O Invocador Sagrado - Capítulo 19
Ravi, sentado em uma pedra numa posição semelhante à uma estátua, estranhava a situação que se desenrolou nas últimas horas.
“Isso não é muito… conveniente?”
Era simplesmente para terem ido direto à basílica assim que arranjassem alguns mantimentos de viagem, mas o caso mudou de uma hora para a outra.
Roan e Diilan conversavam baixinho quanto ao pergaminho, Cassandra encarava o tigre azul com raiva e ele estava isolado em seu próprio mundo pessoal.
— Na verdade… — murmurou — o que será de mim depois de chegarmos à basílica?
Engoliu seco, aquela pergunta tirou o chão de seus pés. Arrastou o dedo para o lado, uma série de telas amarelas surgiram em rápida sucessão. Dentre elas, apenas uma lhe interessava.
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⌈ ⌉
· Nome ·
Ravi
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· Classe ·
Ladino
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· Nível ·
1
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༝ Força ༝
7
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༝ Destreza ༝
6
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༝ Guarda ༝
8
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༝ Mágica ༝
2
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‹ Glifos Equipados ›
⧫ Glifo Sobrevivência
⧫ Glifo de Armadilha
⧫ Glifo de Furtividade
⧫ Glifo de Prestidigitação
⌊ ⌋
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Um mal sinal, um péssimo sinal. Nenhum glifo de combate, nenhum atributo alto. Finalmente sua mente conseguiu processar o porquê de não ter a capacidade de usar magias há dias atrás quando treinava no trem de Pólito.
Mágica seria incrivelmente útil se tivesse somente alguns pontinhos a mais. Mais uma vez, deslizou o dedo pelo vento até procurar duas telas.
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⌈ ⌉
⧫ Glifo de Furtividade ⧫
Rank — S
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Este glifo proporciona a habilidade
de se esconder dos sentidos de outros
seres, negligenciando meios de detecção.
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Este glifo é permanente.
⌊ ⌋
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⌈ ⌉
⧫ Magias ⧫
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› Passos Leves ‹
Diminui a inibição de ruído de todas
as formas, além de não deixar pegadas
para trás conforme se move.
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Mana = 5
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› Agilidade Aumentada ‹
Aumenta o atributo Destreza em 50%
por três minutos.
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Mana = 20
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› Invisibilidade ‹
Ativa o status Invisibilidade
Se usado com as magias Passos Leves
e Agilidade Aumentada, o usuário adquire
o status Fantasma.
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Mana = 50
⌊ ⌋
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— Eu não acredito nisso!
Imediatamente os outros três se viraram na direção do grito. Era uma paisagem esquisita de Ravi de cabeça baixa e murmurando sozinho, como se tivesse surtado.
Cassandra foi a primeira a agir, levantou-se depressa e tocou nos ombros do moleque, jogando-o de um lado para o outro igual a um balanço.
— Que que tu tem, menino?
— Meu nível… ainda tá no 1!
Foi uma resposta mortal, que atraiu a raiva da baixinha loira. A primeira coisa que tratou de fazer foi dar um rápido tapa no rosto dele, em seguida olhou para os dois idiotas sentados.
— O que tão olhando?
— O que é um… nível? — perguntou Diilan, enquanto inclinava o pescoço.
— Não é da tua conta. Voltem com seus papinhos de nerd.
— E o que diabos é um nerd?
Ravi caiu para o lado e segurou a bochecha vermelha. Só viu as costas Cassandra e, mesmo que estivesse de costas, sentiu um frio na espinha.
— É um assunto nosso — desconversou o rapaz —, um assunto nosso!
Diilan ficou de sobrancelha erguida, era mais que óbvio o motivo de suas dúvidas, porém não insistiu e deu de ombros.
— De onde paramos, Roan?
Logo a conversa entre os invocadores voltou aos trilhos, deixando de lado a ocasião de poucos instantes atrás.
Ravi coçou a testa, repentinamente envergonhado pelo alarde desnecessário. Cassandra ainda o olhava com uma raiva perfurante, um breve aceno por parte dela o chamou para acompanhar seu passo.
Caminharam até o topo da escadaria, onde a mulher o puxou pelo braço e, com a feição mais séria possível, disse:
— Como caralhos você tá no nível 1 ainda?
— Eu não sei… na verdade, eu nem faço ideia de como sobe de nível.
