O Herói das Chamas - Capítulo 18
Depois de ouvir a pergunta, Alex, que ainda estava de costas, com a cabeça apoiada na mão, respondeu friamente: — Tudo bem, tudo bem…
Ele se virou e em seguida levantou da cadeira sem olhar para os dois da sua frente. Os dois apenas olharam e depois o seguiram, sem saber muito bem o que fazer. Também pareciam desconfortáveis, mas ainda pareciam super felizes de estarem ao lado do Herói do Vento.
Com isso, fui completamente esquecido. Mesmo do lado dele, não fui notado, sequer parecia existir. Todas as atenções foram desviadas. Não digo que fiquei com inveja, mas seria legal que me reconhecessem também, né?
Todos saíram na minha frente e logo já estavam do lado de fora, entrando na carruagem novamente. Corri mais um pouco para alcançá-los. Porém, quando fui entrar, acabei sendo barrado pelo grandão.
— Foi mal aí, não tem mais espaço — ele falou, com um sorriso detestável através daquela barba cheia e ridícula dele.
Eu já estava pronto para falar um insulto diretamente em sua cara ainda mais detestável, porém fui impedido por Allark.
— Senhor — ele fez o gesto de chamar com sua mão —, viaje comigo aqui. — Por fim, deu uns tapinhas no espaço que tinha ao seu lado.
— Eu? Sério? Posso mesmo?
— Claro, pode subir — disse, com um sorriso simpático. Quer dizer, talvez ele tenha feito o mesmo sorriso que o gigante, mas o fato de ter me ajudado me deixou feliz, obviamente.
Coloquei o pé no único degrau e dei um impulso para cima, subindo na parte que estava Allark. Sentei ao seu lado e me ajeitei. Já estava pronto para sair.
Assim que ele viu que eu estava acomodado, usou as gigantescas cordas que empunhava para mover os cavalos para os fazer se mover e começarem a andar.
Olhando por esse ponto de vista, deve ser bem difícil conduzir essa carruagem. Tem dois cavalos, dois seres vivos independentes, seguindo instruções que nem são faladas diretamente.
Claro, eu sei que os cavalos escolhidos para esse tipo de trabalho são os mais mansos, mas ainda assim é bem impressionante.
Acho que ele acabou vendo o quanto eu estava admirando seu trabalho, por isso logo perguntou se eu queria tentar. Como ele percebeu se a todo momento estava olhando para frente?
Balancei as mãos. — Não! Não! Estou bem.
— Tem certeza? — Virou para mim. — É uma chance única, haha!
Abaixei meu rosto para esconder a vergonha. Eu quero, mas… não sei…
— É que parece tão difícil…
Ele deu um sorriso e, forçadamente, eu juro, passou as rédeas para mim. Aceitei só porque foi à força, juro. Não queria isso de jeito nenhum.
Assim que peguei elas nas minhas mãos, fiquei meio perdido e tentei fazer igual via os condutores de jumento fazerem, bater de leve nos cavalos para fazê-los andar mais rápido.
Porém, fui, mais uma vez, interrompido.
Ele segurou meu braço e o abaixou para não permitir que fizesse isso.
— Você só tem que deixar os cavalos saberem para onde você quer ir. Veja, tem uma curva bem ali.
Ele apontou para a parte da estrada que virava levemente à esquerda.
— Imagine que você, com a corda, apenas dá uma dica para onde ele deve ir. Deixe-o decidir seu próprio caminho, mas o guie. E então, o que fará agora?
— A-acho que tenho que desacelerar um pouco para depois fazer a curva.
— Certo. Faça isso.
Quando chegamos perto, puxei de leve a corda para trás. Quase que instantaneamente os cavalos diminuíram a velocidade. Desta forma tive espaço para puxar as cordas um pouco para a esquerda.
Os cavalos seguiram minha dica e foram virando certo a trilha de terra. Cada vez que pareciam sair dela, puxava um pouquinho mais forte para deixá-los no caminho novamente.
Assim que nos estabilizamos na linha reta, devolvi rapidamente para Allark e botei a mão no meu peito. Esse foi o momento que mais cheguei perto de um ataque cardíaco!
Imagine só se eu acabasse virando a carruagem sem querer? Alex me quebraria na porrada, certeza!
— Eu sinceramente não sei como você consegue fazer isso com tanta naturalidade… — Ainda me recuperava dos danos.
— Haha! Estou acostumado a fazer isso desde pequeno. Aliás — Allark me empurrou de leve com o ombro —, você seria um ótimo cocheiro, sabia? Haha!
— Talvez… essa vida de guerreiro não é para mim…
Ele me encarou por um tempo, e depois virou novamente para a estrada.
— Já tentei ser um Herói antes, sabia? Foi um pouco antes de conhecer o sr. Alexandre.
— O que aconteceu? Se machucou por causa de um monstro?
— Na verdade não. Tiveram alguns motivos, mas o principal deles foi o próprio Herói do Vento. Ele era impressionante. Sua habilidade com a espada superava qualquer outro guerreiro que já havia visto.
