O Dualismo de Yuki - Capítulo 2
Depois de secar meu suor e arrumar minha roupa, saí da entrada do meu trabalho e me dirigi à cabine principal.
Após o portão principal, havia uma cabine onde confirmariam se você era de fato um trabalhador do local. E então, só depois de passar por essa checagem, eu chegaria na área dos campos.
— Eh… Bom dia? — Eu tentei falar com a pessoa responsável pela cabine.
A pessoa, cujo rosto eu não reconhecia, estava completamente focada em algum tipo de papel. Parecia ser um manual.
— Ah… M-Mil perdões! — respondeu.
Cabelos âmbar que chegavam a cobrir suas orelhas, olhos marrons claros e um rosto que aparentava ter no máximo 20 anos. Essas eram as principais características do homem que estava sentado em uma cadeira atrás da bancada.
Ao ouvir a minha voz, ele pareceu estar bem nervoso.
Talvez ele seja um novato? Faria sentido, já que ele aparentava estar lendo um manual. Possivelmente era algo com instruções para o trabalho.
— Ah, não… tudo bem. — Dei um sorriso desajeitado e cocei a parte de trás da minha cabeça.
— O que você precisa? — gaguejou o homem, enquanto tentava perguntar o porquê do meu aparecimento no local.
— Ah, sim. Meu nome é Yuki, sou um trabalhador da área de arroz. O meu turno acabou de começar…
Ao ouvir o que eu tinha dito, ele respondeu com um leve “ok” e começou a olhar para a lista de nomes dos trabalhadores que estava perto dele.
— …Ah, aqui. Sr. Yuki, certo? Por favor, perdoe-me pela demora para achar seu nome — comentou ele enquanto se forçava a dar um leve sorriso para esconder seu nervosismo.
Eu poderia ser seu veterano no quesito de trabalho, mas por ser mais novo que ele em termos de idade, me incomodei um pouco quando ele me chamou de “senhor”.
— Por favor, me chame apenas pelo meu nome. Eu com certeza sou mais novo que você. Não precisa se incomodar com coisas como “sr.”
Percebi que ele tinha dado um leve suspiro e vi um sorriso se formando em seu rosto. Diferente de antes, não era um sorriso forçado.
Talvez ele tenha se sentido mais confortável quando eu o permiti ser mais informal.
— Ok, Yuki. — disse ele ainda com o sorriso em seu rosto.
Eu tinha dito o meu nome, mas eu ainda não sabia qual era o dele. Por causa disso, resolvi perguntar:
— Em falar nisso, qual é o seu nome?
— A-Ah… me chamo Otar.
Otar, huh… nunca ouvi esse nome por aqui. Ele realmente deve ser um novato
Já imaginando o que eu estava pensando, ele disse: — Sim, sou novo aqui.
— E-Entendo — comentei e continuei — Bem, já vou entrando. Bom trabalho para você, Otar.
Após ele responder com um “Para você também”, passei da bancada e me dirigi aos campos.
Longas 7 horas de trabalho me esperavam.
Como eu trabalhava de segunda à sexta, o que me aliviava era saber que o final de semana estava chegando. Eu teria bastante tempo para relaxar e descansar.
Fui levantando minhas mangas enquanto passava pelo corredor que conectava à entrada aos campos principais.
— Fuuh… Que calor — sussurrei, enquanto dava uma leve puxada na gola da minha camisa.
Mesmo que já fosse outono, por ter tido que correr feito louco durante um bom tempo, meu corpo quase superaqueceu.
Mas como já tinha dado o horário do meu turno, eu não podia perder tempo com coisas fúteis como o calor.
Continuei andando pelo corredor e cheguei no começo dos campos.
Antes de entrar, eu tinha que ir aos armários que ficavam à direita da saída do corredor para pegar as minhas ferramentas.
Para o trabalho, eu utilizava uma máscara de pano, uma enxada, e uma pequena foice.
Todos os três itens eram providos pela empresa, então eu não poderia levar para casa.
Me aproximando dos armários, comecei a andar até onde o meu estava localizado.
Cada armário era numerado. Como tinham 30 espaços, a numeração ia de 1 a 30 — o meu era o número 12.
Havia 15 armários na parte de cima e mais 15 embaixo.
O meu ficava na parte de cima. Era relativamente alto, mas como eu tinha quase 1.70 cm de altura, eu conseguia alcançá-lo.