— Você é um jumento, Ravi. — Bateu no próprio rosto, indignadíssima. — Tá, vem comigo.
Era estranho vê-la irritada, mas Ravi obedeceu. Seguiram pelo labirinto e esquivaram de algumas armadilhas que não foram desarmadas na primeira viagem.
Pararam no mesmo ponto da tocha espectral. A luz do lado de fora era forte e cegante, o que para variar irritou a paciência de uma bomba relógio amarela.
— Espera aí, eu já venho.
Cassandra saiu rumo à floresta na distância, enquanto Ravi cruzou os braços e se encostou na parede.
Não sabia nem o motivo de obedecer, apenas seus instintos clamavam para que seguisse à risca os pedidos.
O crepitar da chama azul zunia em seus ouvidos, semelhante ao tique-taque de um relógio. Sozinho e sem nada para fazer, foi atacado pela lembrança de um trecho do sistema.
— Fantasma… O que é o status Fantasma?
“O que diabos um Fantasminha Camarada pode fazer? Atravessar paredes? Possuir os outros?”
Perguntas perambulavam de um lado para o outro, só enchendo seu cérebro de dúvidas conforme lembrava de outros exemplos de fantasmas famosos, desde uma geleca verde até um marshmallow gigante.
Nenhuma delas respondia às teorias mirabolantes do que aquele efeito era. Com certeza ficaria por muito tempo pensando, se não fosse por uma tela inusitada que apareceu no canto do olho.
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⌈ ⌉
O comissário acaba de enviar uma missão.
⌊ ⌋
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— Missão…?
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⌈ ⌉
ᐅ O Fantasma Novato ᐊ
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Use o efeito fantasma uma vez.
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Recompensa
9 níveis.
Elevação de uma habilidade.
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Dica:
Um achado poderoso.
⌊ ⌋
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— Cacete, tudo isso?!
Um brilho tomou conta de Ravi, era difícil conter a vontade de roer as unhas de tanto que a missão forçava para desvendar a enigmática dica.
O que era o “achado poderoso”? Como iria combinar todas as magias numa só se nem havia mana o bastante? Ou pior ainda, qual era o motivo de Cassandra demorava tanto?
Os dois primeiros questionamentos exigiriam uma resolução mais tarde, enquanto a terceiro recebeu atenção quase imediata por conta da invasão de uma mulher de punhos ensanguentados que carregava um anão verde pelo pescoço.
— Opa, voltei! — Um sorriso lupino se abriu de orelha a orelha. — Olha só, presentinho de graça.
— Ehhh… não foi um pouco longe demais?
O homenzinho esverdeado com certeza já teve dias melhores. Um olho roxo, um lado da cara escorrendo sangue, uma perna torta num ângulo impossível e todos os dedos quebrados. Era um milagre ele estar pelo menos vivo.
— Que nada — respondeu a mulher, confiante como sempre. — Nem quebrei uma unha. Se eu não me esforço, então não é longe demais… agora, finaliza!
O corpo do goblin rolou feito um saco de batatas. Chegava a dar pena, tanto que Ravi engoliu uma parte do vômito que ameaçou saltar de sua garganta.
— Sabe, acho que vou deixar pra próxima… — Piscou, uma ideia genial tinha aparecido no momento ideal. — Na verdade, tem algo que eu preciso procurar na vila!
— Tá de sacanagem comigo? — Cassandra bufou e colocou as mãos na cintura, com a clássica pose de sabichona. — Eu me dou o trabalho de ir atrás desse bicho nojento e tu desembucha essa pra cima de mim?
— Eu juro, é só que lembrei agora e…
A mulher se transformou em uma estátua viva de fúria. Uma aura densa de puro ódio se moldou na volta dela e fez a terra chacoalhar.
Ravi tremeu, seus pelos se arrepiaram — especialmente em lugares que não deveriam. — e por um minuto pensou que estava observando a morte viva.
Fugiu dali em pernadas largas, sem sequer olhar para trás. Mesmo que sua nuca fosse atingida por uma infinidade de xingamentos dos quais ameaçavam toda sua árvore genealógica, teve a certeza de se colocar longe o bastante para não ser perseguido.
Outra vez retornou à floresta. O lado bom era que a névoa havia desaparecido, deixando o horizonte poluído somente por árvores e um mato rasteiro.
