O Invocador Sagrado - Capítulo 25
O que antes parecia apenas um pequeno incidente para a caravana de bandidos se tornou um perigo sério.
Ravi entendia isso só pelo clima e medo na face de cada um dos elfos. Era até engraçado, porque o efeito fantasma providenciava visão noturna, então ele conseguia distinguir claramente cada um.
Só que, ver Roan mudar de personalidade daquele jeito era algo que arrepiava suas orelhas. A ferocidade e a brutalidade como ele cortou a cimitarra…
“Que foda!”
Pela primeira vez o respeito quanto aquele homem disparou numa maneira absurda. Cassandra caia no lado assustador da moeda, mas ele? Ficava justamente num ponto em que só podia receber respeito.
O rapaz assistiu à ação como se fosse plateia, ao lado de Zindane, que sequer sabia que outra pessoa estava ali.
Roan brandia a espada muito depressa, a água da lâmina batia e criava tanto um choque quanto corte.
Mesmo ao ser encurralado por três pessoas, conseguia facilmente mover a espada para defender de ataques.
A lâmina se conectava ao braço de Roan por meio de cordas azuis, que manobravam o músculo e guiavam-no para encaixar os golpes da melhor maneira possível.
Porém não era como se fosse imbatível, pois um brutamonte o agarrou por trás e teve força o bastante para imobilizá-lo.
Como a maioria já tinha perdido as armas, decidiram resolver na base dos punhos. O primeiro o socou bem no meio do rosto, mas Roan não demonstrou expressão alguma, nem mesmo um gemido de dor.
— Cacete, esse cara não sente dor?! — reclamou o bandido, assoprando os punhos após tanto bater.
“Oh, merda, eu não devia ficar aqui parado!”, pensou Ravi, correndo para briga “Vou aproveitar o efeito fantasma!”
Entrou no meio da luta com uma voadora de dois pés no mesmo sujeito que estava batendo em Roan, e ele imediatamente saiu voando como se o vento o soprasse para longe.
— Aí, caralho! — reclamou, pondo as mãos na lateral. — Que que foi isso?
— Você caiu sozinho, Kem! — disse o chefe, que também tinha se juntado à roda de bandidos. — Levante logo ou… urgh!
Ravi cortou a fala do chefe bem na hora com um gancho no queixo, fazendo-o sair do chão, para em seguida correr ao primeiro bandido desatento próximo e seguir com um soco de mão fechada em cima da cabeça.
O invocador pareceu pegar ânimo no meio daquilo e deu um jeito de girar a espada d’água para se prender na axila da armadura de couro do brutamonte.
Após dar um pouco de força, bateu na região e conseguiu se soltar, só para finalizar com uma estocada.
Uma rápida manejada impediu de empalar o elfo, era só uma pancada para desmaiá-lo e o trabalho estava completo.
Ravi aproveitou o caos do momento para pegar depressa as chaves do chefe e se aproximar da cela. Testou-as depressa, até que uma funcionou e a tranca caiu, permitindo que puxasse as barras da cela.
— Senhorita Cassandra?
Estava cheio de pessoas, mas o rapaz olhava especificamente para uma. Era uma garota de cabelo loiro e cacheado, que escondia a cabeça em um pano velho.
Ela levantou o rosto devagar, só para a decepção de Ravi ser acionada em um instante. Era outra pessoa, uma completamente diferente só de julgar pelas orelhas pontudas.
— Senhor Roan, eu me enganei!
— Tá falando sério, Ravi?! — Roan deixou a espada cair sobre o ombro, a adrenalina aos poucos se esvaiu. — Não, esqueça… foi uma boa termos parado o que aconteceu aqui.
— Certeza? — Ele saltou de cima do apoio da cela. — Se bem que realmente… essas pessoas não parecem estar nas melhores condições.
— Não consigo ver nada, mas vou concordar plenamente.
— Ah, verdade! Só um minuto!
