O Invocador Sagrado - Capítulo 40
Roan pousou na borda da boca do vulcão. O calor incendiava a pele e a lava expelida pelo reator vulcânico era cegante. O ar fugia dos pulmões, como se a fumaça forçasse a entrada pela garganta e expulsasse o oxigênio.
“Eu deveria ter me precavido contra isso, vim cedo demais…”, pensou, pondo a mão no peito e trancando a boca com os dentes. “Não, eu não posso perder tempo. Tem que ser aqui e agora, mais tempo aqui é o mesmo que atrasar o meu retorno.”
Tome cuidado ainda assim, senhor Roan. Antes precavido do que morto. Melhor retornar do que pegar.
O homem acenou a cabeça com a dica de Sebastian, uma pena que com certeza não seguiria a risca. Largou a invocação presa entre os dedos, que bateu no chão como um saco de areia, talvez por conta da intensidade das chamas ou por causa da estonteante atmosfera que pesava sobre os ombros dos dois.
A fraqueza de ser reduzido a um corpo inferior também era um fator que o influenciava a não voar, mas ele admirou o humano por ter coragem de enfrentar aquela pressão de olhos levantados e dentes cerrados.
Esse mesmo homem começou a andar, seus passos iam em direção ao lago infernal, que brilhava com mais força conforme se aproximava. Parou na beirada, vendo gotas de lava cuspirem para perto de seus pés, mas sem se abalar pelo perigo que sentia.
Diante de seus olhos, exatamente no centro da bacia de magma, flutuava uma esfera cinzenta rodeada por uma cortina de fumaça. Uma película de vidro rodeava o objeto, enquanto as correntes negras de vento correndo em seu interior se dobravam em si mesmas, num ciclo de soltar uma pequena quantia de fumaça para fora do casulo.
Por culpa ou não do núcleo cinza, o fôlego de Roan estava rapidamente sumindo. Não tinha tempo e muito menos energia para voar, e se tentasse, desmaiaria para dentro do lago no instante seguinte.
Pensou e pensou, encarando a esfera rodopiar no próprio eixo, provocando-o para pegá-lo de qualquer forma que fosse possível. No final das contas, a única coisa que conseguiu chamar um pico de sua atenção foram as palavras de Sebastian, “melhor retornar do que pegar”.
Se sua energia podia agir tanto como uma barreira protetora para retardar o envenenamento do miasma quanto também era capaz de ajudar a voar, então por que não tentar puxar aquilo para mais perto com esse poder? Roan estendeu sua mão na direção da fumaça, imaginando uma força invisível engloba-la e trazer para perto.
Claro, não funcionou, como esperado, deixando-o mais frustrado que nunca. O desespero de morrer por hipotermia deixou de ser uma possibilidade e virou realidade, para variar, seria uma morte extremamente embaraçosa para sua própria mente imersa na adrenalina que o ambiente impôs.
Mais uma vez espantou a energia divina para fora do corpo e a guiou em direção a esfera. Nada aconteceu. Seu coração acelerou, agora as circunstâncias queriam levá-lo a um tipo de loucura. O rosto dela veio a sua cabeça, seguido de uma raiva surreal que tremeu dentro de seu peito. A energia ganhou mais vida, cintilando entre as cinzas que enchiam o chão como neve. Era agora ou nunca.
Roan moveu seu braço para trás, o orbe foi envolvido por uma corda laranja, vindo lentamente em sua direção por meio de leves torções no pulso que tentavam trazê-la para perto. Isso, no entanto, se provou ineficaz, porque o mero uso de seus poderes tornou mais difícil ainda manter a consciência em meio ao vento quente.
Ele apertou o punho, aumentando um pouco a velocidade, só que não era o bastante. As partículas ao redor de seu braço explodiram, pequenas bolhas emergiram de seu braço pelo consumo excessivo de poder, lançando sangue e pedaços de pele para todos os lados, que imediatamente evaporaram por conta do calor. Doía, doía tanto que queria desistir da missão, largar aquela tentativa fútil de escapar do inferno e abraçar seu destino… se não fosse por algo maior, uma coisa que o chamava de volta, ele não se arriscaria tanto.
O orbe caiu em cima de seus dedos, ele apertou na mesma proporção do sofrimento que as feridas no seu braço causavam. Queria gritar, expulsar a dor pelo caminho mais óbvio, só que a língua estava presa no fundo da garganta em respeito a sua resiliência.
Tudo isso era presenciado pela pequena criaturinha de pelo branco, cujos olhos se encantaram pela visão, um invocador insano ao ponto de enfrentar uma adversidade monstruosa e conseguir ficar de pé rente a isso, sem depender das criaturinhas que trazia de outros mundos para realizar o trabalho por ele.
“Esse homem… ele é louco!”