“Ah, muito melhor…”
Girou o rosto para garantir que nenhum trem raivoso o perseguia. Realmente estava só, acompanhado de um silêncio quebrado pelo canto dos pássaros.
Suspirou de alívio e jogou o capuz para trás. Era realmente muito melhor ficar perto da natureza do que um vulcão em constante erupção.
— Depois eu volto, só pra não ser atacado por um chilique dela. — Uniu as mãos em prece, erguendo-as para o alto. — Roan, Diilan, me perdoem!
Deu meia-volta e seguiu uma trilha estreita pela floresta. Agradeceu do fundo do coração por ter marcado ao menos um caminho após a primeira experiência com o elfo de cabelo preto.
Tinha feito uma trilha de pedras, elas o levariam para a vila em questão de minutos. Sua cabeça continuava a trabalhar na missão de mais cedo, suposições existiam de sobra para encontrar a chave do enigma.
No entanto, poucas se encaixavam na fechadura. Ravi não era bom com charadas, muito menos quebra-cabeças, então aquela missão começou a rachar sua testa de tanto cogitar o que fazer.
Nesse interim, chegou à vila. Ela continuava igual, um elevador de madeira subia ao segundo andar, elfos aqui e acolá.
Se não fosse por uma sensação estranha, um pressentimento soturno, estaria tudo nos conformes.
“Esquisito. O que será?”
Analisou o lugar com os olhos e avistou uma multidão encostada num estabelecimento.
Eles seguravam placas e roupas bordadas de uma maneira peculiar, com os nomes Gael e Celline estampados bem no meio.
“Ah, são aqueles fãs esquisitões de mais cedo…”
— Cara — falou uma voz ao lado —, eu não acredito que os irmãos Shemov retornaram tão cedo
Ravi saltou de susto, seu coração foi de um a mil num estalo de dedos. Pena que o motivo do alarde foi irrelevante, pois era só um elfo alto de armadura de couro conversando com outro de cabelo cinza.
— Parece até conveniente — continuou, batucando os dedos em cima de um barril. — Por que eles voltaram?
— Não sei dizer — respondeu o azulado, com uma mão no queixo. — Dizem que alguém roubou um pingente da família e os dois vieram apanhar o ladrão, mas são só rumores.
“Pingente…? Espere, eu peguei um mais cedo, quer dizer que…”
O rapaz pegou o pingente do bolso. A bijuteria possuía lindos rubis incrustados ao redor, além de um fio de ouro que circulava em torno de uma gema central.
A aparência cara, o peso e o lugar em que aquele objeto foi encontrado batia igualmente com a descrição.
Porém o pior surgiu quando Ravi notou a tela flutuante acima do pingente.
Gulp.
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⌈ ⌉
Pingente Shemov
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Uma antiga herança da família Shemov,
criado por Iaura Shemov e passado adiante
como uma benção familiar.
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É um bem inestimável de qualquer nobre,
além do mais benevolente ato de amor entre
os aristocratas.
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+150 mágica e +10 Destreza.
⌊ ⌋
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“Achado poderoso? Isso tá mais pra roubo poderoso!”
Conteve a vontade de rir ao máximo, mordendo a língua até sangrar. Sua mão vacilou conforme andava por ali, sorte que o Glifo de Furtividade o deixava bem difícil de notar em meio a multidão.
Apressou-se em se esquivar do muro de corpos daquele recinto e o contornou, onde se afastou para dentro de uma viela.
Colocou o pingente no pescoço, uma imediata impressão de conforto apoderou dele. Era como se tivesse recebido um poder grande, do qual era capaz de resolver qualquer coisa.
O cordão se modificou em uma cor escura, além de que o brilho das pedras preciosas pareceu ter sido drenada para o cristal no centro, cujo reflexo aumentou.
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⌈ ⌉
O item se modificou.
Pingente Sombrio de Iaura Shemov foi
adicionado à lista de itens equipados.
⌊ ⌋
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— Pingente Sombrio? Cafona e maneiro. Hora de testar esse maldito efeito Fantasma!
Ravi respirou fundo, requebrou o pescoço, alongou as pernas e elevou as mãos para o alto.
Passou dois segundos e… nada aconteceu, só era ele numa pose idiota esperando que sua magia ativasse magicamente.
— Ah… — Estapeou a testa. — Eu esqueci como se usa magia.
