tentou abrir os olhos, mas só viu escuridão, os braços e as pernas, mas não respondiam. Estava perdido e aterrorizado. De repente, foi atingido por uma força avassaladora, que o comprimiu por todos os lados. Sentiu uma dor insuportável, que parecia rasgar a sua alma.
Foi envolto por uma luz cegante, que iluminou todo o seu ser. Respirou fundo e sentiu o ar puro entrar em seus pulmões. Ouviu vozes suaves e distantes, que pareciam chamá-lo. Percebeu que seu corpo estava diferente. Abriu os olhos e se deparou com uma cena deslumbrante. Estava em um quarto majestoso, com um teto alto e dourado. Deitado em uma cama grande e macia, coberto por um lençol de seda. Viu janelas grandes e escuras, cobertas por cortinas negras.
Viu uma mulher linda e loira, que o segurava nos braços com amor. Ela tinha olhos azuis como o céu e um sorriso doce como o mel. Vestia um longo vestido negro, com bordados de ouro, que realçavam a sua beleza. Ao lado dela, havia um homem forte e moreno, que o olhava com orgulho. Ele tinha cabelos negros como a noite e olhos escuros como o abismo.
Carlos não tinha ideia de onde estava, nem quem eram aquelas pessoas. Sabia apenas que estava vivo. Um turbilhão de emoções invadiu seu peito: surpresa, medo, alívio, gratidão. Esqueceu a dor do passado e abraçou a paz do presente. Permaneceu com os olhos abertos, questionando a nova realidade que o cercava.
A mulher segurava seu filho recém-nascido nos braços com um amor que transbordava de seu coração. Beijou a testa do bebê e sussurrou — Bem-vindo ao mundo, meu pequenino.
O homem observava a cena com um sorriso que iluminava seu rosto sombrio. Envolveu a mulher e o bebê em seus braços e disse — Perséfone, minha amada, você me deu o maior presente que um deus poderia desejar. Um filho, nosso filho. Como vamos chamá-lo?
Perséfone olhou para seu marido e disse — Hades, meu querido, eu já escolhi um nome para ele. Um nome que significa esperança e luz. Um nome que combina com ele. Ele se chamará Orfeu.
Hades sorriu e disse — Orfeu. Eu gosto desse nome. É um nome forte e bonito. Orfeu, o filho de Perséfone e Hades. O herdeiro do nosso reino.
Orfeu, que em sua vida passada se chamava Carlos Sousa Silva, sentia as emoções de seus novos pais. Não compreendia as palavras, mas captava o amor e a ternura em seus tons. Experimentava uma sensação de pertencimento que nunca havia sentido antes. Observava seus pais com seus olhos curiosos.
Sabia que tinha renascido em um novo mundo, com novos pais e um novo nome. Não sabia o que o futuro lhe reservava, mas estava pronto para enfrentá-lo. Era Orfeu agora, não mais Carlos Sousa Silva. Então fechou os olhos e adormeceu nos braços de sua mãe, embalado pelo som doce de sua voz. Assim começou a nova vida de Orfeu.
Então abriu os olhos lentamente, sentindo o calor dos braços de Perséfone ao seu redor. Uma lareira no canto, iluminando o ambiente com uma luz suave. Viu sua mãe conversando com uma mulher de cabelos castanhos e vestido branco, que reconheceu como uma das empregadas do palácio. Ela se chamava Lila, e era muito gentil e atenciosa com ele.
— Ele é tão lindo, minha rainha — disse Lila, admirando Orfeu com um sorriso doce — Ele tem seus olhos.
Perséfone sorriu, orgulhosa e feliz. Acariciou a bochecha de Orfeu com amor.
Orfeu escutou atentamente, tentando memorizar cada som e cada significado. Ouvindo algumas conversas dos empregados e percebeu que seus pais eram deuses, os soberanos do submundo. Ele estava em um mundo novo e misterioso, um mundo que parecia ter saído das lendas da mitologia grega.
Minha reencarnação, como isso aconteceu? Não entendo nada. Olha bem que o ambiente é agradável. Isso é muito confuso. Mas eu decidi aproveitar o momento primeiro. Olha essa vista incrível! Pera… Mortos-Vivos?