Seus olhos pareciam cheios de orgulho, e ele exibia uma feição de felicidade ou tristeza, não sabia definir muito bem.
— É… eu imagino… Também sei que provavelmente nunca vou chegar a um patamar assim até o final da minha jornada, quando voltar para casa, sabe? Para falar a verdade, nem sei ainda se quero voltar para casa…
— Não precisa ter certeza de tudo por agora. Tudo ainda é o começo, aproveite o presente para então pensar no futuro. Além do que, o título de Herói não vale nada sem atitude, então tenha mais confiança e sempre lute. Lute pelo que acredita. Quer dizer, nem sempre dá para ser confiante sempre. Até mesmo o sr. Alexandre já recaiu quando um amigo seu morreu. Não se cobre muito.
Soltei um pequeno sorriso. — É, deve ser verdade…
Com o seguimento da viagem, continuamos conversando sobre vários assuntos aleatórios. Inclusive, descobri até mesmo alguns segredos engraçados do Alex. Na verdade, Allark praticamente só falava dele. Era um pouco chato, mas entendia a admiração que ele tinha, então apenas o deixei falar.
Demorou algumas horas para chegarmos. Neste meio tempo, dei uma pequena cochilada porque ninguém é de ferro, né?
Nunca tinha conversado tanto com Allark, afinal para mim ele parecia um empregado do Alex. Porém acho que, pela primeira vez, fiz uma amizade “de verdade” nesse mundo. Ele era bem legal, afinal.
Quando chegamos, ele avisou para todos e logo eles desceram da carruagem e fizeram seus alongamentos por conta da longa viagem. Elfegar, a vila que havia denunciado a invasão de monstros, estava em nossa frente.
Estávamos de frente a várias pequenas casas, que eram rodeadas por enormes árvores, que quase cobriam o céu inteiro. Isso já deveria cobrir toda a luz solar, mas estava pior ainda por estar de noite. Só algumas tochas podiam iluminar aquilo. O resto era apenas breu completo.
Desci também e me despedi do meu mais novo amigo, que saiu, dizendo para mandar um corvo quando a missão estivesse encerrada. Pensando bem, ele tinha uma certeza bem grande que conseguiríamos, né? Acho que ficaria surpreso se sobrevivesse.
Quer dizer, o Alex está aqui, né? Ele é bem forte, né? Só temos como sobreviver, né? Ok, estou começando a entrar em desespero. Preciso me acalmar.
Um senhor barrigudo, baixinho e com barba e cabelo brancos, chegou até nós.
— Olá, é um prazer vê-los em meu humilde vilarejo. Eu, por gentileza, poderia saber a que deve sua visita?
O grandão tomou a iniciativa. — Nós somos um grupo enviado pela Guilda. Recebemos um chamado daqui.
Ele pareceu estressado, mas ainda assim manteve o sorriso, que era escondido parcialmente pelo bigode.
— Não, não enviamos nenhum chamado.
Todos se entreolharam.
— Tem certeza? Recebemos oficialmente desta exata localização.
— Com certeza! Bom, já que não têm mais negócios a fazerem, voltarei ao meu trabalho! Boa noite a todos vocês, guerreiros!
Ele se virou e saiu, andando daquele jeito esquisito dele.
— Bom, já que não tem um chamado — entrelacei os dedos atrás da cabeça e estiquei um pouco o corpo —, vamos embora não é?
Antes que pudesse ver, eles já não estavam perto de mim, e sim bem à frente.
Segui os três, ainda distante, afinal seus passos eram longos e rápidos demais. Tenho pernas pequenas e uma preguiça danada, então como eu poderia acompanhar o ritmo deles?
Eles conversavam entre si sobre algo, só que eu não conseguia ouvir o que era. Acelerei o passo para conseguir entender sobre o assunto da vez, estava bem curioso.
Cheguei perto e finalmente pude saber sobre o que falavam.
— Certo. Faremos assim, então — o grandão falou.
DE NOVO?!
Eles continuavam andando sem se importar com a minha presença. Fiquei ali, com cara de cu, emburrado. Como eles ousam discutir algo sem a minha presença? Que vacilo!
Apressei o passo e entrei na frente de todos. Se eu não posso fazer algo, ninguém pode, certo?
— E então? — Coloquei as mãos na cintura. — O que decidiram?
Quando todos pararam, eles se entreolharam para ver quem daria a notícia. Ficaram uns bons segundos um olhando para o outro.
Alex avançou um pouco. — Ele com certeza está mentindo, então não podemos ir embora.
— Calma aí! Como pode ter certeza disso?
O grandão se meteu em nossa conversa de uma só vez. — Os detalhes do chamado diziam: “Não confiem em ninguém. Eles irão mentir. Estamos sendo observados”. Parece que está se concretizando, não é?
— Bom, sendo assim, o que vão fazer?
