O Invocador Sagrado - Capítulo 39
Roan ficou estático, aquela era a segunda vez que uma coisa desse tipo acontecia. A bolota branca começou a bater as asas e alçou voo, elevando-se a mais ou menos a mesma altura que o invocador, girando lentamente em sua direção.
Ele tremeu diante dos olhos da invocação, grandes esferas cheias de ódio e com uma chama cintilante crepitando no centro de seus olhos. Era uma fúria já conhecida, porém vista a partir de uma nova pessoa.
— Foi você… — disse, raios dourados estalaram ao redor da criatura. — Agora eu entendo como ela desapareceu, foi você, seu invocador maldito!!!
O golem rugiu, os cristais em seu corpo brilharam e ele levantou a mão para esmagar os dois contra o chão. Os raios ao redor da invocação explodiram numa energia alucinante, eclipsando por completo o corpo do golem e disparando relâmpagos que o pulverizaram num piscar de olhos.
Roan protegeu o rosto por um momento, quando a luz abaixou seus olhos puderam ter um vislumbre do poder que revestia aquela criatura. Era um farol mágico, por mais que parecesse um pouco fofinho demais para o poderio que tinha.
Ele continuou a voar e lentamente se aproximou de Roan, demonstrando plena hostilidade pelo jeito que olhava e movia. Depois de puxá-lo pela gola da roupa e arrastá-lo para o chão, disse:
— Olhe aqui, seu maldito de uma figa… você é mesmo um irresponsável e acabou de cometer um pecado celestial, tem noção disso?
O invocador acenou negativamente, meio intimidado e claramente envergonhado de ser suprimido tão rápido por uma bolota peluda e fofa.
— Claro que você não tem, seu cérebro humano só tem merda e lixo! — Ele petelecou o meio da testa do homem, assim levantando-o com sua própria força. — Agora fique de pé, vassalo!
“Vassalo? Tá falando sério…? Esse carinha tá me tratando como um servo?”
— Ei, não tá me escutando, vassalo?! Pare de me olhar com essa cara de tonto!
— Eu estou sim te ouvindo, relaxe… — Suspirou, coletando seu cajado caído no chão. — É só que tem uma coisa que temos que resolver antes…
Roan encarou o restante das pessoas ao redor. Era um bando de demônios humanoides, com chifres de cervo na cabeça e uma pele cinza, que parcialmente se camuflava no terreno cheio de fumaça do vulcão.
A invocação levantou sua mãozinha, uma energia elétrica correu pelo seus pelos brancos e se armazenou na ponta dos dedos, gerando uma pequena esfera pulsante.
— Nem ousem se aproximar, criaturas nojentas!
A reação daquela tribo foi de apontar as lanças e grunhir. A tensão voou no ar por alguns segundos, até Roan interferir segurando a bolota e abaixando sua mão. Uma nova briga seria péssima, especialmente se houvessem mais dos golens que enfrentara a pouco.
Por mais que acreditasse que sua invocação pudesse lidar com tudo, já que ele sozinho praticamente transformou o inimigo em poeira, não queria passar por uma zona de guerra onde tinha a chance plena de morrer. E claro, não ia devolvê-lo ao seu plano, pois os materiais gastos foram caros demais para fazer isso.
— Se acalme, eles não podem ser selva…
Antes de Roan terminar de falar, uma saraivada de lanças voou em sua direção. A invocação emitiu sua energia para fora, criando uma barreira protetora que ricocheteou as armas, então recolheu essa força e lançou uma onda ao redor que empurrou tudo para longe, incluindo o próprio invocador.
O homem fincou o cajado no chão para evitar ser arremessado, mesmo que aquela força monstruosa tentasse tirá-lo do lugar. No entanto, o treino de Yondra havia feito mais que meramente incrementar o modo como ele controlava a energia, todo o seu físico foi reforçado. Parte do terreno foi varrido, uma grande cratera circular deu lugar às rochas e árvores disformes que haviam ali, tendo somente Roan e a bolota branca.
