O Invocador Sagrado - Capítulo 32
Depois da invocação do vampiro, a luta à frente de Roan virou. Mal conseguia acompanhar Cassandra o monstro batalhando em meio às nuvens de poeira que se erguiam a cada pancada.
Pior ainda era o outro inimigo pelo flanco, que era alvejado por Ravi e pelo gorila, porém de nada adiantava, o morto-vivo continuava uma rápida sucessão de golpes que conseguiu empurrá-los de volta.
O silêncio do invocador era um sinal da derrota, um prelúdio da sua falta de fé quanto à vitória. Desde sempre o medo tomou a consciência e o fez imaginar no quão impossível era enfrentar o maldito vampiro, mesmo que estivesse ao lado dos amigos.
“O que eu faço? Como eu… como eu derroto ele?”
Tremores tomava conta da garganta, ele não conseguia dar sequer um comando para sua invocação, muito menos avisar os outros dois de que deveriam recuar.
Era de novo o medo agindo, medo dos olhos cadavéricos e do inevitável caos que os acompanhava e medo do futuro breve que espreitava.
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A deusa Yondra lhe observa.
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Porém, não era hora de ficar com medo. Roan encarou o cajado negro, sua última chance de fazer algo certo.
Arrancou um pedaço da folha do diário, mordeu a ponta do dedo e deixou o sangue escorrer, usando-o de pincel para pintar o maior círculo de invocação já desenhado.
Seis símbolos rodearam o círculo, uma gota d’água, uma onda, uma montanha, uma folha, um sol rodeado por espinhos e uma lua sangrenta.
A carga eletrizante que pulsava do círculo, conflitando entre a energia latente que cada um dos elementos representava; Água, Terra e Escuridão.
A combinação drenava sua mana, puxando para o conjunto de linhas no centro de Sonnemond. Roan fechou os olhos, fincou o cajado em cima da folha e permitiu que a energia mágica fluísse por todo seu corpo.
De repente, uma ardência nos pés drenou suas forças. O invocador caiu de joelhos, consumido pela dor infernal que lentamente subia pelo corpo.
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O jogador foi envenenado
2/4 maldições adquiridas.
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Um musgo roxo se fixava pelos braços e pernas, que drenava a consciência para longe. Entretanto, uma força sobrenatural recobrou suas forças.
Uma grande onda dourada recriou uma aura ao redor dele, levada ao círculo de invocação, revestindo-o em uma cintilante aura.
Um pilar branco subiu para as alturas, a cor mudou conforme a luz rodopiava no mesmo lugar. Listras verdes, azuis, escuras e amarelas tomaram o lugar do branco, lançando um fulgor colorido pelo ambiente.
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Glifo de Fusão Invocativa adquirido.
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O Glifo de Invocação evoluiu
Rank D — Rank C
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Fusão Invocativa Bem-Sucedida
O Espírito Ancião Vânia se fundiu
ao Cavaleiro Negro
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Uma nova invocação foi gerada
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O Cavaleiro da Vida e da Morte, Grantia, foi invocado
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O brilho parou. A respiração de Roan acelerou, agulhas perfuravam sua garganta cada vez que tentava retomar o fôlego, mesmo que um alívio o possuísse por saber que a invocação deu certo.
Uma armadura viva estava à sua frente, carregando uma lança negra apoiada por cima do ombro. Uma aura fina incorporava a pressão exalada por aquele ser, que fazia cada parte de Roan se atiçar e dar um frio na espinha a cada passo.
O invocador estreitou os olhos na direção do vampiro. A expressão dele não era risonha, na verdade não possuía reação alguma, como se seu humor tivesse sido puxado para longe.
O servo do vampiro, um guerreiro morto-vivo, tentou impedir o caminho, mas foi empalado por uma estocada da lança. Um lampejo se concentrou na ponta da arma pouco antes daquele zumbi explodir em pedaços.
“Eu invoquei algo assim?”, pensou Roan, enquanto cambaleava na direção de Ravi. “Vou ao menos aproveitar o tempo que ele está me dando!”