— Nos dividiremos — disse Alex, já saindo.
Eu iria até ele para questioná-lo, mas ele logo continuou:
— Você vai com o Saul verificar dentro da vila, e eu vou com a LiLy olhar nos arredores. Alguma objeção?
Todos concordaram, menos eu, claro.
— Por que eu tenho que ficar com esse grandão aqui? Não vou com a cara dele. — Apontei para o Guts, que aparentemente se chamava Saul.
Ele, ainda com aquele sorriso, se abaixou um pouco para ficar rosto a rosto.
— O que tem de errado comigo?
— Tudo. Sua barba, seu cabelo espetado, suas roupas extremamente pretas, seus músculos assustadoramente grandes e seu sorriso estúpido. — Tinha mais, só que não quis falar tudo logo de cara.
Ele apertou um pouco os olhos e virou a cabeça um pouco. Ele pode até forçar essa simpatia, mas eu não caio na dele.
— Já chega! — gritou Alex. — Sumam logo daqui! Não temos tempo para isso! — Será que acabei estressando ele?
Os quatro se dividiram prontamente. Eu e o Saul seguimos a “via” principal para vasculhar o local com os olhos. A luminosidade baixa não ajudava com isso, mas tínhamos que dar nosso jeito.
Eu andava no ritmo mais acelerado que podia, mas sem correr para não deixar claro que não estava nem um pouco afim de falar com aquele cara. Ainda assim Saul parecia ter uma fita comigo, já que sempre queria puxar algum assunto.
Eu ignorava todas as suas tentativas, claro. Até que uma delas não pude ignorar.
— Você não quer ser meu amigo, eu sei. — Ele me puxou pelo ombro. — Mas isso é uma missão, e não podemos nos dar ao luxo de ficar de birrinha, entendeu?
Finalmente ele falou algo com o rosto sério. Parece que ele realmente consegue se tentar, não é? Vejamos…
— Tá, tá… — Fingi inocência. — Então o que quer que façamos? Eu não vou acatar quase nada do que você falar de qualquer forma.
Saul soltou um longo suspiro. — Certo. Então vamos nos conhecer melhor, ok?
— O que sugere? — Cruzei os braços e fechei a cara.
— Tem um bar bem ali — apontou para frente —, então que tal se nós formos até lá?
— Pode ser, vai…
Aceitei, mas com vontade de recusar. Não fui capturado pelo seu carisma, não mesmo! Mas devemos dar uma chance uma vez ou outra… não é? Não é…?
Enfim, chegando lá, já pude ter certeza de que aquele lugar não era para mim. Muita gritaria, discussões, fedor… Isso me lembra até quando vim parar aqui.
Por causa de uma pressão que sofri de colegas, fui para uma festa e, no meio dela, acabei desmaiando com alguma coisa. Foi dessa forma que acordei naquela cadeira.
Essa falta de informação me deixa bem incomodado. Se o deus lá conseguiu me trazer pra cá só com a mana, então a dele deve ser das brabas, né?
Se bem que o Alex até me falou sobre isso… esses tipos de mana… Pena que sou meio burro e não entendi.
De qualquer forma, voltando ao bar, como se fosse um dejavú, sentamos naquelas cadeiras altas que ficam em frente ao balcão. Ao lado da sua, Saul deixou repousar seu longo machado, apoiado.
Fico impressionado, porque, se ele é um guerreiro, como ele consegue lutar com algo assim? Se bem que o shape fala por ele, né? Ainda assim é impressionante.
Saul bateu com a mão no balcão. — Me vê um rum de Beinsburg!
— E-eu quero um desse aí também. — Eu estava encolhido, espremido.
Quando me viu daquele jeito, me deu um baita tapão nas costas.
— Não precisa ficar assim. O senhor Alexandre nem está aqui para te repreender, sabia? Se solte!
— É que esse não é bem meu habitat natural…
— Ha ha! Sei como é! No meu caso, não gosto muito de ambientes certinhos, sabe? — Relaxou um pouco na cadeira.
Não, não sei como é. Porque, para mim, ambientes que tenho que ficar na minha fazem muito mais sentido e parecem bem melhores.
Esse mundo, no geral, só me faz sair da zona de conforto. poxa, eu era um nerd que mal saía do quarto. Agora estou conversando em um bar com um guerreiro! Acho que é uma evolução rápida demais…
Antes que eu pudesse responder algo, uma voz ecoou até nós.
— Saul! Venha até aqui! — Vinha do lado de fora. A voz era familiar, de certa forma.
— Opa! Acho que é o senhor Alexandre. — Levantou e saiu em direção a ele. — Fique aí, cara! Já volto.
Sequer olhei para ele, porque finalmente havia chegado meu rum. Era bem diferente do que eu pensava. Como será que bebe isso?
— Olá, Herói. — Mais uma vez, a mesma voz falou por trás de mim. Ao mesmo tempo, sentia algo pontudo perto do meu pescoço. — Parece que nos encontramos de novo…