O Diário do Começo - Capítulo 8
Ponto de vista de Eduard Harley
Os últimos três meses foram difíceis. Descobri que estou morto e agora tenho que morar com um bêbado e uma espada irritante que não para de tagarelar.
Fiquei de cama no primeiro mês até me recuperar totalmente. Yole foi quem cuidou de mim todo esse tempo e me introduziu a essa nova realidade. Nós passamos a maior parte do tempo trocando histórias, o que me fez aprender muito sobre o passado além de ter alguém para falar sobre tudo que aconteceu.
Pelo que o homem me disse, eu sou um fantasma ou espirito. Minha alma simula um corpo espiritual que assim como o físico, pode tocar e sentir. Foi assim que eu me machuquei seriamente e… provei a quão deliciosa era sua comida. Ele falou sério sobre ser um ótimo cozinheiro. Porem minha felicidade durou pouco e assim que me recuperei, o bêbado me fez ajudar nas atividades diárias. Ele me ensinou a cortar madeira, o caminho da floresta, o rio com água limpa, entre outras coisas que nunca pensei precisar fazer.
Eu sou um príncipe droga… pelo menos era antes de morrer.
Enfim, nesse tempo eu me dediquei a aprender magia. Yole é um ótimo professor e me ensinou que magia funciona da seguinte maneira:
A magia é dividida em 4 elementos e suas variações. Fogo, água, terra e vento. Esses elementos são hereditários, ou seja, passam de pais para filhos. Contudo existem as ramificações desses elementos que são infinitas e extremamente raras. If por exemplo tem o elemento gelo, que é uma das ramificações do elemento água.
Outra coisa é formas de usar essa magia. Existem 3 formas de utiliza-la. Ataque, defesa e criação. Não há nenhuma regra ou limitação, o usuário pode escolher o estilo que mais lhe agradar. Usando If como exemplo mais uma vez, ele possibilita o usuário de usar uma magia de ataque, como lançar gelo, defesa, congelar um ferimento e criação que seria criar algum objeto.
Depois de entender o básico de magia eu estava louco para praticar, contudo eu precisava de um contrato e para minha infelicidade, o homem recusou todos meus apelos para fazer um. Ele disse que eu tenho que estar preparado fisicamente e mentalmente e por conta disso, desde que me recuperei ele me faz praticar meditação e espada todos os dias.
— Eduard! — uma voz me trouxe de volta dos pensamentos.
Olhei para frente e vi o bêbado em posição de ataque, não tive muito tempo antes que uma madeira recordada em formato de espada viesse ao meu encontro. Desviei como pude e acabei derrubado no chão.
O homem me olhou confuso e questionou — Ta tudo bem? Você parecia tá em outro mundo.
— Ah desculpe, eu meio que me distrai um pouco.
Nós estávamos no lado de fora da cabana onde tinha uma planície que se estendia até a entrada da floresta. Era um ótimo lugar para passar o tempo e observar o céu, ou no meu caso… apanhar de um bêbado.
— Eduard, tem certeza que aprendeu espadas no castelo? Você é ruim pra cacete!
Não sei se Yole estava se segurou ao nos conhecemos, porem nesses últimos meses ele raramente não termina uma frase sem usar um palavrão ou fazer alguma piadinha sem graça.
Isso é tão… deselegante.
—Eduard! Acorda droga!
— A-ah sim. Eu já disse que gosto de livros, espadas não é o meu forte.
— O que você acha que vai acontecer se for pego de novo por uma alma corrompida?! Vai ler uma história pra ela?
Suas palavras me fizeram refletir. Eu nunca fui bom com espadas como Willian, mas sempre dava meu jeito. Contudo depois dos acontecimentos do castelo toda vez que seguro uma arma me corpo fica tremulo e aquela sensação de perigo enche meu peito.
Com um longo suspiro o homem estendeu seu braço. — A gente vai dá um jeito, se a porcaria da espada não serve. talvez outra arma sirva, me siga.
Me levantei com a ajuda do bêbado e o segui em direção a cabana. Eu ainda não havia me acostumado com a casa, era tudo tão… diferente da minha antiga realidade, e isso me assusta.
Caminhei até o homem que movia a cama no canto da parede para frente, que revelou um buraco no chão tampado por uma tabua.