Ravi chegou perto de uma parede em que havia um dos gravetos e o riscou, porém para Roan era como se uma tocha tivesse ganhado vida e flutuasse em sua direção.
— Isso é assustador pra caramba… — disse, enquanto pegava o fósforo.
Só pelo comentário, o rapaz decidiu desfazer o efeito e voltar a ser visto. Ainda era estranho se movimentar tanto naquela roupa vermelha, já que o traje preto era quase como uma segunda pele.
Algumas pessoas saíram da cela, a maioria usava os mesmos trapos e possuíam aquela aparência decadente, numa mistura de velhos, crianças e jovens.
— Que complicado… — falou Roan, aos poucos percebendo o número de pessoas. — Zindane, ainda tá aí?
— Es-estou…
— Uma ajuda sua seria bem-vinda agora.
— Depois do que vocês fizeram?! — O elfo colocou as mãos no cabelo, prestes a arrancá-los. — Esse problema é sério! O que faremos se chegar mais deles!
— Quebramos na porrada! — respondeu o animado Ravi, com um sorriso ingênuo.
— Não é assim que funciona!
O debate duraria bastante se não houvesse uma interrupção brusca. A madeira das paredes se deformou numa entrada, possibilitando um senhor passar para lá.
Roan agiu depressa e apontou a espada na mesma direção, enquanto o rapaz ao lado levantou os punhos e estava a um comando de reativar o efeito fantasma.
Porém o que os impediu de agir mais adiante foi um peculiar cogumelo aparecer no ombro dele. Um cogumelo vivo, que andava e tinha até rostinho.
O queixo dos dois caíram, só podia ser ele… seria certeza se ele não estivesse vestido como um mendigo de floresta, com um robe verde arrodeado por folhas e um cabelo com pedaços de galho.
— Bem, bem, o que temos aqui, pequeno Tim? — Joaum apoiou o corpo num cajado. — Creio que cheguei um pouco atrasado, mas agradeço a vocês três por… me economizarem tempo.
— E você seria Joaum? — perguntou Roan, que deu um passo em frente.
— Sim, eu sou.
Ele coçou a nuca, meio relaxado demais para alguém que aparentava ser importante, até que levantou a sobrancelha e finalmente entendeu a pergunta.
— Como você sabe meu nome?
— Piettra me pediu para falar com você, estou com um aviso importante.
— Bem… não vejo porque negar.
Deu de ombros e por algum motivo deu crédito demais às palavras de Roan. Ravi inclusive não soube reagir, era a primeira vez que uma pessoa aceitava tão fácil a explicação deles.
Joaum gesticulou os dedos e girou o pulso, a madeira da árvore se dobrou ao bel-prazer dele, abrindo uma larga passagem por onde saiu.
— A vocês, amigos — continuou o mendigo —, só preciso que me acompanhem. Logo logo os levarei de volta aos seus devidos lar e.
Os outros seguiram o pedido sem queixar, na verdade se apressaram para saírem dali — com exceção de uma pessoa, a garota loira.
Ela se agarrou nas roupas de Ravi e apertou ao máximo, recusando-se a acompanhar os outros.
— Ei, dá pra me soltar? — O rapaz tentou puxar de volta, mas de nada adiantou. — Hah… e agora?
— Vamos com eles, Ravin— falou Roan, que tinha acabado de por os pés na passagem. — Falar com ele pode ser nossa melhor chance de achar Cassandra.
O menino concordou e foi num passo de cada vez junto do grupo. Zindane ficou por último, mas preferiu ir com eles, para garantir que não fosse apanhado por outros bandidos e morresse.
O caminho permaneceu igual por bastante tempo, então curvas e subidas apareceram, entregando um toque labirintítico aos de estômago fraco.
Ravi também notou a certa infelicidade de Roan e um arrependimento — possivelmente porque se afastaram mais e mais de onde Cassandra estaria.
Além disso, viu-o se livrar da espada d’água com facilidade, enfiando-a para dentro de um círculo de invocação.