O invocador estufou os olhos diante do cenário devastado. Aquela não era uma força ordinária, na verdade ultrapassava e muito tudo o que tinha visto, nem mesmo suas magias e atributos atuais chegavam perto. O arrependimento de ter feito a invocação o atingiu, especialmente porque a qualquer momento a invocação poderia se revoltar e matá-lo.
— Agora quanto você… — disse a criaturinha, respondendo aos temores internos de Roan —, me transforme ao que eu era antes, vassalo!
— Desculpa, eu não posso fazer isso…
— Como não?! Se me invocou nessa forma, claro que consegue reverter!
— Ter tem, mas não é tão simples. — Roan cruzou os braços, tentando tomar a razão naquela conversa. — Eu preciso usar núcleos e itens para te fortalecer, e eles não são tão baratos assim. O máximo que posso fazer agora é te desvanecer e te mandar de volta.
— Nem pense em fazer isso, humano! — A expressão dele se alterou por completo, como se houvesse um pavor sobrenatural. — Eu me recuso a retornar nessa forma!
Aquilo trouxe uma pulga para a orelha de Roan. Arillumia teve uma reação semelhante, se não igual, o que forçou algumas engrenagens a começarem a funcionar dentro de seu cérebro. Será que toda vez que desvanecia uma criatura, ela retornava ainda no estado que foi invocada? Pelo que a bolota falou e sua reação era o que dava a entender.
Então, isso queria dizer que todas as suas invocações funcionavam da mesma forma, sua dúvida era para onde elas iam depois de “morrer”. Ele lembrou de ainda conseguir invocar o boneco de madeira, Geno, mais de uma vez e ainda se entender com a criatura tranquilamente, então o que será que acontecia com cada um individualmente? Como ele estava muito imerso nos pensamentos, um puxão de orelha o trouxe de volta a realidade.
— Pare de pensar tanto, preste atenção aqui, invocador burro!
— Aí, aí! — Espantou as garrinhas apertando sua orelha com um tapinha. — Eu já entendi, por que você não para de ser um pé no saco antes?!?
— Tá querendo morrer, seu maldito?! — Os dentes pontiagudos da bolota rangeram, e a troca de olhares incrementou aquela tensão. — Não levaria um segundo para te evaporar daqui!
— Ah é? Então boa sorte querendo ter seu poder de volta e sair desse lugar! Anda, tenta, quero ver se você tem coragem pra continuar nessa forma aí nesse fim de mundo que estamos!
O monstrinho levantou o dedo, pensando numa forma de retrucar, o que Roan logo percebeu que não conseguiria porque a situação era complicada demais para se livrar sozinho. Se quisesse retornar ao seu poder original, precisaria de um invocador ou algumas centenas de séculos, coisa que não era tão factível assim. A resposta do invocador, inclusive, fez sua invocação analisar onde estavam.
Ele olhou para todos os lados, e quanto mais mexia a cabeça, maior era a quantia de suor que escorria por seus pelinhos brancos.
— Nós… nós estamos no submundo?
— Sim, exatamente. — Roan cruzou os braços e suspirou, seus olhos reviraram em conjunto. — Se me ajudar a sair daqui, vai ser mais fácil de fortalecer você o bastante para retornar ao seu lugar.
— O problema já não é mais esse, agora o verdadeiro problema é que estamos no submundo, seu cabeça oca! Você me trouxe para o pior lugar possível.
O homem levantou uma sobrancelha.
— Por que? O que tem de demais aqui?
— Nós dois estamos morrendo! Você pro acaso não sente sua energia vital se esvaindo? O submundo literalmente drena mais de sua força vital a cada segundo! Olhe para sua mão!
Roan encarou sua palma. Estava pálida, as veias se destacavam coloridas na textura semi-transparente de sua pele. Como se não bastasse, elas se estendiam até metade do braço, enquanto seus músculos pareciam encolher muito lentamente, numa velocidade que só seria percebida com muita atenção. Ele engoliu seco e, vendo que os segundos passavam cada vez mais rápido, correu em linha reta, rumo ao vulcão no qual o dragão disse estar o que desejava.