O bêbado retirou a madeira e pegou uma caixa que parecia pesada. Curioso, me aproximei afim de ver o misterioso conteúdo. Dentro havia machados, adagas, espadas e peças de armadura de um material negro que eu nunca tinha visto.
Olhei embasbacado para o bêbado e questionei. — Onde raios você conseguiu tudo isso?!
— Apenas de uma olhada e diga se achar algo que lhe agrade. Vou esperar lá fora, qualquer coisa, grite Pudim!
Me voltei para a cara infantil de Yole que ria descontroladamente enquanto se dirigia para a porta da cabana.
“Francamente… Meteu essa?!”
Voltei a olhar os equipamentos. Meus olhos brilhavam e meu entusiasmo era visível diante de todas aquelas armas. Olhar para elas era como entrar em um de meus livros, as armas e armaduras eram tão detalhadas e brilhosas que parecia ser de mentira.
“Caramba, eh… Foco Eduard! Quanto mais rápido eu escolher uma arma mais rápido vou poder fazer um contrato de longo prazo.”
Passei minutos a procura de uma arma que pudesse usar, contudo aquela grande variedade de equipamentos logo foi se transformou em uma grande pilha de nada. Nada parecia combinar comigo, que dizer, eu não me vejo com um machado gigante ou um arco com formato duvidoso.
Soltei um longo suspiro decepcionado comigo mesmo.
“Talvez lutar não seja pra mim, eu vou sempre ser a donzela em perigo esperando alguém me salvar.” pensei enquanto olhava para as peças de armadura dentro da caixa.
De repente, uma luz acendeu em minha mente. A resposta estava na minha frente todo esse tempo. Eu não precisava lutar.
— Eu só precisava me defender.
Gritei por Yole empolgado com minha ideia. Porém sem respostas.
— Yole!? — o chamei mais uma vez.
Silêncio.
Coloquei o dedo entre os olhos incrédulo com aquela situação. Ele realmente queria que eu dissesse aquilo.
“Esse bêbado! “resmunguei.
— Pudim… — disse com a voz baixa, porem nada aconteceu.
Uma voz no canto da sala de repente me alertou. — Você tem que falar mais alto garoto.
Olhei assustado para a direção em que a voz se propagou e vi If que estava no canto da sala todo aquele tempo.
— Não enche lata velha! E não me assusta assim ô assombração!
If riu e voltou para dentro de sua bainha. Dei um longo suspiro cedendo a brincadeira do bêbado e gritei bem alto.
— PUDIM! Mas que merda Yole!
Finalmente, o homem deu as caras e entrou pela porta da cabana. Ele tinha um largo sorriso de canto a canto como se estivesse contente. Isso me deixou furioso.
“Se acalme Eduard.”
O bêbado se aproximou e me questionou. — E então, o que você encontrou?
Dei uma pequena risada e me virei para caixa enquanto explicava minha brilhante ideia.
— Eu não encontrei nenhuma arma que se encaixa comigo, no entanto eu não preciso lutar para me defender.
O homem me olhou confuso e sinalizou para continuar.
— Eu posso simplesmente… — me virei vestindo uma manopla que fazia parte da armadura negra. — Posso usar isso!
Ela era grande e pesada, com símbolos que eu nunca havia visto. Meus pequenos dedos quase não chegavam nas articulações da peça e era realmente difícil ficar em pé com aquilo. Contudo eu estava decidido.
Olhei para Yole enquanto esperava aplausos pela minha brilhante ideia, entretanto o que recebi foi uma chuva de risadas do homem e da espada falante.
— O que é tão engraçado seus idiotas!
O homem limpou suas lagrimas e disse. — Isso é meio covarde Eduard, as gatinhas gostam de homens que lutam por elas. Você só iria ser a donzela em perigo com uma armadura.
— Isso não tem nada a ver com garotas seu velhote mulherengo!
O bêbado se contorceu com se algo o tivesse atingido. — V-velhote mulherengo?!
A espada falante continuava a rir e Yole parecia estar se recuperando de minhas palavras.
Dei um suspiro e ajoelhei diante da caixa. Tirei a manopla de minha mão e apertei meus punhos decepcionado comigo mesmo. Eu me sentia um peso ali.