Chegava a ser impressionante o tanto de coisas possíveis com invocações, o que puxava uma leve inveja de Ravi.
Só que um certo desconforto atrapalhava em se concentrar nas ações do companheiro, e isso era as puxadas que recebia de tempos em tempos.
Para sua sorte, Joaum tinha acabado de chegar ao destino — uma grande vila retocada por uma vegetação de cogumelos e flores lindíssimas, moldada para que tudo fosse de igual tamanho e estrutura. O queixo de Ravi caiu perante o cenário fantástico.
— Nossa… eu não esperava vir a um lugar assim!
— Obrigado pelo elogio — comentou o mendigo, ao lado deles. — Certo, amigos, por favor me escutem.
Após algumas palmas, todo o restante dos prisioneiros viraram os olhos ansiosos já direção do homem de cabelo de galhos.
— Meu nome é Joaum, sou o arquidruida desse assentamento e meus colegas druidas estão aqui para lhes ajudar no que for necessário. — Ele apontou o cajado para frente. — Basta esperarem ali, naquela fonte, e darem informações necessárias aos outros druidas daqui, tudo bem?
Todos obedeceram feito animais treinados. Sentaram-se em volta da tal fonte, que era uma bacia de madeira talhada de maneira natural, encontrada pouco antes de uma ponte que conectava ao assentamento.
Para a chateação de Ravi, aquela menina continuou na cola dele.
“O que diabos ela quer comigo? Eu não estou amaldiçoado, né?”
Poucos instantes depois, Joaum se aproximou de ambos e analisou cada um de maneira julgadora. Mesmo que vez ou outra olhasse para o rapaz, estava claro que a atenção era centrada em Roan.
Ele suspirou profundamente, tateou os dedos e enfim disse: — Senhores, me desculpem pela demora, só preciso que me acompanhem até minha moradia. A mocinha pode vir também.
— Claro — respondeu o Invocador. —, só seja rápido, por favor. Estamos com pressa.
Joaum confirmou com a cabeça e liderou o caminho. Atravessou a ponte e subiu as escadarias entre as moradias, até parar na mais alta.
Tirou as cortinas da frente, dando espaço para os convidados se aconchegarem na sala de estar, que possuía iluminação natural vinda do teto e uma porção de móveis feitos de vinhas e galhos.
Para o alívio de Ravi, a garota o largou assim que entraram ali e desapareceu para dentro dos outros cômodos.
O tanto de familiaridade com a casa de um estranho era uma particularidade que não esperava, porém ser liberto das mãos dela tirou sua noção da lógica por um momento, permitindo-o sentar numa cadeira e relaxar.
Descansou os ombros para trás assim que teve seu momento de paz, diferente do amigo ao lado, que estava tão tenso quanto uma corda esticada.
O arquidruida retornou à sala de estar com uma bandeja, contendo um bule, três xícaras e um conjunto de biscoitinhos quadriculados feitos de farinha.
— Agora podemos conversar tranquilamente. Enfim…
— Não tenho tempo para isso! — queixou Roan, que cerrou os punhos e deu as costas rumo a saída.
— Você sabe que não adiantará de nada ir atrás da sua amiga sem saber onde ela está exatamente, correto?
Aquilo foi uma bomba inesperada. Ravi mordeu a língua ao escutar cada palavra do arquidruida, enquanto Roan tinha parado de andar por conta do choque.
— Como você…
— Meu amigo Tim contou bastante sobre vocês. — Ele acariciou o cogumelinho no ombro. — Enfim, isso não vem ao caso, quero realmente saber do aviso. Em troca, lhe ajudarei a achar sua amiga.
Um xeque-mate. Aquilo fez o invocador ficar encurralado contra a parede e ser obrigado a respeitar as normas da casa de Joaum.
Pegou um assento, respirou fundo e contou a história desde o começo. Iniciou pela parte da vila, sobre o tanto de pessoas presas lá e a invocação do vampiro Gandriel.