A queimação mexia com a consciência, porém a força de vontade sobressaiu a dor e redobrou suas energias. Em dado momento se aproximou de Ravi e se agachou perto dele, os ferimentos sobre a pele eram assombrosos e se espalhavam até os ombros.
Roan chamou o gorila e o entregou o rapaz, então ordenou para mantê-lo seguro e fugir. Assim que a invocação desapareceu, ele levantou o rosto na direção do cavaleiro.
Rajadas de estocadas pressionavam o vampiro a recuar, seguido por explosões luminosas cegantes que destruíam a carne pútrida do monstro.
Em meio a esse caos, Roan viu Cassandra apoiada no machado, com os braços molengas e ofegante, respirando em largas golfadas de ar. Apressou-se na direção dela e se ajoelhou ali, antes de colocar um braço por baixo do ombro.
— Cass, consegue ficar de pé? Vou te tirar daqui!
— A lu… a luta não acabou… — Ela tentou dar um passo, mas perdeu o equilíbrio e caiu de costas no chão. — Droga…
— Não se force tanto, você não se recuperou totalmente ainda!
Novamente ia ajudá-la, se não fosse por um arrepio que o fez instintivamente rolar para o lado. No lugar que estava se fincou um pontiagudo espinho, que derreteu em uma poça ácida.
O invocador engoliu seco e manteve a coragem para encarar aquela outra aberração, aquele monstro em forma de mulher. Pétalas negras cresciam nas mãos dela e em pouco tempo um espinho brotou na palma.
— Você é uma pessoa curiosa, invocador. — A voz ressoou como se estivesse dentro da cabeça dele. — Trazer uma invocação poderosa o suficiente para rivalizar Gandriel… eu daria o palpite que você também é o responsável por invocar Vânia, correto?
O silêncio respondeu por Roan, deixando os sons da batalha ao fundo comporem os barulhos do ambiente. Ele rapidamente olhou ao redor, em busca do arquidruida desaparecido.
— Se estiver procurando seu amigo druida — disse a mulher —, receio dizer que ele tenha se assustado tanto que fugiu com o rabo entre as pernas.
— Impossível, ele jamais faria isso!
— Oh, então diga isso a ele se encontrá-lo no pós-vida, invocador!
Tão rápido quanto as palavras afiadas, um chicote de espinhos voou na direção de Roan. Pena que, antes de sequer chegar perto, uma barreira de gelo fino o defendeu.
Seus olhos piscaram, sabia bem de quem usava uma magia d’água. A esperança só aumentou ao ver uma gigantesca cobra azulada abocanhar o monstro pelo lado, arrastando-o para longe com as presas.
— Tá de boa aí, parceiro? — perguntou uma voz ao lado, de um maldito nobre com parafusos a menos montado num tigre.
— Diilan… ah, sabe, retiro o que disse de você. — Um sorriso aliviado surgiu no rosto
— Ora, fico feliz em ouvir isso! — Saltou do felino, pondo-se ao lado do companheiro. — Agora devemos estar quites.
— Onde Joaum foi parar?
— Ele voltou para proteger o pessoal do assentamento, a árvore inteira está caindo. — Diilan puxou as mangas e jogou um frasco azul ao amigo. — Somos só nós dois agora. Beba isso, é uma poção de mana.
Roan tirou a rolha do frasco e desceu a bebida garganta abaixo. O gosto era doce e revigorante, tanto que em menos de um segundo seus sentidos pareceram voltar ao normal.
Na distância, a cobra azulada esmagava e arremessava a mulher de um lado para o outro, até que de repente uma luz roxa estourou de dentro da invocação e a tornou meros farelos de luz.
Roan não escondeu o pavor ao notar uma silhueta negra se aproximar. Seu cérebro o bombardeou de diferentes informações, até um estalo pipocar a mente e enfim trazer uma resolução.
— Diilan, me compre um pouco de tempo.