De repente as risadas cessaram. O homem pareceu perceber meu desanimo e veio em minha direção.
Ele se ajoelhou, colocou suas mãos em meus ombros e tentou meu consolar. — Fica tranquilo garoto, a gente vai encontrar algo que você goste.
Yole pode parecer um bêbedo, mas é uma boa pessoa.
— Mas enquanto isso vai lá pegar água pro tio vai. — O homem disse com um balde velho de madeira.
“Eu retiro o que eu disse” pensei.
— Você vai submeter um príncipe fazer tal coisa?! — resmunguei.
O homem respondeu sem piedade. — Ex príncipe você quer dizer!
— M-me da logo essa droga! — disse tomando o balde da mão do homem.
Atravessei a porta da cabana e fui em direção a entrada da floresta.
Ao me ver partir, Yole gritou. — Tenha cuidado!
O ignorei ainda enfurecido com seu último comentário.
Pensei por todo caminho da floresta até o riacho em diversas formas de ofender o bêbado, e devo dizer que me assustei comigo mesmo. Esse homem está me fazendo criar maus hábitos.
“Se a mamãe escutasse uma coisa dessas…” pensei com um aperto no peito.
E quando menos percebi, o riacho que ficava em um córrego no meio daquelas arvores, estava a poucos metros de distância.
Fui até a borda do rio e enchi o balde com a água. Aproveitei para lavar meu rosto e ao olhar para meu reflexo quase não me reconheci. Meu cabelo estava grande e bagunçado além das olheiras por não estar acostumado com a cama.
“Se a mamãe vê-se isso…” mais uma vez meu peito doeu.
Decidi voltar, peguei o balde e fui em direção a floresta. Porem pensamentos assim inundaram minha mente e, o caminho que pareceu tão curto na ia agora estava longo e cansativo.
Parei perto de uma arvore para descansar em seu tronco. Olhei em volta e me vi cercado pelas grandes arvores, matas e raízes gigantescas que saiam do chão. Me certifiquei que não havia ninguém por perto, mesmo sabendo que isso era impossível.
Me sentei no chão, e mais uma vez as memorias do passado me atormentaram. Recuei meus joelhos para o peito e deitei minha cabeça.
Fiquei assim por minutos até as lagrimas começarem a cair.
Eu estava com raiva.
Raiva por não conseguir lutar, raiva por não me sentir parte daquele lugar e principalmente raiva por saber que tudo nunca vai voltar a ser como antes.
— Pelo menos eu queria ser forte… — disse em meio aos soluços.
De repente, fui cegado por um clarão que surgiu em minha frente. Tapei a luz com meus braços e levantei assustado.
” Boa coisa não pode ser!”
Estava pronto para sair correndo dali, até que uma voz vinda do clarão me chamou. — Você quer ser forte?!
Parei e observei a luz mais atentamente e não tive dúvidas de que aquilo era uma alma. Havia manchas pretas em sua volta, que apagavam um pouco de seu brilho que tinha sido o suficiente para me cegar por um instante.
Uma parte de mim dizia: “Vamos Eduard, é sua chance de fazer um contrato!”
Já a outra: “Yole disse que eu ainda não estou pronto! E se for uma armadilha?!”
Relutante, decidi perguntar. — Você pode me fazer mais forte?!
— Sim! — O orbe respondeu com firmeza.
Eu não podia ser mais um fardo para Yole! Eu precisava arranjar uma forma de lutar, de me defender e essa, era a oportunidade perfeita.
— Então sim.
Estiquei meus braços em sua direção, e num piscar de olhos o mundo em minha volta havia sido tomado pelo branco absoluto. Dessa vez, uma floresta começou a ser pintada diante de meus olhos que rapidamente se transformou em uma linda paisagem.
Pensei até que tinha voltado para a mesma floresta e que algo tinha dado errado. Contudo a fauna daquele lugar era um pouco diferente. Havia vinhas enormes que iam do topo das grandes arvores até o chão que assim como as folhas, tinham um verde vivo e bonito. Era quase como uma… selva.
Caminhei um pouco e logo vi uma pequena tenda verde que se camuflava com o ambiente. Havia também uma fogueira improvisada com pedras e gravetos além de um tronco de madeira posicionado na frente dela.