— Então se apresse, quanto antes sairmos, melhor!
A criaturinha concordou com um aceno e bateu suas asinhas atrás do invocador. Ambos aceleravam o ritmo da travessia, desviando muito rápido dos obstáculos, desde rochas, raízes expostas das árvores de carnes ou lanças da tribo que fora atacada há pouco. Foi por sorte que eles conseguiram chegar ao pé do vulcão e começaram a escalar. Roan não comentava muito, grande parte de sua viagem era no puro silêncio, ocasionalmente olhando para trás e confirmar se sua invocação ainda estava com ele.
Apoiando o braço bom com o cajado, ele olhou para o topo. A cortina de fumaça criava nuvens cinzentas gigantes que tapavam o céu vermelho, lançando neve preta nas rochas escuras que criavam uma cachoeira estática de lanças pontiagudas. A vista ocupava o horizonte, a escala colossal do vulcão causava mais ansiedade no invocador, que agora via dois relógios correndo contra si.
Ele respirou fundo e parou numa pedra. Estava demorando muito, se continuassem assim ia levar mais uma eternidade.
— Se continuar parado, nós não vamos chegar nunca! — reclamou a bolota ainda sem nome. — É isso ou a nossa vida, acelere!
— Cala boca. Nesse ritmo a gente não chega nunca, tô pensando em como poderíamos chegar mais rápido.
Procurou a solução em todo lugar, desde usar uma nova invocação até montar nas costas de seu colega irritante. A primeira era inviável, os materiais foram tão caros que a quantia esmagadora de pontos que tinha se tornaram nada, enquanto a segunda era impossível porque ele aparentava ser fraquinho demais para aguentar seu peso.
Se me permite, senhor Roan, posso providenciar alguma ajuda.
A voz de Sebastian ressoou em sua cabeça, causando inclusive um susto porque fazia algumas horas que ele estava quieto. A adrenalina fez com que esquecesse que o relógio em seu peito na realidade era uma pessoa.
“O que, Sebastian?”
Uma pequena ideia que você pode usar. Se Yondra conseguiu ter um tempo contigo, logo, creio que deve ter aprendido sobre o uso de energia divina.
“Eu aprendi. Você vai me ensinar outra coisa que nem fizemos no começo, não é?”
Sim… concentre sua energia para fora, como quisesse tentar montar uma barreira, mas empurrando as coisas ao seu redor. Quanto mais força tiver, mais fácil será.
Roan piscou duas vezes, escutando só os murmúrios irritantes da bolota branca atrás de si. Ele pegou as partículas que corriam pelo seu corpo, que disputava espaço com sua própria energia vital e mana, então as jogou para fora de uma vez, empurrando a terra abaixo de seus pés e por um momento ganhando um pouco de altura.
Levou um susto, tendo que flexionar os joelhos para não cair de bunda. A invocação, após ver o comportamento estranho do invocador, aquietou a boca, mais curioso em descobrir o que ele faria ao invés disso.
A bolota branca se sentou numa pedra, cansada de bater suas asas. Com as mãos apoiadas no queixo, observou a pose esquisita do homem, como se ele quisesse “cagar”.
Roan tentou novamente, adquirindo um pouco mais de altura, mas balançando seus braços e perdendo o equilíbrio com muita facilidade, caindo com as costas no chão. Soltou um suspiro, era difícil pra caramba, assim como tudo o que fizera até ali, e por isso que não desistiu. Era ele contra os tique-taques do ponteiro, e existia uma pessoa muito importante esperando do outro lado.
Com uma grande respirada, a energia divina o impulsionou para cima. Ele flutuou em cima do nada, um pouco desengonçado com a sensação de estar em gravidade zero, mas satisfeito que isso talvez ajudasse a enfim terminar seu serviço. Ele pegou a bolota com as duas mãos sem nem aviso prévio, o que trouxe certos gritos de desespero quando Roan disparou seu vôo em direção ao topo do vulcão, enfim podendo atingir seu objetivo de pegar o maldito ovo.
O glifo de aura protetora evoluiu.
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A magia “Vôo” foi desbloqueada.