Segundos após obter o núcleo, Roan se ajoelhou, seus joelhos ganharam marcas de queimadura, o suor escorrendo e sumindo de suas costas mais do que destacou o cansaço pelo qual sua mente passava. Foi dever da bolota branca puxá-lo para fora da zona de disparo da lava do vulcão, que agora agitava com mais ferocidade.
Não demorou para que a invocação também o carregasse ladeira abaixo, já que o piso de pedra se partiu conforme o magma era expelido do fundo da terra para as alturas. Pelo visto, não só era perigoso de pegar o núcleo, mas também era o que mantinha o vulcão adormecido.
Uma pena que era tarde demais para colocar aquilo de volta no lugar e quem sabe abandonar uma missão, e pior ainda era para Roan, que perdeu a própria consciência para a exaustão e para a tontura de encarar o céu girar e girar.
O monstrinho carregou o invocador por todo o caminho — por mais impressionante que soasse, por causa de seu tamanho diminuto. —, desviando dos pedregulhos gigantes rolando atrás de si e pelo fogo do inferno implodindo por baixo das altas árvores tortuosas.
Ele parou quando já estava muito longe, passando a cratera deixada no combate contra o golem de cristal e em que tiveram um pequeno conflito contra uma tribo de selvagens — inclusive, depararam-se com essas mesmas pessoas fugindo por motivos semelhantes.
Foi por muita sorte que conseguiram evitar a foice da ceifeira. A bolota largou o corpo de Roan em cima do chão de carne, tomando como lugar o peito dele para não sujar seus pelinhos brancos com vermelho. Mesmo no pior lugar possível, precisava de algum senso para não estar numa péssima aparência.
Pouco tempo depois, o invocador acordou. Seus olhos se depararam com uma criatura fofa sentada em cima dele, de braços cruzados e o encarando de volta no fundo das pupilas, criando um silêncio constrangedor entre os dois, que foi quebrado quando a invocação deu um pulinho e caiu com um forte chute na barriga dele.
— Ai, filho da puta! — Roan apoiou as mãos no abdômen, praguejando dentro de sua cabeça e ao mesmo tempo agradecendo por não ter mirado mais baixo.
— Seu retardado de uma figa, você quase nos matou! — Com a mão na cinturinha, a invocação bateu suas asas e ficou logo acima da cabeça do invocador. — Como se não bastasse ter me reduzido a essa forma, ainda tentou um plano suicida comigo no meio! Tem noção da punição que você receberá quando morrer? Eu vou fazer questão de te julgar pessoalmente, maldito!
O homem o pegou pela ponta dos fios de pelo no topo da cabeça, igual uma pelúcia, e fez sua expressão mais “não me importo” que já imaginou fazer. Era até mesmo pior do que as caretas feitas para gente que ele odiava.
Ele levantou o orbe cinzento para esfregá-lo no meio dos pelos da criaturinha, como se tentasse lustrá-lo para por seu brilho para fora. A invocação reclamou por ter sua preciosa cor branca marcada por tons cinzas.
— Esse é o nosso tíquete pra sair daqui. Por que você acha que eu me esforcei tanto pra pegar isso?
— Hah, eu deveria ter imaginado… — Levou suas patinhas pequenas em direção ao sangue vazando pelo braço dele. — Vou te curar, mas é só dessa vez. Da próxima vez que se machucar, vai ter que dar seu jeito!
— Valeu… — Ficou um pouco impressionado pela velocidade da cura, as crateras na pele desapareceram num piscar de olhos. — Ei, já que passamos por tudo isso juntos, porque não me conta seu nome agora? Não quero ter que ficar te chamando de “bola de neve” ou coisa assim.
— Boa ideia, eu odeio ter que receber um apelido de um mortal… Me chame de Nathaniel. E você, invocador?
— Me chama de Roan, Nat. — Ele sorriu, sabendo onde exatamente tocar no vespeiro para irritar a bolinha de neve.
Que nem um turbilhão, uma série de soquinhos fracos atingiram o rosto do homem. Ele pouco ligou, pareciam mais picadas de mosquito que qualquer outra coisa.
Muito impressionante, senhor Roan… mas eu teria uma reação igual a do nosso companheiro Nat se o relógio caísse na lava em algum momento.
“Mas você não pode se transformar em humano e sair voando? Pra me dar dicas de como usar meu poder, provavelmente também deve saber utilizar ele, né?”
Se as coisas fossem simples como diz, talvez… é complicado, desculpe.
“Entendi. Me desculpa, arrisquei um pouquinho demais na ideia.”
Sim, só um “pouquinho” demais…
Com um suspiro, seguiu pela estrada infernal, acompanhado do super útil e também furioso Nathaniel. Não comentaram nada durante o caminho, Sebastian também se manteve quieto durante o percurso.