Hm, acho que está tudo certo, pensei, enquanto abria e conferia as coisas ali guardadas. Parecia estar tudo certo.
Fechei o armário e segui para o campo.
***
Os campos eram divididos em alguns setores. Existiam as áreas de trigo e de arroz, por exemplo.
Chegando no meu setor, pude ver várias pessoas trabalhando.
Como já fazia 2 anos que estava empregado lá, eu obviamente já reconhecia quase todo mundo.
Depois de cumprimentar todos os meus conhecidos que estavam por perto, estiquei meus braços para me preparar para começar.
As tarefas consistiam em:
– Arar a terra;
– Plantar as sementes;
– Regar a terra;
Sem sombra de dúvidas, a parte mais cansativa era a aração da terra. Mesmo trabalhando com a mesma coisa por um tempo razoável, isso ainda exigia bastante do meu corpo. Para aguentar um pouco mais, durante meu tempo livre eu sempre fazia um treino básico de força.
Bem, era hora de pôr a mão na massa.
— Ok! Vamos começar!
Com a enxada em minhas mãos, comecei a trabalhar.
***
Três horas e meia haviam se passado. Já era algo entre 12:30 e 12:40.
O típico céu parcialmente nublado de uma manhã de outono já tinha sumido, e agora o que restava era apenas um sol escaldante no meio do céu.
Os trabalhadores suavam sem parar enquanto trabalhavam e ansiavam por uma pausa.
E é claro que esse também era o meu caso.
— Ugh… Por que o intervalo nunca chega? — resmunguei, enquanto ainda arava a terra.
Eu tinha concluído cerca de 45% do meu trabalho e, por causa disso, eu já estava exausto.
Além de ser um trabalho puxado, ainda tinha o fato de ter um sol forte sob minha cabeça.
Rooonc…
Minha barriga roncou. Tirando o rápido café da manhã, eu não tinha comido nem bebido nada.
A fome já era uma realidade.
Quanto tempo falta para hora do almoço…? Deixei a minha enxada de lado e decidi me sentar um pouco. Como não tinha cadeiras nem algo parecido, me sentei no chão.
O horário geral de almoço começava às 11:30 e ia até às 14:00.
O motivo de um intervalo tão grande era simples: Como existiam vários setores, cada setor tinha um horário reservado para comer.
Em teoria, o horário do meu setor seria 12:30; entretanto, como eles não eram exatos, existiam atrasos.
E esse era o caso.
Quanto mais tempo demorava para o intervalo chegar, mais resmungos eu ouvia.
— Haaah… Aqueles caras demoram muito! Só quero poder descansar logo!
— … É, realmente…
Uma dupla de trabalhadores estava reclamando. Eu não os conhecia.
Com “aqueles caras”, eles estavam se referindo ao grupo de pessoas que foi comer. Eles eram a causa do atraso do nosso horário.
…Tenho que concordar com eles…
Olhando bem, eles pareciam estar na casa dos 30 anos.
Como era de se esperar, em termos de idade, eu era o mais novo de todos os funcionários. Eu ainda me lembrava claramente do momento em que fui procurar trabalho lá. Na época, muitos tinham me lançado olhares curiosos, já outros diziam coisas como “Por que tem uma criança aqui?” e coisas do tipo.
Bem, com certeza seria anormal alguém da minha idade optar por trabalhar em um ramo desses. Uma pessoa normal dessa idade estaria ou aprimorando sua magia ou ajudando em casa.
No entanto, eu não podia usar magia; logo, a primeira opção estava descartada. No caso da segunda opção, não tinha por que eu ajudar na pensão já que a Utaha já realizava essa tarefa.
Então, o que me restou foi procurar um trabalho mais simples; e por sorte, a rede de agricultura da Família Albert me aceitou.
Mas eu confesso, era frustrante saber que esse era o único trabalho que eu poderia fazer.
Enquanto isso se passava na minha mente e minha barriga continuava a roncar, de repente ouvi um barulho.
BLIM BLIM
Era o som do sino principal. Ele era utilizado para indicar a mudança de equipe.
No meu caso, ele só significava uma coisa: o intervalo tinha chegado.
Ahhhhh, finalmente!
Não pude deixar de ficar feliz. Meu estômago já doía de fome e minha boca estava ressecada.
Peguei minhas ferramentas e me levantei.
Quando olhei ao redor, percebi que eu não era o único que estava feliz. Era simples reparar a felicidade e o alívio nos rostos dos outros funcionários.