Receoso, fui em direção a tenta a espera de algo como quando encontrei Ralf.
Me aproximei e gritei. — Olá, tem alguém ai?!
Sem resposta.
— Meu nome é Eduard! — disse ao me aproximar da porta da cobertura.
Havia um pano remendado que servia como uma porta. Olhei para todos os lados me certificando se não tinha ninguém por perto. Não havia nenhum sinal de vida ali.
Impaciente eu disse. — E-eu vou entrar em!
Engoli a seco e joguei o pano para cima. Olhei dentro da cobertura e para minha surpresa, não havia ninguém.
Contudo algo me chamou a atenção. Tudo dentro da tenta era muito pequeno, os cobertores que estravam estirados no chão, um barril que guardava algumas tralhas que não consegui identificar e até a abertura da tenda pareciam do tamanho de um bebe.
Voltei para fora e mais uma vez olhei os arredores com medo de alguém ter visto minha pequena invasão de privacidade.
Nisso percebi uma estrada quase imperceptível enfrente a cobertura. Falo isso pois ela estava tampada por vários gravetos que impediam a passagem. Era possível ouvir um som de água vindo de la, que se parecia com um rio.
“Melhor que nada.” Pensei.
Me aproximei retirando os gravetos que pareciam ter sido colocados de proposito para tampar aquele lugar. Com o caminho livre, fui em direção ao som que me levou a uma linda cachoeira. Caminhei até a borda e vi uma muda de roupas dobradas no chão.
Me agachei e peguei a peça mais próxima e logo percebi que se trava de roupas femininas.
“Então essa é a cueca das meninas!” pensei.
De relance, vi uma silhueta a esquerda e me virei instantaneamente. Em minha frente, havia uma pequena criança despida dentro do riacho. Seus cabelos eram longos e azuis e seus olhos estavam fixados em mim.
Ao perceber a situação, joguei meus braços para trás na tentativa de esconder a peça intima em minha mão.
Me voltei para a garotinha e disse com um falso sorriso no rosto. — O-oi, eu sou o Eduard!
— Então é você! — a garota disse com um sorriso em seu rosto.
— E-eu ?!
— É você que quer ser mais forte! — A menina disse eufórica.
Ela rapidamente veio em minha direção. Seu corpo era magro e pequeno. Muito menor que o meu, era quase como um bebe. Ao chegar até mim a garota me olhou de cima a baixo como se estivesse me analisando.
Decidi perguntar o que ela fazia sozinha ali. — V-você está perdida garotinha?!
— Eu vou ter muito trabalho, seu corpo é fraco e você não parece estar acostumado a lutar. — A menina disse para si mesma.
— Você ta me ouv… — Fui interrompido.
— Muito bem garotinho, você terá que fazer três testes, se passar em pelo menos dois irei te considerar digno e te aceitarei como meu escrav… digo, recruta. Vamos, não temos tempo a perder!
“Ela ia falar escravo?!” pensei.
— V-você me chamou de garotinho? Eu sou mais velho que você pirralha!
— Só se você tiver mais de trezentos anos — retrucou.
— T-trezentos anos?!
“Ela deve estar brincando, é claro que isso é impossível.” pensei, porem logo me lembrei de Yole que tinha mais de cem e de If, uma espada que fala.
“Quando eu penso que não pode piorar!”
A garota foi até em direção a sua muda de roupas e de repente se virou para mim como se estivesse a espera por algo. Olhei para minha mão e vi que ainda estava com sua roupa de baixo. A joguei para a garota envergonhado pela situação.
A menininha sorriu inocentemente e começou a se vestir.
“Se acalme Eduard!”
— F-foi você que falou comigo aquela hora? — perguntei
— E quem mais séria?
— V-você realmente pode me fazer forte?
— Se você passar nos testes, sim!
Engoli a seco antes de perguntar. — E se eu falhar?
A garota que estava se vestindo em minha frente parou por um momento e, com sorriso malicioso ela continuou. — Se você falhar, eu só vou pedir uma coisa em troca. Um pagamento por me fazer perder tempo.
— D-dinheiro? — perguntei
A pequena garota com uma aparência inofensiva respondeu. — Sua alma.