— Eu já ia fazer isso. Lark, avante!
O tigre azul saltou com suas garras, acompanhado do mestre numa sequência de magias de gelo. Já o outro invocador deu as costas e apanhou o machado de Cassandra.
— Desculpa, vou precisar disso.
Ela gemeu em resposta e estreitou os olhos. Roan arrancou uma folha do diário e usou o gume do machado para cortar a mão, derramando sangue em cima de um símbolo de Sonnemond.
Uma luz vermelha irradiou, então ele uniu as mãos e deixou o líquido vermelho fluir pelos dedos. Imagens mentais incorporaram os pensamentos e chegaram em uma invocação em particular, um golem.
Mas só isso não era o bastante, dois pequenos golens de madeira seriam inúteis contra a aberração, ou assim pensava, se não fosse por uma janela amarelada que provou o contrário.
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Deseja sacrificar as invocações?
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“Mesmo que eu não saiba o que significa isso, é agora ou nunca.”
— Sim!
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As invocações Jade e McCloud
foram sacrificadas.
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Geno evoluiu para Golem Médio
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Fusão Invocativa Bem-Sucedida.
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Golem Guerreiro Superior invocado.
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O piso tremeu diante da energia liberada pelo grandioso pilar de luz que acendeu do círculo. Entretanto, nenhuma invocação saiu dali, ela desceu do teto como um cometa.
Ondas de vento subiram pela queda e o queixo de Roan caiu ao olhar as costas gigantes e o machado esverdeado do golem. Mesmo depois dele ter virado a cabeça em sua direção, era impossível não se impressionar.
— Geno, derrote-a!
Assim que o comando foi dado, Geno ergueu o enorme gume acima da cabeça e o colidiu bem em cima do monstro. Ondas de choque voaram para todos os lados, lançando pedaços de madeira para o ar.
Tremores deram lugar à calmaria momentânea. Uma rosa negra emergiu do chão, quase tão grande quanto o golem e mais assombrosa que qualquer coisa que Roan já viu.
Diilan tentou conjurar barreiras de gelo para se proteger e contra-atacou com uma rajada de neve, uma pena que as magias mal conseguiram afetar a planta que não parava de crescer.
— Tsc, não dá pra fazer nada! — Ele recuou com Lark até o companheiro. — Roan, suba, precisamos nos afastar daqui.
— Não deixarei! — berrou uma voz distante e demoníaca.
Outra vez o vampiro surgiu, investindo contra os dois invocadores, porém ele foi barrado pelo cavaleiro de lança e forçado a lutar de volta, e isso o deu um sorriso.
— Bem como planejado.
O solo se dividiu, raízes cobriram todo o lugar, partindo-o em dezenas de pedaços. Esse evento deu tempo para o vampiro escapar para perto do outro monstro.
— Khamila, deixo o resto em suas mãos.
— Então vá logo, Gandriel, você não aguentará ficar mais tempo perto daquele ser.
— Te desejo boa sorte, você vai precisar.
Gandriel desapareceu em forma de névoa, partindo sozinho em sua fuga. Khamila ficou sozinha para enfrentar o golem, a misteriosa armadura viva e dois invocadores.
Roan apoiou a mão no chão, cada vez mais ansioso e esperançoso pela maneira que a batalha desenrolava. O cavaleiro negro deu um passo à frente, chamando atenção de todos.
— Irmã, eu tratarei de arrancar pessoalmente a sua cabeça!
— Vâ… Vânia? — gritou Roan, incrédulo.
— Ah, você demorou para perceber, invocador. — O cavaleiro virou a cabeça, chamas prateadas queimavam dentro do elmo. — Não sou mais Vânia, sou Grantia, e agradeço por ter me dado mais uma chance de resolver meus problemas. Agora, me dê um momento, pois empalarei esse parasita maldito com o poder que você me deu!
E mais uma vez, a armadura saltou para o embate. Flashes de luz colidiam contra as raízes corrosivas da planta, enquanto os golpes do golem causavam impactos brutais.