Realmente era sem salvação. Logo na hora que a solução foi encontrada, sua própria idiotice derrubou quaisquer chances de concluir a possível missão.
— Quem dera se pudesse aparecer assim… — Estalou os dedos.
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⌈ ⌉
A magia Invisibilidade foi ativada.
⌊ ⌋
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— Puta que pariu, eu sou um gênio!
Olhou para baixo, seu corpo inteirinho parecia vento. Via o chão onde pisava e até a parede de madeira atrás de si pela região do umbigo.
Quando se deu conta, percebeu que o capuz e a capa estavam incluídos no efeito da magia. Ainda era possível puxar e sentir, mas era como tocar um vento sólido.
Depois de sacanear algumas pessoas na rua com esbarrões invisíveis, veio um desafio curioso.
Enxergou os dois elfos conversando de novo, sobre algum assunto político desinteressante, e na cintura do de cabelo armadura havia uma espada curta embainhada.
Ravi se aproximou devagar, nenhum reagiu. Lançou a mão na direção do cabo da espada, deslizou devagar para baixo e…
Clink clink.
A lâmina escorregou por acidente. Os elfos tomaram um susto e balançaram os olhos de um lado para o outro, então o primeiro pegou a espada de volta.
— Você devia tomar mais cuidado com isso — disse o segundo, voltando a relaxar. — Pensei que tinha alguém perto da gente.
— Nem me fala. — O outro meneou a cabeça. — Aliás, não tá se sentindo estranho aqui?
— Que papo é esse, Fernand? Tu sabe que eu não curto berinjela, né?
— Nã-não é isso!
E uma discussão bem esquisita se desenrolou entre os dois. Ravi preferiu se distanciar, já que ele também não curtia o papo de berinjela. Ao menos serviu de prova de que era realmente invisível.
“Certo, sem mais enrolar. Hora de ativar todas as magias!”
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⌈ ⌉
A magia Agilidade Aumentada foi ativada.
⌊ ⌋
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⌈ ⌉
A magia Passos Leves foi ativada.
⌊ ⌋
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⌈ ⌉
O efeito Fantasma foi acionado.
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O atributo Destreza foi aumentado em 3×.
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A habilidade Toque Etéreo será adicionada
à lista de magias enquanto o efeito prevalecer.
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O usuário pode momentaneamente ativar
o glifo Vôo neste estado.
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Duração de 5 minutos.
⌊ ⌋
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⌈ ⌉
O título “Primeiro Fantasma” foi adquirido.
A duração do efeito Fantasma aumentou grandemente.
Seu relacionamento com a
Guilda dos Ocultos aumentou grandemente.
⌊ ⌋
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⌈ ⌉
Missão concluída.
⌊ ⌋
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“Que dor de cabeça… muita informação…”
Ravi via estrelas de tanto que a sequência de janelas brilhavam. Jogou-as de um lado para o outro e limpou o campo de visão, apenas uma lhe interessava: as recompensas.
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⌈ ⌉
Você subiu de nível!
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O atributo Força aumentou
O atributo Destreza aumentou
O atributo Guarda aumentou
O atributo Mágica aumentou.
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Dois novos espaços de glifo foram gerados.
⌊ ⌋
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⌈ ⌉
Escolha uma habilidade para aprimorar.
– Glifo Furtividade
Glifo de Sobrevivência
Glifo de Armadilha
Glifo de Prestidigitação
⌊ ⌋
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— Tem como subir Furtividade mais uma vez? Não, eu devia procurar por melhorar minhas outras habilidades…
Uma pena que não era do tipo pensante, logo sua decisão foi óbvia. Clicou na primeira alternativa, sem mais nem menos.
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⌈ ⌉
O Glifo de Furtividade evoluiu.
Rank S → Rank EX
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A habilidade chegou ao seu nível máximo.
Todos os efeitos provenientes deste glifo
não possuem mais custo.
⌊ ⌋
⠀
“Todos os efeitos? Esse pingente já não serve pra nada…?”
De fato, Ravi não teve como ficar menos triste ao saber que o pingente era desnecessário.
Na verdade, um repentino choque passou pelo cérebro. Ele demorou demais para reparar num detalhe muito específico.
“Eu tecnicamente furtei isso, não foi? Caramba… e a descrição do item ainda diz ‘mais benevolente ato de amor entre os aristocratas’, o que quer dizer que eu praticamente tirei o bem mais importante de alguém.”