Ainda com um sorriso em meu rosto, me dirigi à área de alimentação.
***
Eu estava em uma fila.
Para o horário de almoço, o trabalho preparava um lugar para guardar as ferramentas utilizadas pelos trabalhadores. E para isso, precisávamos passar por uma fila. Só depois desse processo que eu iria para a cantina.
Pelo que eu sabia, meu setor tinha algo em torno de 30 pessoas.
Se fosse na capital, um setor com apenas esse número de pessoas seria considerado como minúsculo. No entanto, como eu morava no interior, o meu setor era considerado grande.
Tinha cerca de 4 pessoas na minha frente.
Urgh… Só quero comer logo… De forma impaciente, permaneci na fila.
Depois de alguns minutos, enfim tinha chegado a minha vez.
Uma gentil balconista de cabelos e olhos azuis tinha me atendido. Os seus cabelos longos e ondulados chegavam a brilhar, e sua pele clara era bastante chamativa. Fora isso, ela usava uma roupa marrom que lembrava algo relacionado à aventureiros.
O que uma pessoa assim está fazendo aqui? Se fosse na capital, ela com certeza seria uma celebridade! Foi a primeira coisa que pensei quando vi o seu rosto.
Não trocamos muitas palavras; ela apenas falou coisas como “Por favor, diga seu nome” e “Quais ferramentas você usa?”. Era como qualquer outro balconista. Claro, tirando o fato de que ela era muito chamativa.
Como neste reino a maioridade era alcançada aos 16 anos, poderia faltar 2 anos para eu ser considerado um adulto, mas eu já sabia reconhecer uma pessoa charmosa.
Depois de responder as perguntas, entreguei as minhas ferramentas e agradeci.
Depois vou falar sobre ela com o Duke…
Em falar nisso, Duke era o meu melhor amigo. Seu nome completo era “Duke Albert” e ele tinha a minha idade.
Como já era de se imaginar, ele era um integrante da Família Albert. Mesmo sendo de uma família importante, ele ainda me tratava bem e conversava abertamente comigo. Segundo ele, para adquirir experiência, ele foi mandado para a área de agricultura de sua família. E por causa disso, nós nos conhecemos e trabalhávamos juntos.
Todo dia, no horário de almoço, nós comíamos juntos. Mas como era sexta-feira, ele não estava no trabalho. Pelo que ele tinha me dito uma vez, às sextas ele era obrigado a ir para uma cidade vizinha e participar de um evento das famílias locais.
Como esperado de alguém de uma família importante!
***
A cantina.
Um lugar espaçoso e refrescante, revestido de tijolos refinados e que possuía várias mesas e cadeiras feitas de uma madeira especial, um pouco alaranjada.
O enorme balcão onde serviam a comida ficava à direita e as mesas à esquerda.
O local era de aproximadamente 100 metros quadrados. Realmente bem espaçoso para um lugar no interior.
A Família Albert não poupava esforços quando o assunto era “qualidade das coisas”.
O lugar era bem construído, os móveis e equipamentos eram feitos de madeira de alta qualidade e a comida era bem saborosa, mas é claro que não chegava aos pés da comida da Sra. Evelyn.
Me aproximei do balcão e peguei um prato de comida. Mesmo sendo de boa qualidade, ainda era de madeira, óbvio.
Arroz, carne e salada. Essa era a refeição do dia.
Para um trabalhador normal, poderia ser simples, mas para mim, por causa da carne, era algo como um prato “raro”.
Na pensão, nós só comíamos carne bovina de duas a quatro vezes por mês. Só havia uma exceção quando era aniversário de alguém ou outra comemoração.
Peguei meu prato e fui para uma mesa.
Por ser sexta-feira e Duke não estar por perto, eu estava comendo sozinho.
É a segunda refeição que eu como sozinho, que incomum…
Enquanto eu mastigava um pedaço de carne, pude ouvir uma dupla conversando alto.
— Ei, você já ouviu as notícias?
— Huh? Quais?
Dois homens de cabelos vermelhos e que aparentavam ter algo em torno de 30 anos, estavam conversando alto. O primeiro era bem barbudo e já estava um pouco bêbado, já o segundo era um pouco mais arrumado e estava completamente sóbrio. Ambos possuíam roupas chamativas, de couro com detalhes metálicos. Eles pareciam ser aventureiros.