Era muita sorte que o castelo de Gondrael pudesse ser visto de qualquer ponto de vista, até mesmo do ponto randômico que Roan estava. A viagem exigiu certa habilidade para não cair nos poços de fogo e nas armadilhas traiçoeiras das súcubos, porém no final das contas tudo deu certo — e ainda bem que deu, pois caso ele não tivesse resistido a tentação, haveria um turbilhão gigantesco no inferno alguns anos depois.
A dupla, ou trio, parou em frente aos altíssimos portões negros do castelo, que abriram com um rangido estridente. O lado de dentro estava vazio assim como da primeira vez, com exceção de um sentimento que preenchia o ambiente. Alegria, quem sabe, já que Roan retornou após uma árdua missão.
Após a entrada, entraram num corredor largo de teto alto, a primeira passagem que se depararam assim que adentraram. Roan estranhou a forma que passou entre os corredores, pois em determinado momento, sem perceber, ele já estava num andar muito alto, com janelas para o lado de fora. Na sua cabeça, ir tão rápido de ponto A a B sem reparar era um mal sinal, a fortaleza parecia sua própria estrutura para um caminho mais rápido ou era uma pessoa controlando esse grande máquinario para serem levados ao canto correto.
O invocador parou em frente à entrada para o salão do trono, destacada pelas estátuas de seres draconianos e por um par de castiçais em formato de tridente nas paredes. Engoliu seco e deu um passo em frente, deparando-se com o grande dragão deitado sobre uma pilha de ouro. Ao invés de sentir uma aura pesada, ver o rabo escamoso balançando de um lado para o outro baixou muito a tensão.
— Ora, finalmente você voltou! Eu estava ansioso pelo seu retorno, e parece que também trouxe uma invocação fortinha consigo!
— Não liga tanto pra ele, só tô grato por enfim voltar. Eu também fiquei ansioso pra voltar logo… Aqui é bem melhor que lá fora…
— Com certeza. Eu poderia ter lidado com essa tarefa facilmente, como você mesmo sabe, só que seria algo extremamente complicado… Não sou tão pequenino igual a você.
“Eu ainda fico inconformado com a cara de pau dele pra dizer isso…” Roan deu de ombros, então sacou o orbe do braço e pôs em cima de um montinho de ouro bem posicionado na linha de visão do dragão. — Trouxe de volta, igual nosso acordo.
Os olhos de Gondrael brilharam, suas narinas soltaram dois aros de fumaça de felicidade. Com muita delicadeza, pegou o núcleo cinza na ponta das garras e o analisou de perto. A fumaça no interior da bola de vidro se remexia e criava mais e mais de si mesma.
— Perfeito! Receba sua recompensa!
Uma missão foi concluída
ᐅ O Invocador do Dragão ᐊ
Recupere o núcleo de cinzas
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Recompensas
50.000 unidades para o Banco Cósmica
Uma habilidade nova de classe
Um novo glifo foi desbloqueado.
Elo Espiritual
Rank F
Sua alma é compartilhada com toda invocação que possui, assim permitindo trazê-las de qualquer plano dimensional que estejam. Você pode abrir uma fenda dimensional para trazê-la imediatamente para perto de si.
Roan levantou as sobrancelhas ao ver o que sua habilidade fazia. Era mesmo curioso, e queria até testá-la naquele momento, infelizmente seu colega felpudo com certeza recusaria se fosse direto assim. Ele deu um sorriso e dispensou a tela com um tapinha no vento, retomando seus olhos para o dragão.
— Mais uma coisa, já pode me dizer como sair daqui…?
— Claro. Suba. — O dragão ofereceu sua asa para que ele escalasse, e logo o humano o fez. — Será uma viagem rápida como gratidão de ter me ajudado. Sinta-se honrado, humano.
— E-eu me sinto… — respondeu timidamente, por dentro se remoendo pelo dragão se achar demais.
Num estalo de dedos — ou unhas —, um portal vermelho surgiu, idêntico ao que levou Roan para perto do vulcão. O dragão saltou para dentro e o homem em suas costas teve que puxar Nat como se fosse um punhado de cabelo solto, causando muita mais dor do que deveria.
Vento quente colidiu contra seu rosto, seguido pelo ambiente que mudou para um castelo confortável para o cenário habitual de almas torturadas e gêiseres de fogo. No entanto, o céu, ao invés de vermelho ou cinza, não existia, e o que ocupava esse posto era um teto de rocha escura, lentamente afunilando para o mesmo ponto.
Roan estreitou os olhos em direção ao que se aproximavam, um tipo de porto feito de madeira, com um largo buraco na parede de rocha preta, onde dezenas de milhares de almas fluem para fora. Ironicamente, a entrada do submundo era também sua única saída.