Os balanços e o caos forçaram Diilan a sair da plataforma instável, infelizmente sem poder ajudar uma última vez o amigo invocador.
Roan, diante do desespero, pegou Cassandra nos braços e correu por cima das vinhas e cipós que compunham a rosa. Seus passos errantes o faziam tropeçar, porém ele não desistia de salvá-la.
De repente, algo puxou sua perna. Uma vinha se enrolou aos pés e subia lentamente em direção às costas. Ele estava no limite, mal aguentava suportar o peso do próprio corpo, mas precisava fazer algo.
O invocador continuou e usou tudo de sua alma para proteger quem estava consigo. Uma vontade ardente crepitou em seu peito, acumulou-se ao ponto de uma energia mágica latejar ao redor dele.
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O atributo Vontade foi ativado.
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Roan ergueu a mão para trás e conjurou uma Bala Sombria forte o bastante para obliterar o que o segurava. A adrenalina subiu tanto à cabeça que seu corpo se moveu por conta própria.
A sensação desapareceu ao se esconder atrás de uma parede, logne dos sons ensurdecedores da batalha. Pôs Cassandra deitada, e assim que viu o rosto dela, fraquejou da cabeça aos pés.
Estava num estado terrível, as feridas se aprofundavam em cortes feios e a palidez era quase morta. Porém, as coisas mudaram quando a expressão da amiga se alterou, os dentes rangeram e os olhos choraram, até abrirem devagar.
— Roan…?
— Sou eu, Cass. — Pegou na mão dela. — Sou eu, estou bem aqui.
— O que… o que houve contigo? Por que você está assim?
— Eu estou bem, Cass, estou…
— Roan, olhe para os seus braços.
Assim que fez isso, o sangue dele congelou. Uma cor cinza infectava seus braços e peito, corrompidos por veias roxas que pulsavam com as batidas do coração.
No mesmo instante, a fadiga e a dor recaíram em suas costas. Era uma queimação constante que incinerava a força de vontade e fragmentava a mente.
E mesmo diante de tanto sofrimento, o homem permanecia em pé, escutando o som da morte ribombar por suas orelhas, chamando-o para ir embora. Ele agarrou as mãos de Cassandra e abriu um sorriso para confortá-la, enquanto cada pedaço seu quebrava.
— Roan… — Os olhos chorosos de Cassandra brilharam. — É culpa minha.
— Cass, não pense nisso agora, temos que…
— Temos que o que? Te sacrificar pra que eu sobreviva? É tudo minha culpa, Roan! Eu não… eu não aguento mais…
Um abraço envolveu Cassandra. Roan a acariciou na cabeça e permitiu as lágrimas caírem em seu peito. Doía bastante, ele sabia, e sua imprudência custou caro.
— Me escute, Cass, eu fiz isso por mim mesmo, mas principalmente pra te proteger. Eu daria minha vida pra te proteger.
— Por que? Por que você faz isso?
— Porque eu…
Um espinho o perfurou, bem no meio do coração, exatamente no ponto que Cassandra tanto almejava guardar. Os olhos dele esbranquiçaram, sangue escorreu pelo peito, manchando os dedos dela.
Ela sentiu todo o peso recair sobre si, a culpa, a angústia e a tristeza dançaram no redemoinho de sua mente. A frieza nas mãos, o pulso que se esvaia — ele se foi.
— Roan? Por favor, não…
Lágrimas caíram sem fim e se mesclaram ao vermelho, bailando com o trágico destino de um amor impossível de retornar.
Amor esse que jamais retornaria, fadado à tragédia da morte que há tanto tempo os perseguia — e que dessa vez obteve seu devido prêmio.
— Já chega…
A dor desse fato, no entanto, não levava consigo só tristeza, mas também uma fúria infinita, um ódio que ia além dos céus. Um sentimento explosivo acorrentado numa caixa, que ameaçava destruir suas amarras.
E esse sentimento era… uma fúria demoníaca.
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O modo Berserker foi ativado
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