Aliás, como a comida era de qualidade, era normal ver aventureiros pagando para comer lá.
Um dos homens, enquanto segurava um pedaço de carne, comentou algo sobre rumores.
— Ouvi dizer que acharam bestas de médio porte pelas redondezas — comentou o homem antes de dar uma mordida na carne.
— … O que? Isso é brincadeira, certo? Tipo… Isso é quase impossível…
Só pude concordar com o segundo homem. Seria impossível bestas invadirem a cidade, afinal.
Deve ser só um boato bobo…
— Não, parece que a coisa é real. Isso tá causando bastante confusão na Guilda. Alguns dos aventureiros aposentados ficaram bem irritados quando descobriram que teriam que agir. — Depois de dar um gole no copo de cerveja, ele continuou: — …Haah. Pelo que ouvi falar, alguém desativou a proteção do setor norte da cidade.
— … I-Impossível… Se esse foi o caso, por que não fomos convocados? — O homem franziu a testa.
— Pelo que vi, é por causa do nosso rank…
Calma, calma… Não tem como isso acontecer, certo?! Não pude deixar de me questionar.
Muitas informações foram ditas ali.
Primeiro, parecia que monstros tinham invadido a cidade e a Guilda de Aventureiros local foi avisada e estava eliminando as bestas. Fora isso, pelo que percebi, a missão estava limitadas às pessoas de alto rank;
Segundo, aparentemente, a causa da invasão das bestas foi a desativação de uma das proteções da cidade.
O principal motivo da cidade de Reinheit ser tão segura era por causa de sua grande barreira.
Por ser localizada no interior, a cidade ficava perto de vários ninhos de bestas de mana. Por causa disso, a capital real decidiu fazer uma barreira mágica em volta da região.
A barreira era dividida em 4 partes e cada parte correspondia a um setor da cidade. No caso, existiam os setores norte, sul, leste e oeste.
Era de conhecimento comum saber que cada setor era vigiado por pessoas contratadas pela capital. Logo, se um setor foi desativado, a pessoa ou o grupo que fez isso conseguiu derrotar todos os guardas e desativar a barreira.
No entanto, isso nunca tinha acontecido antes. Ninguém era ousado o bastante para tentar desafiar um bando de pessoas fortes e causar um problema.
Fora isso — por estar acostumada com a segurança — a Guilda de Aventureiros da cidade estava quase inoperante. Quase não existiam novos aventureiros pelo local.
O resultado de uma Guilda quase inexistente somado com uma cidade despreparada seria igual a uma catástrofe. Ou pelo menos algo perto disso.
Eu não pude deixar de ficar chocado.
Será que a Sra. Evelyn, Utaha e Annie estão bem?
Enquanto gotas de suor começavam a aparecer no meu rosto, me preocupei com as pessoas da pensão. A Sra. Evelyn e Utaha estavam trabalhando na pensão, mas Annie, a mais nova, estaria na escola.
No início, além do fato de que o primeiro homem estava bêbado, o rumor não parecia nada crível; entretanto, por causa das informações adicionadas, parecia ser verídico.
Depois de ouvir e refletir sobre tudo o que ocorreu, terminei de comer e me levantei. Eu não tinha sido o único que ouviu a conversa da dupla barulhenta, outras pessoas também estavam com semblantes preocupados por causa da situação.
Peguei meu prato e os talheres e os deixei em cima do balcão para recolherem.
Fui para a saída da cantina e, estando de longe, observei os campos.
— Fuuh… O que será que vai acontecer com a cidade? — murmurei para mim mesmo.
Em relação aos meus conhecidos, eu já estava um pouco mais calmo. Meus amigos estavam fora da cidade; Utaha e Sra. Evelyn estavam na pensão, e Annie estava na escola.
Como a pensão, o meu trabalho e a escola eram localizados no setor sul, eu pude relaxar um pouco mais.
Mas mesmo que as pessoas importantes para mim não fossem afetadas, o que aconteceria com a parte norte da cidade?
Ainda observando os campos, me senti um pouco frustrado por não poder fazer nada naquela situação.
É nessas horas que eu queria poder ajudar em algo… Fiquei com um semblante amargurado.
O que eu não sabia naquela época era que aquela podia ser a última vez em algum tempo que eu poderia viver tão tranquilamente.
Após alguns instantes, ouvi o barulho do sinal, indicando que o intervalo tinha terminado.