Ter o pingente no pescoço o fez se sentir sujo, como se fosse arremessado para um poço peçonhento.
Suspirou e tirou a bijuteria, era necessária uma decisão para se livrar do delito. Deu uma rápida bisbilhotada em si, por algum motivo as beiradas da roupa ganharam um tom de verde.
Uma conclusão o fez sorrir, ele tinha tudo o que precisava para devolver o que furtou.
Correu na direção da multidão e saltou para o alto, agarrando-se na primeira laje de uma casa.
De pouco em pouco escalou as casas e as estruturas, igual a uma aranha. Subiu e subiu, até chegar na primeira janela que o permitisse entrar no estabelecimento.
Tombou em uma pancada forte contra o piso, para seu alívio não houve barulho algum. Depois de choramingar um pouco do tombo, continuou o trajeto pelo corredor de madeira
Seus ouvidos estavam cheios das vozes do lado de fora, enquanto a concentração se limitava a procurar pelo menos uma voz que falasse sobre um pingente perdido.
— Encontrou-o, irmão? — indagou uma garota, dentro de um dos quartos.
Ravi encostou a orelha na porta.
— Não, não encontrei — respondeu outra pessoa, supostamente um garoto. — Celline, não sei quem ficará insano primeiro: o pai ou eu.
— Mais fácil que papai morra do coração quando dermos a notícia…
— Ha… como se perder aquele pingente fosse pouca coisa.
“Achei!”
Ravi tocou na maçaneta e a girou devagar, uma fenda era a abertura para que pudesse entrar sem causar confusão.
— Feche a porta, irmão.
“Vai, vai!”
Esgueirou-se para dentro no último instante, antes da tranca impedir seu caminho de retorno. Ficou grudado na parede e andou devagar para o lado como um camaleão.
Só pretendia deixar o pingente e sair, entretanto seu coração pulou uma batida. Tinha encarado o rosto fino e puro de uma garota, que conseguiu agarrar seu fôlego por uma fração de segundos.
— Continuando, irmão… — Ela deu tapinhas no colo. — Precisamos de uma força tarefa.
— Sim, já mandei Sebastian buscar mercenários. — Dois toques na porta fizeram Gael se levantar da cadeira. — Oh, ele deve ter chegado. Um minuto, já volto, irmã.
— Vá, depressa.
Outra vez a porta abriu e fechou. Era só Ravi e Celline dentro do quarto, mesmo que ela não soubesse que havia outra pessoa lá dentro.
Ravi jurou ter escutado um soluço, um choramingar. Foi só quando viu a expressão chorosa da jovem.
Lágrimas eram o fio da faca que traçaram os machucados em seu peito, enquanto os soluços serviam como ardência às feridas.
Aquele estado deplorável e depressivo mexeu com sua estrutura em um abalo.
“Pelo menos, vou fazer a coisa certa…”
Ele se achegou da cama e deixou o pingente em cima dos lençóis. Cutucou a jovem, que se arrepiou e freneticamente lançou olhares para todos os lados.
— Isso é seu, desculpa ter demorado. — Instintivamente sorriu.
Colocou um dos pés na sacada da janela, contudo era tarde demais para ter ignorado uma certa particularidade. A invisibilidade tinha acabado.
Virou o rosto para trás, apenas para dar uma última olhada no semblante chocado de Celline.
“Eu sou muito burro!”
E assim, Ravi saltou da janela e correu o máximo que pôde. Era uma bala vermelha pela floresta, seu rosto corou até não sobrar sangue.
Fez uma grande idiotice e já era tarde demais para consertar o problema.Sua única esperança era retornar ao esconderijo de Diilan e torcer para esquecerem do ocorrido.
Quando chegou ao esconderijo, o sol estava se pondo no horizonte. Ofegava de tanto correr, aquele dia tinha sido uma grande aventura nada saudável.
— Bom, voltei inteirinho, né…
— Inteirinho, você diz?
Um calafrio tomou conta de sua espinha. Lentamente olhou por cima do ombro, só para ver uma mulher loira de dentes rangidos e com uma expressão irada estampada no rosto.
— EU VOU TE MOSTRAR O QUE É VOLTAR INTEIRINHO!
E assim que Ravi aprendeu a temer pela vida, uma lição que para sempre ficaria guardada nos confins de sua alma e na ponta dos punhos de Cassandra.