Citou seu encontro com Diilan semanas após o incidente, e ele era o motivo de estarem naquele lugar para entregar o tal aviso.
Após terminar de contar o que devia, Roan respirou fundo e cobriu a face com uma das mãos, alisando os fios para cima.
— Pretendíamos ir a basílica assim que te encontrássemos, mas ocorreu que Cassandra caiu naquele buraco e a perdemos de vista.
— Compreendo, compreendo. — Joaum deixou uma mão no queixo, como se pensasse numa solução. — E você seria um invocador, correto?
— Sou, mas sei pouco. Acho que ficou fácil de descobrir depois que Diilan entrou no meio, né?
— Certamente. Aquele idiota nunca conversaria com uma pessoa comum. — Ele derramou um pouco de chá nas xícaras e distribuiu entre os dois convidados. — Quero cumprir minha parte do trato. Me escutem, por favor.
As antenas de Ravi se antenaram, finalmente o assunto principal havia caído em foco. Porém, antes disso, o arquidruida estalou os dedos e a mesma garotinha loira reapareceu ao lado da poltrona.
Se não fosse por ela ter retornado com uma série de embrulhos nas mãos, estaria tudo certo. O temor do rapaz só veio à tona porque notou alguns objetos pontiagudos saltando para fora dos embrulhos.
— Primeiro de tudo — retomou Joaum —, esta é minha filha, Vaneza. Ela foi sequestrada num setor do andar médio e eu desesperadamente a procurei, logo preciso agradecer ao que fizeram…
Vaneza espalhou pelo piso uma série de pertences diferentes, desde adagas e machados a pequenas bijuterias, como anéis e colares.
À primeira vista não existia algo de interessante, até a mente nerd de Ravi associar todos aqueles pertences a itens mágicos com alguma função específica.
— Podem levar o que quiserem, não uso essas tranqueiras há bastante tempo. — O homem recolheu o cotovelo para o braço da poltrona. — Segundo, já enviei uma força especializada para encontrar o quartel desses bandidos, também descrevi a aparência de… Cassandra, certo? De toda forma, eles sabem o que fazer, só preciso que esperem.
A conversa só continuou entre Joaum e Roan, pois a atenção do rapaz recaiu totalmente sobre a coletânea de itens.
Uma adaga em especial atraiu seus olhos de uma maneira espetacular. Era adornada por pedras negras e o formato da lâmina era semelhante ao de uma cimitarra, feito de um metal azul-escuro.
Já que estava livre para pegar o que bem entendesse, apanhou a adaga e um par de luvas finas que combinavam com o traje negro.
No entanto, seu companheiro não partilhava do mesmo entusiasmo, na verdade ele olhava para a pilha sem ter muita atenção.
— Joaum, você também é um Invocador, correto? — disse, expressando uma seriedade de matar.
— Sim, como líder do Círculo, sou.
— E você usa algum tipo de círculo de invocação diferente.
— Uso o da Terra. Por que a pergunta?
— Quero aprender sobre ele.
Ravi pela terceira vez no mesmo dia entrou em choque. Olhou para trás por cima do ombro, aquela expressão no rosto do amigo não dava o menor sinal de seriedade.
A resposta, por outro lado, o abalou mais ainda.
— Como forma de quitar a dívida, tudo bem.
Era impossível adivinhar o tipo de rumo que aquela conversa tomou. O rapaz tentou ficar na sua, porém não parava de pensar o que um novo círculo de invocação seria capaz de fazer.
Pior ainda era o jeito que Roan tratava as coisas, como se fosse um mero meio para achar Cassandra. Se estivesse no lugar dele, estaria pulando de felicidade, mas não era o caso.
Só o tempo diria o que aquele invocador faria com um novo círculo de invocação. Uma pena que eles não sabiam de um monstro dormente do outro lado de Vânia, descansando dentro de uma cela escura.
Um monstro loiro, de olhos verdes e cheio de fúria, que estava prestes a derrubar todo aquele lugar com os próprios punhos.